A investigação dos crimes
estritamente militares pode e deve ser do âmbito de um órgão de investigação
criminal completamente autónomo em relação a quem administra a
«coisa» militar.
Jorge Aires | Abril Abril |
opinião
É cedo para concluir sobre o que
se passou e as motivações subjacentes. Seria bom que a investigação fizesse luz
e a opinião pública viesse a saber a verdade. Como na guerra, a história será
escrita pelos vencedores pelo que é pertinente admitir que saberemos tão só o
que nos quiserem dar a saber.
Importa contudo deixar registo do
que me parece essencial e releva de uma certa idiossincrasia dos
militares, quiçá de uma geração que exibe dificuldade de adaptação
aos tempos de hoje onde em, múltiplas frentes, assistimos à erosão do
sentimento de Estado-Nação para psicologicamente nos abaterem e mais facilmente
nos colonizarem.
O combate à erosão desse
sentimento merece bem mais a concentração do nosso esforço do que
desgastarmo-nos na defesa de perímetro de uma realidade que demora a adaptar-se
ao quadro constitucional vigente.
O funcionamento da Instituição
Militar tem de inevitavelmente ser considerado em dois contextos distintos, o
do conflito real e o da preparação para o conflito. Importa ter presente que a
Constituição da República só prevê a existência de Tribunais Militares em
estado de Guerra daí que, excluído o estado de guerra, a justiça seja
administrada pelos Tribunais que, para o julgamento dos crimes estritamente
militares, contam com a participação de militares. Aos Tribunais chega-se
depois da investigação criminal desenvolvida por Órgãos de investigação
criminal que devem ser autónomos de quem administra.
Saberão alguns que a Polícia
Judiciária Militar (PJM), órgão de investigação criminal para os crimes
estritamente militares, antes de depender de Sua Exa. o Ministro da Defesa já
esteve (1977) na dependência do CEMGFA. Acontece que a separação de poderes
aconselhará que para o âmbito de atuação da PJM se adotem, no caso, as mesmas
práticas e enquadramento que justificam a autonomia da Polícia Judiciária (PJ).
A investigação dos crimes
estritamente militares (substancialmente diferente de crimes cometidos por
militares, seja no, ou fora do «quartel») pode e deve ser do âmbito de um órgão
de investigação criminal completamente autónomo em relação a quem administra a «coisa» militar,
Ministro e, ou Chefe Militar.
Conferir autonomia e
enquadramento devido à entidade que investiga os crimes estritamente militares
contribuirá para por um ponto final à propensão autocrática consubstanciada na
filosofia de que «militar cumpre ordens». O que deve prevalecer, é, militar
cumpre ordens legítimas. Se a ordem não for legitima tem a obrigação de recusar
o seu cumprimento.
Por outro lado, a investigação de
crimes comuns quando ocorridos em instalações militares (sentido lato – unidades
estabelecimentos, órgãos, aeronaves, navios e outras embarcações e viaturas
militares) deve ser levada a cabo por agentes de investigação com formação
apropriada ao ambiente em que se vão movimentar o que poderia ser mais fácil de
assegurar se tais agentes fossem militares ou, no mínimo, enquadrados por
militares.1
Do que se escreveu emerge a ideia
de que o País deve estar dotado de um Órgão especializado na investigação dos
crimes tipificados na Lei como sendo estritamente militares. Órgão que deve
possuir competências para investigar (ou no mínimo enquadrar as diligências a
levar a cabo...) outros crimes ocorridos em instalações militares (no sentido
lato), chame-se a esse órgão PJM.
A PJM não deve ser um órgão da
Instituição Militar (IM). A PJM deve ter um enquadramento blindado à
interferência da cadeia hierárquica da IM, do Ministério da Defesa ou de
qualquer outro órgão do Estado que integra o chamado «poder executivo». O
equilíbrio de poderes advém da sua separação.
A PJM tem de estar sob a alçada
efetiva do Ministério Público (MP). Acresce que, tratando-se de um órgão de
investigação criminal, só tem a lucrar com a sua integração na entidade para a
qual essa atividade constitui razão da sua existência, a Polícia Judiciária
(PJ).
Daí que, o mais apropriado, à
semelhança do que sucedeu com os Tribunais Militares, seja a integração da PJM
na PJ como unidade especializada na investigação dos crimes estritamente
militares e de outros crimes que ocorram em instalações militares no sentido
lato. Os técnicos da PJM devem ser militares qualificados e especializados em
ciências forenses.
O anterior Ministro da Defesa
Nacional, um homem com formação no Direito e Professor, achou necessário
exorbitar e mandar auditar, cito, «ações de prevenção e investigação criminal
desenvolvidas e promovidas por aquele corpo superior de polícia criminal que
sejam da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades
judiciárias competentes»!
Esta matéria é da exclusiva
competência do Ministério Público. Foi «correr atrás do
prejuízo» aumentando o mesmo. Fica mais um ato a acrescentar ao inventário
da herança negativa que nos deixou.
Chegaremos a saber quem subtraiu
as glocks ao inventário da PSP (?), quando e quantas lacunas ocorreram nos
inventários de material militar à guarda da Instituição Militar (?), quem diabo
roubou o quê e para quê? Nada disso sabemos.
Mas procuram-nos distrair com
a stand up comedy de que um dia se saberá o que vossa excelência hoje
já sabia para assim decidir quem ganha o debate, porque quem perde, sabemos, é
o País. Mais do que retórica, o que é preciso é recuperar as alavancas do
desenvolvimento, investir e fazer.
-- O autor escreve ao abrigo do
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990
1. Justifica-se
uma nota sobre as diligências conexas com os crimes de corrupção. O bom senso
sugere que o enquadramento de tais diligências seja assegurado com o
envolvimento, ao nível apropriado, de militares quando as diligências têm de
ser realizadas em instalações militares (vide o caso das messes da Força
Aérea).
Na foto: O ex-ministro da Defesa
Nacional, José Azeredo Lopes, acompanhado pelo almirante, António Silva
Ribeiro, Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), após a
cerimónia de tomada de posse do director-geral da Polícia Judiciária Militar,
Capitão-de-mar-e-guerra Paulo Manuel José Isabel, em 2 de Outubro de 2018 – Créditos:
António Cotrim / Agência Lusa
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