Maior economia da Europa oferece
pacote abrangente de benefícios para combater a pobreza e o desemprego, mas
modelo não é imune a críticas.
"Está vendo esses prédios
que não têm uma aparência muito boa? São moradias sociais para quem depende de
ajuda do governo", explicou um amigo alemão quando passávamos de carro num
bairro periférico da cidade de Bonn, no oeste da Alemanha. Para mim, aqueles
apartamentos não pareciam diferentes de prédios convencionais de classe média
em qualquer cidade grande do Brasil.
Essas moradias fazem parte de uma
série de 'bolsas sociais' oferecidas pelo governo alemão para garantir um
padrão de vida básico aos mais pobres. Desde 2005, pessoas em situação de
desemprego podem se beneficiar do controverso programa Hartz 4, uma série de
reformas aprovadas em 2003 para combater o desemprego e a pobreza na Alemanha,
válidas para todas as classes sociais, incluindo migrantes e refugiados.
Comprovada a necessidade, o
governo alemão paga o aluguer de um apartamento, o seguro-saúde e uma mesada
aos beneficiários, que podem ser desde jovens que não conseguem ingressar no
mercado de trabalho após terminar os estudos e, portanto, sem direito ao
seguro-desemprego, a pessoas desempregadas que não têm condições mínimas de
sobrevivência e ficarão nessa situação em caráter temporário. Em alguns casos,
também é possível receber um empréstimo do governo.
Em contrapartida, os
beneficiários devem participar de reuniões regulares em agências de emprego,
demonstrar que estão na procura ativa por um trabalho e participar de
treinamentos profissionais. O benefício pode ser cortado caso o beneficiário
recuse um emprego ou não compareça às reuniões obrigatórias. Uma intenção clara
é que o pacote Hartz 4 não torne a vida dos beneficiários confortável, mas os
incentive a retornar ao mercado de trabalho. Isso se reflete no slogan do
programa, Fördern und Fordern (algo como "apoiar e cobrar
esforço").
Em alguns casos, os beneficiários
que não conseguem nenhum tipo de trabalho no mercado formal fazem o chamado
"trabalho de 1 euro". É uma atividade financiada por fundos públicos
para que a pessoa possa exercer uma atividade e não perder o benefício. A exigência
de o beneficiário se encaixar em qualquer tipo de trabalho é criticada por
poder gerar situações de frustração e humilhação. Além disso, sindicatos
argumentam que o programa Hartz 4 liberalizou o mercado de trabalho, criou um
setor de subemprego e reduziu o auxílio-desemprego convencional.
Cerca de 6 milhões de pessoas se
beneficiam do Hartz 4 na Alemanha. Em janeiro de 2019, o valor da ajuda
financeira paga pelo governo passará de 416 para 424 euros por pessoa. O
governo providencia uma moradia popular ou paga as despesas do aluguer direto
ao locador. No inverno, é pago ainda o auxílio-calefação para garantir o
aquecimento no interior da casa nos dias mais frios do ano.
O governo alemão também paga
uma 'bolsa-filho'de
cerca de 200 euros por mês para todas as famílias, independentemente da classe
social, que aumenta de acordo com o número de crianças. Os pais podem receber o
benefício, chamado Kindergeld, até os 24 anos de idade da filha ou filho. Os
pais também recebem o Elterngeld (dinheiro dos pais), que equivale de 60%
a 100% do salário, no máximo 1.800 euros, caso deixarem de trabalhar para
cuidar dos filhos nos primeiros meses. Para pais em situação de pobreza é pago
um valor integral. O benefício é pago por 12 meses se apenas um dos pais o
requisitar ou 14 meses para mães ou pais solteiros ou se ambos os pais o
requisitarem, dividindo os 14 meses entre si da forma que melhor lhes convier.
Obviamente há casos de fraude e
de abuso do aproveitamento dos benefícios do Hartz 4, inclusive com falhas na
fiscalização sobre as condições de vida de beneficiários no longo prazo. Essas
medidas, no entanto, são vistas como fundamentais para combater as desigualdades
sociais e, desde a implementação, em 2005, ajudaram a reduzir os níveis de
pobreza e melhorar as taxas de emprego.
Novas reformas têm sido estudadas
diante do aumento acentuado das desigualdades sociais na Alemanha, que não está
exclusivamente ligada ao desemprego. Pensionistas e idosos marginalizados,
crianças, pais solteiros e pessoas com deficiência física também precisam de
mais apoio do governo, segundo a associação de assistência social alemã
Paritätische Gesamtverband.
Karina Gomes* | Deutsche Welle
*Na coluna Alemanices, publicada
às sextas-feiras, Karina Gomes escreve crônicas sobre os hábitos alemães, com
os quais ainda tenta se acostumar. A repórter da DW Brasil e DW África tem prémios
jornalísticos na área de sustentabilidade e é mestre em Direitos Humanos.
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