Carvalho da Silva | Jornal de Notícias
| opinião
Os direitos no trabalho são
direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa 70
anos de existência a 10 de dezembro próximo, inscreve-os como tal em vários
artigos.
Esta semana vimos morrer
trabalhadores em Borba porque ao longo do tempo os interesses económicos
imediatos, privados e públicos, e o desleixo político se sobrepuseram às
medidas indispensáveis para proteger a vida. E todos os dias há mortes no
trabalho e acidentes graves que podiam ser evitados. Muitas vezes, bastava uma
atenção mínima ao que as leis estabelecem, bastava que os governos mobilizassem
recursos para proteger os trabalhadores quando justamente reclamam, em vez de
os guardar para proteger entidades patronais que atuam à margem da lei.
Esta semana, todos ficámos a
saber que, no porto de Setúbal, um trabalhador pode ter de celebrar e terminar
dois contratos de trabalho num mesmo dia. Cada trabalhador faz tantos contratos
quantos turnos de trabalho realiza. Num porto que precisa, todos os dias, de um
grande coletivo de trabalhadores para poder funcionar, temos esta vergonhosa
precariedade que põe em causa os direitos humanos no trabalho, na organização
da família e nos mais diversos planos em que os seres humanos afirmam a
cidadania.
É oportuno revisitarmos o
conteúdo daquela Declaração Universal no que se refere aos direitos no
trabalho. Transcrevo apenas parte do artigo 23.° e o 24.°: "Artigo 23.° -
1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a
condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o
desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por
trabalho igual. 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória,
que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana
(...). Artigo 24.° - Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres,
especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e as férias
periódicas pagas".
Estes conteúdos não são
proclamações vazias. São, sim, princípios orientadores e compromissos políticos
universais para sustentar a construção de sociedades democráticas e para
garantir a paz. Em cada momento em que eles são violados, há regressão, há aprofundamento
de desigualdades, há mais injustiça, pobreza e sofrimento humano. A
Constituição da República Portuguesa deu a máxima valorização aos capítulos
"Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores" e "Direitos
e deveres económicos, sociais e culturais", por reconhecer que os direitos
no trabalho são direitos humanos imprescindíveis para o progresso da sociedade.
A Declaração de Filadélfia da
Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 1944,
inspirou e alimentou conteúdos da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
mas esta veio dar autoridade, dimensão ética e política aos direitos no
trabalho, pelo que eles significam coletivamente e para afirmar a dignidade de
cada ser humano. Não fiquemos à espera que aconteça uma barbárie idêntica às
que aconteceram no século passado, com a primeira e a segunda guerra mundiais,
para acordarmos e agirmos.
Em Filadélfia, assumiu-se que
"o trabalho não é uma mercadoria", mas quantas vezes se tratam os
trabalhadores como mercadoria de segunda. A mercantilização do trabalho está aí
em força e tem de ser combatida. O individualismo exacerbado tenta
justificar-se na falsa atomização generalizada do trabalho. Nos cenários
"mágicos" e empolgantes da discussão tecnológica sobrevaloriza-se o
apocalítico e tenta impor-se o determinismo tecnológico, para constranger os
direitos humanos no trabalho.
Ao contrário do que acontece com
as pessoas, às máquinas é-lhes indiferente "trabalharem" de dia ou de
noite, durante a semana ou ao fim de semana, não precisam de salário e são
tanto mais rentáveis, quantas mais horas funcionarem. Elas não têm relação
metabólica com a natureza, não têm família, não são seres sociais, nem
cidadãos.
Os seres humanos não podem
abdicar da definição do tempo de trabalho e do tempo de não trabalho para
poderem realizar muitas outras atividades e missões indispensáveis à sociedade,
não podem abdicar dos direitos no trabalho como direitos humanos.
*Investigador e professor
universitário
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