Fernando Marques | AbrilAbril |
opinião
Segurança Social é sempre uma
matéria de grande relevância numa Proposta de Orçamento do Estado (POE), quer
pelo seu conteúdo intrínseco (a concretização do direito à Segurança Social),
quer pela dimensão financeira (a despesa corrente representa 13,7% do PIB).
Abordaremos aqui alguns dos
pontos que consideramos essenciais na POE 2019, excluindo-se, porém, a Caixa
Geral de Aposentações (CGA).
A proposta representa avanços na
concretização do direito à Segurança Social
Estes avanços são inegáveis. São
o resultado, quer de reivindicações e de lutas sociais, quer de
uma complexa negociação, envolvendo o Governo os partidos políticos que,
desde 2016, têm viabilizado a aprovação dos Orçamentos do Estado na
Assembleia da República.
Assim, e sem ser exaustivo, todos
os pensionistas terão as suas pensões revistas e a maioria vê melhorado o poder
de compra, embora tal não aconteça para as pensões mais altas [acima de
seis Indexantes dos Apoios Sociais (IAS)]; será efectuada uma nova actualização
extraordinária das pensões mais baixas com efeitos a 1 de Janeiro; será criado
um novo regime de reformas antecipadas por flexibilização, que elimina a
penalização do Factor de Sustentabilidade para os beneficiários que, aos
60 anos de idade tenham 40 de carreira contributiva; estão previstas melhorias,
embora pontuais, no regime de protecção social no desemprego; será mais
abrangente o regime do abono de família a crianças e a jovens.
Será revisto o valor do IAS, o
que, sendo normal, não deverá fazer esquecer o longo período de suspensão
(entre 2010 e 2016, inclusive)1.
Esta actualização terá impacto em diversas prestações e apoios sociais,
e haverá um significativo reforço de verbas para a protecção e inclusão
das pessoas com deficiência.
Avanços, mas também limitações e
pontos em aberto
É cedo para uma avaliação, até
porque decorre a discussão na especialidade, mas há questões que se destacam. A
primeira respeita à actualização, regular e extraordinária, das pensões.
Trata-se da matéria de maior
impacto social atendendo, quer ao número de pensionistas, quer ao elevado peso
das pensões de baixo montante, o que justifica um novo aumento extraordinário,
desta vez com efeitos a Janeiro.
A segunda tem a ver com a
confusão criada em torno das pensões antecipadas por flexibilização. Já depois
da POE ter sido apresentada, o ministro Vieira da Silva afirmou em conferência
de imprensa a limitação do novo regime a quem, aos 60 anos de idade, tenha
40 anos de carreira contributiva.
Ora, parecia claro da
leitura da proposta de lei relativa ao OE que tais condições apenas seriam
exigidas para efeitos da eliminação do Factor de Sustentabilidade (que
representa um corte de 14,5% este ano) não impedindo outros regimes para
contribuintes de longas carreiras contributivas. Foi o que, dias depois, acabou
por admitir o ministro, mas sem desfazer as dúvidas quanto ao alcance, conteúdo
e momento em que será discutido o novo regime.
A terceira respeita à
importância do reforço da Segurança Social dirigida às crianças e jovens
através da maior abrangência do abono de família.
Em 2017 foi reintroduzido o
quarto escalão de rendimentos, mas apenas para as crianças até aos três anos.
Prevêem-se agora novos avanços com a uniformização do valor do abono para crianças
até aos 3 anos em cada escalão.
No primeiro escalão, a que
correspondem rendimentos familiares mais baixos, o valor será de 150,25
euros no segundo semestre de 2019. Por outro lado, o quarto escalão será
estendido a crianças dos 4 aos 6 anos.
Resta saber se haverá ainda novos
alargamentos numa perspectiva da reposição da universalidade da prestação.
Trata-se de uma matéria muito relevante no contexto de uma necessária política
de apoio à natalidade.
A quarta, sobre a protecção
social no desemprego. Salienta-se a manutenção do apoio extraordinário aos
desempregados de longa duração, uma nova prestação criada em 2016, e o
alargamento do acesso ao subsídio social de desemprego subsequente.
É pouco, se considerarmos que o
regime de protecção social no desemprego foi profundamente enfraquecido no
período de 2010-2015. Os desempregados sem qualquer protecção continuam a
representar mais de metade do total, já incluindo a medida de apoio
extraordinário aos desempregados de longa duração.
Melhoria da situação financeira
do Sistema Previdencial
O reforço da Segurança Social foi
acompanhado pela melhoria da situação financeira do Sistema Previdencial.
Prevê-se que, no próximo ano, as contribuições cresçam 5,8% – um valor na ordem
da variação verificada no período de 2016-2018, o qual contrasta com a
estagnação no período de 2009
a 2015 (aumento médio anual de 1,1%) – e que a despesa
com as prestações de desemprego volte a diminuir (-4,3%).
O Governo inscreveu no seu
programa o reforço do financiamento por via da diversificação das fontes de
financiamento. Com este objectivo foi criado um adicional ao IMI e decidiu-se
uma consignação do IRC, que variará entre 0,5 pontos percentuais (p.p), em
2018, e 2 p.p em 2021.
O total, que no próximo ano
atingirá 248,8 milhões de euros (1,4% das contribuições), reverte a favor do
Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social.
É pouco até porque o Governo
extingiu a transferência extraordinária para o Sistema Previdencial que atingiu
um valor acumulado de 5,6 mil milhões de euros no período de 2012 a 2017 e que visou
compensar o sistema pelo impacto devastador que nele teve a política de
austeridade.
E também porque o Governo recusou
propostas de reforço do financiamento por via da criação de um adicional à
receita de contribuições proveniente do Valor Acrescentado Líquido (VAL) das
empresas.
Em suma, se há progressos há
também limitações e matérias que precisam de clarificação. Mas a discussão do
orçamento prossegue e até ao fim do jogo todos os minutos contam.
1.
O IAS tem o valor de 428,9 euros e será actualizado com base na evolução
do PIB e da inflação. Terá efeitos a 1 de Janeiro de 2019.
Foto: Sintra Notícias
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