domingo, 18 de fevereiro de 2018

O EXÉRCITO DA UE



O avanço da chamada Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) da UE é mais um enorme passo no sentido da criação de um exército europeu. E, como o autor observa, esse exército UE, mais do que um pilar do federalismo é um pilar de um único estado “europeu”.

O actual presidente da Comissão Europeia quere-o. O mesmo acontecia com os seus antecessores. E agora toda a UE está a avançar no sentido da criação de um Exército europeu unificado, juntamente com um sistema unificado de investigação em defesa.

Desde que votámos pela saída [Brexit], o aparelho da UE tem-se movimentado rapidamente para a instalação de um exército UE com um único comando central, sem qualquer controlo nacional ou democrático. Tendo em conta as passadas agressões da UE – veja-se Kosovo, Ucrânia, e a belicosa atitude contra a Rússia – trata-se de uma perigosa evolução. Proporcionaria à UE, actuando como um bloco, as mãos livres para fazer soar os tambores da guerra onde quer que escolhesse em qualquer parte do mundo.

Também os nossos governos actuam agressivamente, está claro. Mas estão sujeitos a controlo por parte do povo, quando optamos por o fazer. O Brexit deveria trazer consigo uma consciencialização acrescida e o exercício do nosso poder de controlar.

Antes do referendo, os apoiantes da UE vieram dizer-nos que a afirmação por parte do lado favorável à saída de que existiam movimentações no sentido da unificação das forças armadas europeias “não passava de fantasia,” como a colunista do Guardian Jennifer Rankin.

Escreveu em 27 de Maio de 2016. O Lord Ashdown disse que a ideia de um exército UE era um “disparate”. No decurso da campanha, a Comissão Europeia nada disse sobre questões de defesa. Obedecia a instruções estritas no sentido nada fazer nem dizer que pudesse ser favorável ao voto pela saída. Uma vez consumada a votação, a UE mostrou-nos a sua verdadeira intenção.

A ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen, aproveitou a oportunidade para deixar as coisas bem claras em Setembro de 2016, durante uma visita à Lituânia – que neste momento acolhe um grupo de combate alemão com cerca de 1.000 efectivos. “É tempo de avançarmos para uma união europeia de defesa, que basicamente é um ‘Schengen de defesa’,” disse.

Um mês mais tarde a Comissão Europeia revelou o seu Plano de Acção de Defesa UE. “Uma defesa europeia mais forte requer por parte dos Estados Membros a aquisição, desenvolvimento e reserva conjunta de um largo espectro de disponibilidades em terra, no ar, no espaço e no mar.”

A UE tem de há muito delineado um trajecto no sentido da união de defesa e criou uma ´serie de instrumentos com esse objectivo: um Plano de Desenvolvimento de Segurança e Defesa, a Agência de Defesa Europeia, um Plano de Acção de Defesa, o Programa de Desenvolvimento de Industria de Defesa, um Programa Europeu de Investigação em Defesa…e a lista prossegue.

Tudo isto é empreendido para expandir a “soberania da UE” – nas palavras do Presidente Juncker – em termos de defesa, o que constitui a ambição da UE desde o início. Problemas políticos, o menor dos quais não será certamente a recusa por parte da opinião pública britânica em aceitar a absorção das forças armadas britânicas num EuroExército, fizeram com que o processo se arrastasse por décadas. O Brexit veio clarificar essa objecção.

O nosso voto pela saída da UE constituiu um factor chave para o desencadear das iniciativas UE. Quatro dias depois, os ministros dos Negócios Estrangeiros francês e alemão pressionaram no sentido de uma União de Segurança Europeia. Os Planos vinham sempre embrulhados numa nuvem de desmentidos, mas o objectivo de longo prazo era claro, como Romano Prodi, então Presidente da Comissão Europeia, disse em 2000: “Quando falava de um exército europeu, não estava a brincar. Se não querem chamar-lhe exército Europeu, não lhe chamem exército Europeu. Podem chamar-lhe ‘Margarida’, podem chamar-lhe ‘Mariana’, podem chamar-lhe o que quiserem.”

A UE planeia integrar as tropas dos estados membros em unidades conjuntas UE através do desencadeamento de uma coisa chamada Cooperação Estruturada Permanente (Permanent Structured Cooperation, ou PESCO). Em Junho de 2017 o Conselho Europeu apelou a que ela fosse “inclusiva e ambiciosa”. A Comissão é franca acerca dos seus objectivos: “PESCO é ao mesmo tempo um enquadramento permanente para uma cooperação mais próxima e um processo estruturado no sentido de aprofundar gradualmente a cooperação de defesa no interior do quadro europeu.”

A Agência de Defesa Europeia, um braço da Comissão Europeia, vem pressionando no sentido de “um programa Europeu de investigação de defesa a iniciar-se quando termine, em 2020, o actual programa de financiamento”. Está a falar de um orçamento de alguns € 500 milhões o qual “…colocaria a UE entre os 4 maiores investidores em investigação & tecnologia de defesa na Europa” – omitindo que em resultado dessa medida muitos dos estados membros seriam forçados a abandonar a sua própria investigação em defesa.

O que é que tudo isto tem a ver connosco, uma vez que decidimos sair da UE? Para começar, a UE está desesperada por controlar os nossos activos militares. A Grã-Bretanha representa um quinto da despesa total em defesa da UE. A UE quer que nós paguemos por uma associação próxima com a defesa UE.

A despesa anula da Grã-Bretanha em investigação de defesa é de cerca de £1.8 milhares de milhões. Somos a principal potência europeia em investigação de defesa, com o mais alto nível de exportações relacionadas com investigação de defesa. Isto não é devido à Agência Europeia de Defesa, mas sim à nossa longa história de investigação em defesa, despesa militar e excelência científica. A ADE tem actualmente um orçamento de apenas £27 milhões, dos quais cabe à Grã-Bretanha a segunda maior fatia, mais de um décimo dos seu orçamento.

O Parlamento Europeu, no seu relatório de Novembro sobre a Defesa da União, disse que a Política Comum de Segurança e Defesa da UE “deveria conduzir, a seu tempo, ao estabelecimento das Forças Armadas Europeias”. Vários corpos estão a ser postos em acção para tornar isto em realidade. O Serviço de Acção Exterior da UE produziu também o seu próprio Plano de Desenvolvimento de Segurança e Defesa, com o objectivo de associar as capacidades de defesa da UE com a sua política externa.

A UE constata a ligação próxima entre capacidade de defesa e política de defesa – e deseja tornar essa ligação ainda mais próxima. O Plano Europeu de Acção de Defesa pretende tornar o Exército europeu realidade com um objectivo de €500 milhões para despesa em I&D militar, um mercado único para a defesa, racionalização da indústria de defesa, capacidades conjuntas detidas ao nível UE, e compromisso UE em segurança de abastecimento (o que implica intervenção no exterior).

O governo May aprovou estes dois planos em reuniões do Conselho da Europa nos finais de 2016. A Comissão Europeia disse ao governo que, uma vez que “as decisões relativas à União de Defesa da UE são tomadas por unanimidade”, se espera que a Grã-Bretanha “desempenhe o seu papel por inteiro enquanto permanecer como membro”.

O Foreign Office, na sua Revista de Estratégia de Defesa e Segurança de Dezembro de 2016, propôs “a manutenção do envolvimento na Política Comum de Segurança e Defesa da UE”. O ministro dos estrangeiros Alan Duncan disse a deputados no Comité de Escrutínio Europeu que existia “apoio por parte de outros estados UE no sentido da participação da Grã-Bretanha na política de defesa da UE depois do Brexit” e que não desejava “embaraçar tal cooperação futura”.

Mas tem havido por cá profunda oposição, e na reunião do Conselho da Europa de 13 de Novembro o governo realizou um dramático recuo em relação ao seu anterior consentimento aos esquemas militares UE ao recusar integrar o acordo de união militar UE, o PESCO.

O novo Fundo de Defesa UE será apoiado por milhares de milhões de euros do Banco Europeu de Investimento. A Grã-Bretanha é o maior accionista conjunto do banco, portanto a UE pretende oferecer o nosso próprio dinheiro a empresas britânicas para elas se associarem a projectos encomendados pela UE, dando a essas firmas um incentivo financeiro para solicitarem a participação no “mercado único de defesa” da UE.

O impulso UE pela integração tem um problema intrínseco. A participação em alguma parte da cooperação industrial, tecnológica ou estratégica envolve ficar vinculado ao planeamento militar para uma defesa comum UE, e comprometido a contribuir para fundos de defesa UE.

A integração militar UE, uma única política externa e de segurança, juntamente com um tesouro UE com um único orçamento e uma única moeda em toda a UE, tudo isso tem o significado de um único estado europeu.

Acontece que nós decidimos sair da UE, devemos permanecer fora dos seus esquemas de defesa, e certamente que não deveríamos comprometer-nos com eles como forma de adoçar as negociações.

No interesse da paz, devemos manter o controlo exclusivo das nossas forças armadas, e redirecciona-las não para a agressão mas para a defesa. Com as nossas zonas pesqueiras para proteger e deparando com novos inimigos no mundo porque decidimos marcar a nossa independência, não lhes falta trabalho de defesa.

*Will Podmore é livreiro e escritor e vive em Londres. É o autor de The EU Bad for Britain – a Trade Union View, British Foreign Policy Since 1870 e The War Against the Working Class.

Publicado em O Diário.info

Secretária-executiva da CPLP lamenta 'silêncio assustador' sobre Guiné-Bissau


Maria do Carmo Silveira pede criação de mecanismo de consertação rápida para permitir respostas céleres da organização sobre crises internas nos Estados-membros. "Não fica bem à CPLP ter um silêncio tão longo", diz.

A secretária-executiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) defendeu este sábado (17.02) a urgência da criação de um "mecanismo de concertação rápida" para permitir posicionamentos céleres sobre conflitos internos nos Estados-membros, lamentando o "silêncio assustador" sobre a crise política na Guiné-Bissau.

"Não existe neste momento um mecanismo de concertação rápida que nos permita, em pouco tempo, ter um posicionamento da CPLP", argumentou Maria do Carmo Silveira em entrevista à agência Lusa.

O secretariado-executivo da CPLP informou que está a estudar a possibilidade de propor a criação deste mecanismo nos órgãos decisórios da organização intergovernamental.

"O secretariado-executivo só pode agir em função dos mandados que recebe. Não tendo um mandado dos órgãos políticos da organização, a secretária-executiva não pode ter qualquer intervenção em qualquer situação", criticou.

Na sexta-feira, o primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, Patrice Trovoada, advertiu que os países lusófonos "não estão a fazer um bom uso" da CPLP devido às suas agendas internas. Por esse motivo, a organização pode "deixar de ter interesse nos próximos anos", sublinhou. Também à agência Lusa, o governante são-tomense defendeu que a CPLP podia "ser mais interventiva" em relação às questões e conflitos internos dos Estados-membros. 

Crise na Guiné-Bissau

Maria do Carmo Silveira, também são-tomense, admitiu estar incomodada com o "silêncio assustador" da CPLP sobre crise política na Guiné-Bissau. Após a exoneração de Umaro Sissoco Embaló, o Presidente guineense, José Mário Vaz, nomeou um novo primeiro-ministro, Artur Silva. A indicação, no entanto, já foi rejeitada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o mais votado nas últimas eleições legislativas.

"Confesso que enquanto secretária-executiva, não me sinto confortável com esta situação da CPLP face à Guiné-Bissau. A secretária-executiva é o rosto da CPLP aos olhos do cidadão comum e a não-reação face a algumas situações, a mim incomoda-me bastante, mas são as regras da organização", comentou.

Maria do Carmo Silveira comentou a decisão recente da Comunidade Económica de Estados da Africa Ocidental (CEDEAO) de impor sanções a 19 personalidades guineenses, solicitando o apoio da CPLP.

"Fizemos circular esta notificação e passou-se uma semana e não tenho posicionamento dos Estados-membros, sem o qual não me posso pronunciar. Não fica bem a uma organização como a CPLP ter um silêncio, sobretudo tão longo, sobre uma questão tão importante, em que houve a decisão da CEDEAO de sancionar. A União Africana já se reuniu e tem um posicionamento, as Nações Unidas também, e nós estamos com um silêncio assustador", sustentou.

Como uma organização intergovernamental, os posicionamentos da CPLP não são vinculativas para os Estados-membros. Da mesma forma, a CPLP não possui mecanismos para agir, como a imposição de sanções, ao contrário da CEDEAO, que possui instrumentos para impor o cumprimento das decisões.

A Guiné-Bissau vive uma crise política desde agosto de 2015, quando o Presidente José Mário Vaz demitiu o Governo liderado por Domingos Simões Pereira, do PAIGC.

Por falta de consenso entre as várias forças políticas, a CEDEAO elaborou o Acordo de Conacri, assinado em outubro de 2016, que prevê a nomeação de um primeiro-ministro de consenso. Entretanto, a organização africana considera que o novo nome indicado pelo Presidente guineense ainda não corresponde a esta decisão. 

Agência Lusa | em Deutsche Welle

CPLP diz que Guiné Equatorial garantiu não aplicação de pena de morte a opositores


Lisboa, 17 fev (Lusa) -- A secretária-executiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) disse à Lusa que as autoridades da Guiné Equatorial garantiram que não será aplicada pena de morte aos quase 150 opositores que estão a ser julgados naquele país.

Cerca de 145 membros do partido da oposição Cidadãos para a Inovação estão a ser julgados, esta semana, na Guiné Equatorial, respondendo a acusações de "sedição, atentado contra as autoridades, desordem pública, ferimentos graves e danos", de acordo com o advogado de defesa, Fabian Nsue, que revelou que o Ministério Público equato-guineense pediu a condenação à pena de morte de todos.

"Eu li essa informação na imprensa e tive imediatamente a preocupação de entrar em contacto com as autoridades, que desmentiram categoricamente essa informação, na medida em que, segundo eles, o processo ainda está a decorrer e por isso não há neste momento qualquer decisão nesse sentido", afirmou, em entrevista à Lusa, Maria do Carmo Silveira.

"Asseguraram-me que em nenhuma circunstância seriam aplicadas penas de morte a esses cidadãos", acrescentou.

A secretária-executiva garantiu que a CPLP está "atenta" e a "acompanhar a situação".

A abolição da pena de morte foi um dos compromissos da Guiné Equatorial para a adesão à CPLP, em julho de 2014, mas até agora apenas está em vigor uma moratória sobre a pena capital. No final do ano passado, a justiça equato-guineense condenou à pena máxima dois homens acusados do homicídio de um professor.

"Preocupa-nos o facto de, até ao momento, não ter havido uma decisão definitiva, firme sobre a abolição da pena de morte, sobretudo porque se trata de um compromisso do Estado equato-guineense relativamente à sua adesão à CPLP", comentou à Lusa a secretária-executiva.

Questionada se a CPLP deveria tomar alguma medida, Maria do Carmo Silveira respondeu que "cabe aos Estados-membros da CPLP se pronunciarem sobre isso", mas defendeu a necessidade de "continuar a insistir e a persuadir a Guiné Equatorial quanto a essa questão".

"De facto, já lá vão quatro anos, se calhar é altura de pelo menos aumentarmos essa pressão para que possam resolver essa questão de uma vez por todas", considerou.

JH // PJA

Na foto: O ditador sanguinário Teodore Obiang | Google

MPLA defende presença de Isabel dos Santos na sede do partido


Partido no poder em Angola responde às críticas sobre a presença regular da filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos na sede, em Luanda, e acusa "os que querem obstruir o processo de transição de poder em curso".

Em nota divulgada este domingo (18.02), o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) defendeu a presença regular de Isabel dos Santos na sede nacional do partido. O comunicado é uma resposta a órgãos de imprensa locais, que estão a publicar que a filha do ex-Presidente de Angola e atual Presidente do partido no poder é frequentemente vista a trabalhar na sede do MPLA desde que José Eduardo dos Santos deixou o poder.

"Há gente que tenta, a todo custo, obstruir o processo de transição em curso", criticou o MPLA em nota pública. "Questionar, por exemplo, a presença de um militante, no caso vertente a camarada Isabel dos Santos, militante do MPLA, que tem direitos e deveres como tal e como cidadã à sede nacional do partido é a mais evidente deturpação dos fatos. O MPLA não pode e não vai vergar-se a intrigas baratas e ao segregacionismo de quem quer que seja", enfatiza o documento.

Segundo o MPLA, José Eduardo dos Santos "lançou as bases para que a transição política em Angola se desenvolvesse com a acuidade que se impõe". Para o partido, têm surgido "uns tantos 'advogados em causa própria', ávidos para a obstrução do processo, especulando e espalhando muito intriga e difamação".

Desde que deixou a Presidência da República em setembro passado, ao fim de 38 anos no poder, José Eduardo dos Santos tem trabalhado regularmente na sede do MPLA, conduzindo várias reuniões entre o bureau político e o comité central.

Colocada na presidência do conselho de administração da petrolífera Sonangol em junho de 2016 pelo pai, então Presidente da República, Isabel dos Santos foi exonerada das funções em novembro de 2017 pelo novo chefe de Estado, João Lourenço, que é vice-presidente do MPLA.

"Se até mesmo aqueles que ontem pertenceram a outros partidos hoje convivem no seio do MPLA com toda a vontade, porque não aqueles que nasceram dentro dele?", questiona a nota do partido sobre as críticas à presença assídua de Isabel dos Santos na sede em Luanda.

Poder bicéfalo

Eleito Presidente da República nas eleições gerais de agosto do ano passado, João Lourenço tem traçado uma política de combate à corrupção e ao desvio de dinheiros públicos, criticando a impunidade do passado. João Lourenço afastou vários elementos próximos de José Eduardo dos Santos de várias empresas e instituições públicas, granjeando um forte apoio popular.

Com José Eduardo dos Santos na presidência do MPLA e João Lourenço na Presidência da República, a oposição angolana tem acusado a atual estrutura no poder de bicefalia, uma crítica que é desmentida pelos órgãos do poder.

O antigo chefe de Estado poderá abandonar a vida política ativa este ano, como anunciou em 2016. Em janeiro, João Lourenço declarou que não sente crispação com José Eduardo dos Santos, mas aguarda que cumpra o compromisso anteriormente assumido de deixar a vida política e a liderança do partido) em 2018.

"Só a ele compete dizer se o fará, se vai cumprir com esse compromisso. Quando isso vai acontecer, só a ele compete dizer", disse João Lourenço.

Agência Lusa, kg | Deutsche Welle

Angola: Quem será o próximo presidente do MPLA?


A agenda política do partido no poder em Angola, o MPLA, é apresentada este sábado (10.02.), mas ainda nada se sabe sobre o substituto de José Eduardo dos Santos, que poderá abandonar a vida política ativa este ano.  

A bicefalia e a substituição do ex-chefe de Estado José Eduardo dos Santos na presidência do MPLA, o Movimento Popular de Libertação de Angola, continuam a ser tema de conversa.

O politólogo Agostinho Sicato, diretor do Centro de Debates e Estudos Académicos de Angola, diz que a questão da bicefalia "é um falso problema" e justifica: "Porque temos um Presidente da República e um presidente do MPLA. Até agora nós estamos bem. Cada um tem de se basear no seu documento, nomeadamente a Constituição e os estatutos do partido."

Opinião diferente tem o jornalista Makuta Nkondo, deputado independente da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), o segundo maior partido da oposição.

MPLA e JES arrependidos de terem escolhido JL?

Makuta Nkondo diz que "o MPLA está arrependido, Eduardo dos Santos está arrependido [de ter promovido João Lourenço à Presidência]. Neste momento, o MPLA está fraccionado, está dividido."

O deputado considera que há dois grupos no seio do "partido dos camaradas". Os apoiantes do antigo chefe de Estado, segundo ele, "sentem-se ameaçados. Para eles, João Lourenço, se lhe deixarem livre, vai longe."

Já quanto aos apoiantes do atual Presidente da República, João Lourenço, "aqueles membros pontapeados, cuspidos, que fizeram uma travessia no deserto, estes todos por vingança estão contra Eduardo dos Santos. Querem mudança e estão contra a bicefalia. Eu não acredito que João Lourenço venha a ser Presidente do MPLA".

Não ao excesso de poderes

A agenda política do MPLA, o partido no poder, para 2018 foi definida no final de janeiro e será apresentada no próximo sábado (10.02.). Ainda não se sabe quem será o presidente do partido que vai orientar a execução deste plano.

Para Agostinho Sicato, não seria de bom tom se João Lourenço também sucedesse a Eduardo dos Santos. O excesso de poderes inviabiliza a democratização de um Estado, diz o politólogo.

"José Eduardo dos Santos enquanto Presidente da República também foi uma pessoa íntegra, mas os poderes a mais que ele teve tanto no partido quanto na presidência levaram-no a cometer erros", considera Agostinho Sicato.

O antigo chefe de Estado poderá abandonar a vida política ativa este ano, como anunciou em 2016. Agostinho Sicato defende a realização do um congresso com diferentes candidatos para substituir o atual presidente do MPLA. 

João Lourenço na liderança do MPLA: Sim ou não?

O politólogo sublinha: "Não o Presidente João Lourenço porque se for automaticamente neste país tudo que parece novidade passará a ser a mesma coisa".

Recentemente, o ministro angolano das Relações Exteriores, Manuel Augusto, disse que o MPLA iria privilegiar uma "lógica de continuidade", o que pressupõe a entrega das rédeas do partido a João Lourenço.

Na altura, Isabel dos Santos, filha do anterior Presidente, reagiu nas redes sociais alegando que Manuel Augosto tinha "promovido João Lourenço a presidente do MPLA".

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Discurso sobre estado da Nação Ramaphosa reafirma combate à corrupção


O novo Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, retoma a intenção de combate à corrupção no país, no seu primeiro discurso sobre o Estado da nação enquanto Chefe de Estado, dois dias após a renúncia de Jacob Zuma.

Na África do Sul, o novo Presidente apresentou nesta sexta-feira (16.02) o seu primeiro discurso sobre o estado da Nação. Cyril Ramaphosa que reconheceu as crises que o país vive, fez promessas de melhorias nos setores críticos, como por exemplo o emprego.

Logo no começo do seu discurso no Parlamento, o novo Presidente da África do Sul fez referência ao seu antecessor, Jacob Zuma, elogiando-o em meio a vaias dos deputados. "Gostaria também de estender a minha gratidão ao ex-Presidente Jacob Zuma pela maneira como ele conduziu este processo difícil e sensível. E quero agradecer-lhe também pelo serviço prestado a esta nação durante dos seus dois mandatos como Presidente da República", disse o novo Presidente.

E não é apenas o campo político que vive maus dias no país, a economia também está em crise, as taxas de desemprego são altas e as classes mais desfavorecidas têm uma escolarização deficitária. E as promessas de Ramaphosa são justamente de melhoria nos setores problemáticos.

"Criação de emprego, especialmente para os jovens do nosso país. Vamos tomar medidas para enfrentar os desafios do desemprego. E uma das iniciativas que levaremos a cabo é a realização de uma cimeira de emprego nos próximos meses para juntar esforços de todos os setores com o objetivo de criar empregos", promete Ramaphosa.

Cyril Ramaphosa representa a esperança para muitos sul-africanos, depois da governação de Jacob Zuma manchada por escândalos de corrupção e outros tipo de crises.

O economista sul-africano Azar Jammine é um dos otimistas em relação à nova presidência. "Muita coisa se perdeu e vai levar vários anos a recuperar isso, sem dúvidas. Mas com esperança, sob a nova liderança, especialmente com Ramaphosa, nós iremos recuperar o que se perdeu. E a longo prazo, o céu é o limite para este país", afirma o economista.

Cyril Ramaphosa 5° Presidente da África do Sul

Cyril Ramaphosa, que tem 65 anos, assume como sucessor de Jacob Zuma. Com isso, concretiza-se um dos maiores desejos de Nelson Mandela.

Nelson Mandela, símbolo de liberdade em África, parecia já saber há mais de 20 anos que o seu camarada Cyril Ramaphosa, que contribuiu muito para o desenvolvimento da África do Sul democrática, tinha uma capacidade enorme de liderança. "Eu quero aproveitar essa oportunidade para elogiar o meu camarada Cyril Ramaphosa. Nós continuaremos a tirar proveito  da sua imensa capacidade de liderança".

O sexagenário Cyril Ramaphosa foi na sua juventude um engajado ativista anti-apartheid e pelo facto muitas vezes preso. Foi membro da direção do sindicato União Nacional dos Mineiros (NUM) e participou da fundação da poderosa Confederação Sindical Sul-africana, a COSATU. Depois do fim do Apartheid, ele desempenhou o papel de mediador-chefe do ANC na elaboração da nova Constituição do país, um trabalho considerado uma obra-prima por Ray Hartley no seu livro sobre o novo Presidente.

"Ele é o arquiteto de partes essenciais dessa Constituição inacreditavelmente avançada.  De fato, devemos agradecer as suas habilidades excepcionais o fato de termos hoje um inventário abrangente de direitos fundamentais", afirma Hartley.

Ramaphosa é considerado um experiente chefe de negociações e estratega. Isso também foi percebido por Nelson Mandela nos anos 90, que já queria fazê-lo seu sucessor. No entanto, o ANC se posicionou contra o desejo de Mandela e escolheu Thabo Mbeki como novo chefe do partido e mais tarde Presidente da África do Sul.

Profundamente ressentido, Ramaphosa deixa a política e torna-se empresário. Possuidor de uma grande fortuna avaliada em muitos milhões de euros, ele é hoje um dos homens mais ricos da África do Sul. Como diretor da Lonmin, conglomerado especializado na extração de platina Ramapphosa cometeu o maior erro da sua carreira, segundo afirma  Ray Hartley. Protestos levados a cabo pelos trabalhadores da Lonmin saldaram-se no que ficou conhecido como o "Massacre de Mariakana", no qual 34 mineiros morreram vítimas de tiros disparados pela polícia.

"Como antigo chefe do sindicato dos trabalhadores mineiros e diretor da Lonmin, ele estava na situação privilegiada de poder influenciar os acontecimentos em Marikana. No entanto, ele agiu tardiamente. Ele não arregaçou as mangas e envolveu-se nas negociações que poderiam ter resolvido a crise pacificamente. Isso o perseguirá ainda por muito tempo", afirma Hartley.

Regresso à vida política e ascensão à Presidência 

Há cinco anos Ramaphosa regressou à vida política e como parte da equipa de Jacob Zuma, foi mais tarde eleito  Vice-Presidente da África do Sul. Em dezembro foi eleito líder do ANC. Na sua camapnha ele apresentou-se como salvador do ANC. Alguém que queria livrar o ANC da corrupção e das práticas clientelistas. No entanto, ele fez parte do Governo de Zuma  e com isso é também parte do problema.

"Quando Ramaphosa retornou à política em 2012 para se tornar Vice-Presidente do ANC, ali ele já tinha o plano de se tornar o próximo Presidente da África do Sul. Ele faria tudo que fosse preciso para receber o apoio necessário do partido. Para isso juntou-se a muitos membros do partido, e Infelizmente a sua proximidade com Zuma não foi bem recebida pela opinião pública geral", analisa Hartley,

Na fase inicial do congresso do partido, Ramaphosa tinha-se distanciado significativamente de Zuma. Após a sua eleição como líder do ANC, ele fez de tudo para que o poder de Zuma fosse aos poucos restringido, até culminar na sua renúncia do cargo de Presidente da África do Sul. "Nós estamos a dialogar sobre o período de transição para um novo Governo. Especialmente no que se refere à posição do Presidente da África do Sul", discursa Ramaphosa.

Agora Cyril Ramaphosa chegou ao lugar onde Nelson Mandela o havia visto já há 23 anos. Ray Hartley está convencido de que ele poderá ser o Presidente que a África do Sul tanto precisa. "Especialmente se ele se lembrar do seu passado, da sua capacidade como estratega e negociador. A política na África do Sul está totalmente dividida. Eu acho que coordenação, organização e disciplina podem resolver a situação. E nós precisamos disso de qualquer maneira", afirmou o escritor. 

Jan-Philippe Schlüter, nm, ni | Deutsche Welle

ONU responsabiliza Israel por catástrofe em Gaza


A denúncia foi feita a pedido da Bolívia e do Kuwait. Segundo o embaixador boliviano, Sacha Llorentli Soliz, o emissário da ONU relatou aos membros do Conselho de Segurança da Organização que a situação em Gaza é extremamente grave e que falta inclusive água potável para a população e que vários hospitais já foram fechados.

O enviado da ONU (Organização das Nações Unidas) para o Oriente Médio, Nickolay Mladenov, responsabilizou Israel pela catástrofe humanitária na Faixa de Gaza, ao informar o Conselho de Segurança da Organização sobre a situação em território palestino. A denúncia foi feita a pedido da Bolívia e do Kuwait.

Segundo o embaixador boliviano, Sacha Llorentli Soliz, Mladenov relatou aos membros do Conselho de Segurança da ONU que a situação em Gaza é extremamente grave e que falta inclusive água potável para a população e que vários hospitais já foram fechados.

O emissário da ONU também atribui o bloqueio imposto por Israel e pelos Estados Unidos como o responsável pela deterioração do padrão de vida e pelo aumento do desemprego na região, que saltou para 60% nos últimos três anos, quando Israel intensificou os ataques contra o território sitiado por suas forças de repressão.

A UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina) que atende mais da metade da população de Gaza também teve suas verbas reduzidas drasticamente pelo governo estadunidense.

“Mais de um milhão de palestinos que vivem em Gaza dependem da ajuda fornecida por agências humanitárias, como a UNRWA. O bloqueio e as agressões da guerra israelense aumentam a pobreza, o desemprego e a insegurança alimentar. Os palestinos de Gaza também sofrem com a interrupção de energia. A população só tem acesso a quatro horas por dia de eletricidade”, alerta o presidente do Ibraspal (Instituto Brasil Palestina) Ahmed Shehada.

Ele explica que o corte no fornecimento de energia e água potável, além do fechamento de hospitais é uma retaliação à eleição do Hamas.

"Que exige o levantamento do cerco israelense e a abertura das fronteiras e o fim das sanções impostas à Faixa de Gaza pela Autoridade Palestina.”

O apoio da Bolívia e do Kuwait foi recebido com satisfação por Shehada.

"Agradeço ao governo, ao povo da Bolívia e a seu valente presidente, Evo Morales, pelo apoio ao nosso povo. Assim como também agradeço ao Estado do Kuwait, a sua generosa população e ao Amir Sabah al-Ahmad al-Jabir al-Sabah”

Enfatiza o presidente do Ibraspal.

Ocupação

O embaixador palestino Riyad Mansour antecipa que o presidente da Cisjordânia, Mahmoud Abbas, irá pedir ao Conselho de Segurança da ONU, no próximo dia 20, para determinar o cumprimento das resoluções da Organização, para por fim a ocupação dos territórios invadidos a partir de 1967.

A guerra devastadora de Israel contra Gaza e Cisjordânia já matou milhares de palestinos desde a ocupação do território em 1948.

Lúcia Rodrigues, Ibraspal – Instituto Brasil Palestina | Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

ISRAEL | Netanyahu ameaça Irão com intervenção militar

Primeiro-ministro de Israel exibiu fragmento de suposto drone iraniano, abatido na última semana (10/02); Netanyahu acusa Irã de usar equipamento para espionar seu território

A Conferência de Segurança de Munique teve um momento teatral neste domingo (18/02) quando o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, fez uma série de acusações ao ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif.

Exibindo à plateia fragmentos de um drone supostamente iraniano e proveniente da Síria, derrubado na semana passada quando sobrevoava Israel, Netanyahu advertiu: "vamos intervir, se necessário, não só contra aliados do Irã, mas contra o próprio Irã". O governo de Teerã apoia o presidente sírio, Bashar al-Assad, na guerra civil que já deixou mais de 340 mil mortos em sete anos.

Perguntando ao chanceler iraniano se ele reconhecia o equipamento, Netanyahu ainda lançou um ataque pessoal contra Zarif, acusando-o de ser capaz de "mentir com eloquência".

Israel afirma ter derrubado o drone quando o aparelho espionava seu território. Em represália, as forças israelenses teriam destruído a base militar na Síria de onde o drone teria decolado. Porém, foi nessa operação que um caça F-16 israelense foi abatido na Síria, deflagrando bombardeios contra alvos sírios e iranianos no país em guerra.

"O Irã procura dominar o mundo através da agressão e do terrorismo, desenvolvendo mísseis balísticos para atingir a Europa e os Estados Unidos também", acusou o israelense. "Na minha opinião, o Irã é atualmente a maior ameaça para o mundo", acrescentou Netanyahu. O premiê advertiu que "não deixará o terrorismo sufocar os israelenses", acrescentando que o regime de Teerã terá armas atômicas em pouco mais de uma década.

Esse primeiro confronto declarado entre Israel e Irã no terreno de guerra sírio provoca temores de uma escalada do conflito, mesmo se até agora os dois países tentaram evitar uma guerra aberta.

Netanyahu estabeleceu paralelos entre o acordo nuclear do Irã, negociado com as grandes potências, e o acordo de Munique de 1938, assinado para apaziguar o líder nazista Adolf Hitler. "Um acordo para apaziguar, como há 80 anos, só tornou o regime mais determinado e a guerra mais provável. O acordo nuclear com o Irã é o início da contagem regressiva para um arsenal nuclear iraniano", insistiu.

Zarif reage

Em sua intervenção, depois da fala do israelense, o ministro iraniano referiu-se à fala de Netanyahu como "um circo caricatural que sequer merece a dignidade de uma resposta".

Novo pico de tensão na Faixa de Gaza

Enquanto netanyahu está na Europa, a situação é tensa entre palestinos e israelenses na Faixa de Gaza.

Dois adolescentes palestinos morreram atingidos por disparos israelenses nas proximidades de Rafah. No sábado (17/02), Israel iniciou uma campanha de bombardeios contra 18 alvos controlados pelo Hamas, no poder em Gaza. A operação israelense foi uma resposta à explosão de uma bomba que feriu quatro militares israelenses na fronteira.

Opera Mundi | Publicado originalmente na RFI Brasil

MAIS EM OPERA MUNDI

O mito da Bitcoin como moeda

Prabir Purkayastha

A criptomoeda Bitcoin viu o seu preço drasticamente recortado ao longo dos últimos 12 meses, tornando-a um dos activos mais voláteis. Se ela de algum modo pode ser considerada uma divisa – um símbolo (token) de moeda que pode ser trocado por outros bens – é outra questão. Aos preços actuais em dólares cada bitcoin é comercializado por US$9.120, menos da metade do seu preço máximo de US$19.206 de um mês atrás. Dentre todas as criptomoedas, e há mais delas, o Bitcoin é de longe a maior. Os preços de todas as outras criptomoedas têm seguido as oscilações do preço da Bitcoin.

O alarde acerca das Bitcoins e criptomoedas semelhantes tem sido o facto de não serem criadas por um governo e de que os seus preços estão fora do controle governamental. Isto torna-as um sonho libertário. Para aqueles não familiarizados com esta característica da política americana, os libertários são aqueles que se opõem a qualquer papel do estado na economia, mas acreditam apaixonadamente no seu papel repressivo como protector da propriedade privada. Eles não devem ser confundidos com os anarquistas os quais, ao contrário dos libertários, também se opõem à propriedade privada.

Há algumas incorreccções fundamentais quanto a tais criptomoedas. Uma delas é de que não podem ser regulamentadas ou tributadas. É claro que elas podem ser regulamentadas pois são comercializadas em vários mercados de câmbios (exchanges). A simples declaração de intenção da Coreia do Sul de regulamentar Bitcoins levou o seu preço afundar-se significativamente em poucos dias.

O grosso das Bitcoins é mantido nas chamadas carteiras (wallets) digitais, criadas pelas companhias, que também funcionam como mercados de câmbios para Bitcoins. Todas estas companhias existem sob alguma jurisdição legal. Todas estas transacções – Bitcoins por outras divisas em diferentes países –existem sob regras de controle de câmbio de governos. Todas estas carteiras, ou transacções, podem ser tributadas através da riqueza, ou imposto de transacção, ou o governo poderia definir riqueza de modo a incluir criptomoedas e cobrar como imposto sobre ganhos de capital. O problema não é que não possam ser tributados, mas que os instrumentos de tal tributação – riqueza, ganhos de capital e impostos sobre transacção – são um anátema para as oligarquias financeiras que hoje dirigem os governos.

O QUE SÃO CRIPTOMOEDAS?

Ao contrário de governos que imprimem divisas legais e garantem o seu valor, no mundo da criptomoeda quem determina qual é o montante sendo transaccionado? E será que realmente pertence à pessoa que inicia a transacção? Se utilizamos papel-moeda, impresso e garantido pelo Estado, ele é reconhecido como moeda por ambos os lados transacção: a verificação é quase instantânea. No mundo das transacções digitais, é um banco, ou companhia de cartão de crédito, que verifica tais transacções, através de um sistema centralizado de escrituração.

Como funciona isto para as criptomoedas? Como são elas criadas e como são cambiadas sem uma autoridade centralizada? Satoshi Nakamoto, um pseudónimo do fundador desconhecido da Bitcoin, propôs uma solução criptográfica para resolver este problema. A sua solução combinava as duas partes do problema – como as transacções poderiam ser reconhecidas e como a divisa poderia ser criada – numa só. Ele baseou-a num modelo de processamento distribuído, onde não seria necessária nenhuma verificação centralizada de através de um livro de razão (ledger) central, criando uma tecnologia agora conhecida como cadeia de blocos(blockchain).

A tecnologia blockchain é um sistema de razões distribuídas e verifica colectivamente estas transacções. O registo de todas as transacções está numa cadeia de blocos, daí o seu nome.

Em 2008 Nakamoto pormenorizou como uma divisa poderia ser criada e mantida sem uma autoridade central. Esta moeda dependeria do poder computacional e de um conjunto distribuído de computadores que mantém um registo destas transacções. Cada nó do sistema teria então uma cópia deste razão e estes razões distribuídos verificariam as transacções, fazendo quase impossível defraudar o sistema.

Como as transacções Bitcoin são verificadas e como os Bitcoins são criados? Cada bloco no sistema de blockchain subjacente às Bitcoins contém um conjunto de transacções Bitcoin. Você não pode registar duas transacções com o mesmo conjunto de Bitcoins, pois a verificação mostraria que já não os possui. Para cada bloco de transacções ser reconhecido e acrescentado ao sistema, todos os nós trabalham simultaneamente no "reconhecimento" deste bloco – no mundo Bitcoin chama-se mineração – ao incorporar as transacções num sistema computacional e a seguir resolvê-lo. Uma vez que um nó encontra a resposta correcta, ela é transmitida a todos os outros nós, os quais podem verificar que na verdade é a resposta correcta. Uma vez que um conjunto de nós aceitou a resposta, este bloco é acrescentado em todos os nós no sistema. O nó que origina a solução obtém então um conjunto de Bitcoins – actualmente 12,5 – por resolver o problema.

Apesar de a resposta ser fácil de verificar, encontrar a resposta – será isto um bloco de transacções válido – é computacionalmente intensivo e tem nele um elemento de probabilidade. A corrida não é vencida pelo mais rápido, embora não seja realmente uma corrida, sem que disponha de máquinas poderosas. Quando as máquinas se tornam mais poderosas, e mais nós sejam acrescentados ao sistema, o nível de dificuldade é elevado, de modo que a taxa de mineração – 12,5 Bitcoins a cada 10 minutos – permanece aproximadamente constante. O número de Bitcoins concedido ao minerador com êxito também decresce e em 2016 foi reduzido à metade, de 25 para 12,5, e continuará a ser dividido em dois no futuro chegando a zero em algum momento. O número final de Bitcoins que podem ser criados com este método não poderá exceder os 21 milhões, um número que se espera ser atingido em torno do ano 2140. Até agora, cerca de 80 por cento de todos os Bitcoins que podem ser criados foram libertados dentro do sistema.

Alguém que compra, vende ou cria Bitcoins precisa de uma chave pessoal, uma cadeia de caractéres que só é conhecida pela própria pessoa. A chave privada associa-se à chave pública no domínio público, a qual pode então ser utilizada para desencriptar o que estiver encriptado pela chave privada associada (paired). A cripto moeda está associada a uma chave e não a uma pessoa e sem a chave não há acesso à moeda. Se você perde a sua chave devido a um crash do disco rígido, ou pelo seu computador ser hackeado, perde também o seu acesso à cripto moeda. E neste paraíso libertário você não pode ir chorar junto à mamã por perder a sua password/chave mestra e pedir uma nova; ou queixar-se de que alguém roubou a sua chave. A sua chave, no mundo Bitcoin, é você!

SERÃO OS BITCOIN OU CRIPTODIVISAS MOEDA? 

A moeda, como sabemos, tem duas funções. Ela pode ser utilizada para transacções ou pode ser mantida como um activo. Será o Bitcoin um meio de transacção ou será um activo? Ou será ambos, como quase todas as divisas o são?

Eu argumentaria que os Bitcoins não podem ser utilizados significativamente para transacções, excepto num sentido muito restrito, e portanto não são moeda. É uma classe de activos e pressões especulativas explicam a volatilidade do seu preço. Estou aqui a restringir-se às Bitcoins, considerando serem representativas de outras criptodivisas.

A razão porque os Bitcoins não são utilizados para transacções diárias, ao contrário de todas as outras formas de moeda, é porque eles simplesmente não podem ser escalados (scaled). Qualquer transacção em papel-moeda é independente de quaisquer outras transacções; é independente de quantas outras transacções estão a verificar-se simultaneamente no sistema. É plenamente generalizável, sujeito apenas ao montante de divisas no sistema. No mundo das transacções digitais, os sistemas de cartões de crédito decentes de hoje podem manusear 60 mil transacções por segundo. O Bitcoin, como envolve um árduo problema criptográfico, pode actualmente manusear apenas 3 a 7 transacções por segundo. Isso significa que os tempos de conclusão de transacções pode ir de alguns poucos minutos a horas e se houver transacções diárias os custos de transacção podem tornar-se uma grande fracção da própria transacção.

Um conjunto de transacções com criptodivisas ainda pode acontecer no mundo real. Estas são as transacções criminosas, onde o anonimato é chave; onde aqueles, que sequestram o seu computador utilizando o Wannacry ransomware, exigem serem pagos em Bitcoins. Além de tais transacções criminosas, não parece haver qualquer razão para que transacções no mundo real devessem ocorrer em Bitcoins.

Por que então o valor de criptodivisas guina tão loucamente? Como respondemos, é grande medida devido à especulação. Mais de 40 por cento de todos os Bitcoins são detidos por menos de 1000 contas, o que leva ao potencial para grandes manipulações de mercado. Além disso, com fluxos transfronteiriços a tornarem-se importantes na era dos paraísos fiscais, um certo número de super ricos quer precaver suas apostas através da detenção da sua riqueza em diferentes formas: desde pinturas roubadas até Bitcoins. Na era da oligarquia financeira global, o alarde das Bitcoins e suas flutuações selvagens são simplesmente indicadores da crescente criminalização do sistema financeiro. 

Ver também:

PORTUGAL | CTT devem ser públicos


Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

Manuel Champalimaud, o maior acionista dos CTT, disse em entrevista ao "Expresso" que "os CTT, quer queiram quer não, ou se modificam e daqui a cinco anos estão totalmente diferentes ou desaparecem", acrescentado que "os CTT têm de estar irreconhecíveis daqui a cinco anos". Há nestas afirmações um determinismo que deve ser levado muito a sério.

Desde os trabalhadores da empresa ao Governo, do poder autárquico aos partidos políticos, até aos portugueses em geral, todos devem ser chamados a pronunciar-se sobre os rumos possíveis, visando salvaguardar os interesses das pessoas e a prestação do serviço público. Não se pode admitir, por distração política, por oportunismo, ou por cedência a interesses egoístas, o desaparecimento total ou parcelar das principais funções que a empresa corporiza.

As comunicações desempenharam, desde sempre, um papel fundamental e estratégico na organização e desenvolvimento das sociedades, nomeadamente nos campos da defesa, da economia, da estruturação e preservação dos estados, bem como em aspetos múltiplos dos processos de socialização. Esse papel relevante reforça-se a cada dia com a ampliação dos meios tecnológicos disponíveis.

Há uma dúzia de anos, porque incluí na minha tese de doutoramento um capítulo sobre a PT, analisei a evolução do setor das comunicações e telecomunicações. Os CTT, com toda a sua tradição enquadrada na Administração Pública, foram transformados em empresa pública em 1969. Dela emanou, em 1981, o Instituto das Comunicações de Portugal (hoje Anacom-ICP). Este instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira, só iniciou a sua atividade em 1989. Surgiu, pois, como regulador, devidamente orientado no enquadramento dado pela União Europeia, depois de esta ter posto em marcha o processo de privatização do serviço telefónico. Entretanto, em 1992 é feita a cisão dos CTT, separando o setor dos correios do setor das telecomunicações para este ser uma base fundamental da criação da PT.

Quanto à PT, os portugueses já constataram o significado da "excelência" da gestão, paga principescamente, ao serviço de negócios promíscuos e da oferta de chorudos dividendos a acionistas.

Com a empresa CTT privatizada apenas por razões ideológicas e para servir grupos privados, vamos ficar à espera do desastre total? Na UE só há três ou quatro países em que os Correios são controlados por privados. Será que vamos ter efetivo serviço público com provisão privada?

Em múltiplos casos, e em concreto nos CTT, é evidente que a empresa privada leva a prestação do serviço público apenas, e só, até onde ele é rentável. Para a gestão atual, quem determina o limite é o jogo da financeirização da economia e não os interesses dos portugueses e as estratégias de desenvolvimento regional. Ora, um serviço público tem de ir até onde é necessário, até onde estão as pessoas.

A degradada situação dos CTT não se resolverá com a Anacom a aplicar multas por a empresa não cumprir obrigações estabelecidas. A Anacom não impedirá distribuições de dividendos muito superiores aos lucros, nem tem meios para influenciar um bom destino para estes. A Anacom não travará processos de "reestruturação" que podem fazer desaparecer partes fundamentais da estrutura e da missão atual e futura que os CTT devem ter.

Estamos perante uma inquestionável violação de obrigações estabelecidas no contrato de concessão. Discutam-se, então, os cenários de saída: o regaste da concessão e medidas complementares, a renacionalização, outras formas de controlo público. Mas não se pode permitir que quem se apoderou dos CTT tenha condições para separar os ossos da carne, deitando a mão a esta. Os CTT devem ser públicos.

O Mundo, como gostam de repetir os neoliberais, está em mudança rápida. Mas o sentido da mudança surpreende-os muitas vezes. Em vários países europeus, nomeadamente nos que têm longa experiência das consequências das privatizações dos serviços públicos, como a Inglaterra, o que está a ser exigido é a nacionalização dos caminhos de ferro, das redes de energia, dos correios. É preciso que a luta dos trabalhadores dos CTT e das populações seja forte.

*Investigador e professor universitário

Na foto: Manuel Champalimaud/edifício dos CTT

PORTUGAL | Hoje é o primeiro dia


Afonso Camões* | Jornal de Notícias | opinião

Quando dentro de dias se sentarem um diante do outro, sabem Rui Rio e António Costa que a história é escrita pelos vencedores. Na política como na guerra, não há bons nem maus, mas vencedores e vencidos. Em democracia, a razão por que às vezes ganham os menos simpáticos é cristalina: é porque votamos neles. Ora, Rio chegou até aqui pela simples razão de que tem ganho as batalhas em que se tem metido. Hoje, porém, é outra história. O novo chefe da Oposição herda um PSD dividido e cansado, cego por um longo estado de negação, perante um país rendido a resultados concretos de quem está de turno no Governo: economia a crescer, desemprego a baixar, os melhores resultados em 20 anos.

Rio tem, pois, tudo para perder. E é também por isso que pode ganhar. A nossa marinhagem provou há séculos como ir à bolina, contra o vento. Não basta confiar na teoria da gravitação, tão antiga quanto as nossas caravelas, acreditando que a maçã do poder socialista vai cair devido ao seu próprio peso e que isso vai permitir ao PSD regressar a S. Bento, mesmo fazendo de morto. Dentro do partido, ele tem de saber sacudir a miríade de cortesãos habituados a viver à babugem do poder que se lhe atiçam à perna. E, virado para fora, menorizar os resultados do Governo PS e convencer os portugueses de que é possível e desejável fazer melhor.

A eleição direta e antecipada dos líderes retirou aos congressos partidários, como o que hoje termina, o picante imprevisível de outrora. À parte a habitual liturgia, o que dali se espera é que eles sejam de consagração ou de renovação. De consagração, se fosse para festejar, e não é o caso. De renovação, é o que estamos para ver, depois de a história recente ter demonstrado que uma democracia madura não tolera ressabiados, antes reclama uma Oposição forte, capaz de acenar com futuro, alternativas e esperança. Ora, se há um sinal que Rui Rio deixa muito claro no final deste congresso esse é a necessidade de o país avançar para reformas estruturais há muito tempo adiadas e a disponibilidade do seu PSD para acordos de regime, em nome do "interesse nacional".

Os anos de austeridade não deram margem para as reformas que Portugal precisa, as mais importantes das quais exigem consensos alargados e maiorias qualificadas. E tal só é possível com uma Oposição ao mesmo tempo firme e cooperante, que saiba, ao menos, ir à boleia do presidente da República. A cooperação é a arte de viver em desacordo. E não há democracia sem incerteza e sem conflito. Rio não tem muito tempo. Mas tem de rodear-se dos bons e chamar para si os melhores. A próxima campanha eleitoral já começou. Hoje é o primeiro dia.

*Diretor do JN

Foto: Rui Rio | de Paula Nunes em ECO

37º CONGRESSO PSD | Santana Lopes anda por aí... de mãos dadas com Rui Rio


Santana Lopes, líder derrotado das eleições diretas do PSD, deu as mãos a Rui Rio e considerou-o corajoso, entre outros epítetos agradáveis. 

Na sua dissertação, perante os congressistas, Santana apelou ao sentido de responsabilidade de todos os militantes, reivindicando entrega, fidelidade e apoio total a Rio, presidente recém-eleito do partido.

Recorremos ao vídeo que melhor documentará as palavras de Santana no congresso que hoje termina. Vamos ver quanto tempo dura o “namoro” entre aqueles dois homens tão diferentes.

PG

SPORTING C.P. | Bruno de Carvalho vence Assembleia Geral


ONTEM - Continuidade dos órgãos sociais foi aprovada com 89,55% de votos favoráveis.

Os sócios do Sporting aprovaram a continuidade de Bruno de Carvalho na presidência do clube, numa Assembleia Geral (AG) em que passaram também as propostas da direção de alterações aos estatutos e ao regulamento disciplinar.

O presidente da Mesa da AG, Jaime Marta Soares, anunciou que a continuidade dos órgãos sociais foi aprovada com 89,55% de votos favoráveis, numa reunião magna com a presença de mais de 5.000 sócios e que se realizou no Pavilhão João Rocha, em Lisboa.

As alterações aos estatutos tiveram o aval de 87,3% e as mudanças ao regulamento disciplinar receberam uma aprovação de 87,8%.

Bruno de Carvalho aproveitou o discurso de vitória para apelar aos comentadores do Sporting que abandonem os programas de televisão.

TSF com Lusa | Foto: Gerardo Santos/Global Imagens

MAIS NA TSF

CINEMA | A espantosa invasão lusa na Berlinale


"Our Madness", de João Viana, é o primeiro trabalho português a desfilar na Berlinale, onde três curtas nacionais se apresentam em competição. E traz fantasmas da guerra de Moçambique à boleia da odisseia de uma mulher em busca do filho e do marido pelo interior do país.

Ainda são poucos em Portugal aqueles que entendem o peso da participação portuguesa nesta edição da Berlinale. São seis, seis filmes. Aqui pelos corredores do festival, quando alguém é reconhecido por ser português, é felicitado. Os jornalistas brasileiros queixam-se de o seu cinema ter sido quase esquecido, os espanhóis idem aspas.

Que não haja mais dúvidas, o cinema português está mais do que em alta no circuito de festivais internacionais. Deixou de ser uma moda exótica e do nicho art-house. É uma corrente. Vamos ao mercado e vemos o trailer da longa-metragem Carga, com Sara Sampaio e Rita Blanco, sobre o tráfico de mulheres em Portugal, e ficamos de boca aberta. É uma obra de estreia de Bruno Gascon, jovem cineasta que filmou com financiamentos privados e quer agora internacionalizar a obra.

Depois, lemos as revistas do meio, como a Screen International, e percebe-se que Bad Investigate, de Luís Ismael, está com a Minerva, vendedora internacional, a ser exportado como "thriller português". Há coisas a acontecer.

Mas hoje é o dia de Our Madness, de João Viana, a primeira longa portuguesa a desfilar pela Berlinale. Passa esta noite na secção Fórum, no mítico Zoo Palast, e é uma história sobre uma mulher moçambicana em fuga de um manicómio. A sua odisseia leva-a pelo interior do país em busca do filho e do marido que está na guerra, a norte. Encontra fantasmas e o flagelo da guerra.

Our Madness faz parte do olhar de Viana sobre esta África. Primeiro, filmou a Guiné em A Batalha de Tabatô, agora é a Moçambique mística. É cinema de laboratório experimental, fiel ao espírito da(s) terra(s). Goste-se ou não, tem uma musicalidade que é genuína, quanto mais não seja porque tem uma protagonista que toca música com um instrumento fora do comum: a cama.

Do arco-da-velha? Sim, a Moçambique insana de Viana tem também uma história de rodagem complicada, conforme o realizador nascido em Angola conta ao DN: "Mas é melhor nem falarmos disso... Aconteceram prisões e desaparecimentos... Correu mal o facto de em 2015 a guerra ter recomeçado em Moçambique. O problema não era eu, apesar de ter filhos pequenos, mas a equipa toda, constituída por várias mulheres e uma criança. Dizia-se antigamente que um filme só era bom quando a rodagem corria mal. Às tantas é mesmo verdade."

A dada altura, em Our Madness os fantasmas surgem, temos de acreditar neles. João Viana sabe conviver com esses espíritos: "Acredito que há fantasmas na realidade. Creio que quanto mais velha é uma pessoa mais fantasmas caminham atrás dela: a amiga, o namorado, o avô muito querido que agora é anjo-da-guarda. Uma pessoa de 20 anos tem um fantasma em permanência que vai atrás de si para todo o lado. Uma pessoa de 50 já tem dois fantasmas, talvez mesmo três. Uma pessoa de 75 tem cerca de cinco a seis." A matemática fantasmagórica não atrapalha o filme.

Para além de Our Madness, a Berlinale mostra também Madness, a curta que é um espelho invertido (e bem mais preciso) da longa. Estará em competição, juntamente com Onde o Verão Vai (Episódios da Juventude), de David Pinheiro Vicente, e Russa, de João Salaviza e Ricardo Alves Jr. Já no programa Fórum, no âmbito do qual passa Our Madness, serão também exibidos A Árvore, de André Gil Mata, e Mariphasa, de Sandro Aguilar. E enquanto no mercado de coproduções será apresentada a série policial Sul, de Edgar Medina e Guilherme Mendonça, com realização de Ivo M. Ferreira, no programa paralelo Berlinale Talents estará o realizador André Santos e, no Project Labs, este cineasta apresentará o projeto do documentário Na Floresta(título provisório), coassinado com Marco Leão.

Não há outro cineasta aqui com dois filmes, mas Viana prefere falar da vaga bonita do nosso cinema: "Portugal é um país antigo, diverso e rico. Assim é também o nosso cinema. Para ele contribuímos todos: técnicos, autores e jornalistas de cinema. Haverá sempre pessoas que estão insatisfeitas, mas isso é próprio de ser-se jovem. É sinal de que nada está esgotado e há por aí projetos de futuro."

E entre Lisboa e a sua África, o realizador fala também do seu olhar não exterior sobre a raiz da alma africana: "Eu não posso entrar na alma africana se vivo lá. Era um bocadinho como quando os meus amigos da escola me chamavam retornado! Eu achava aquilo tremendamente injusto. Como é que eu podia retornar se era angolano e era a primeira vez que vinha a Portugal? Mas sim, a alma africana é um prazer porque o cinema tem que ver com isso mesmo, com um gozo infantil de trabalharmos a nossa própria alma, aquilo que conhecemos bem." E o próprio realizador conhece bem o humor africano, seja da Guiné, de Moçambique ou de Angola. Seja em tempos de paz ou de guerra.

Rui Pedro Tendinha | Diário de Notícias | em Berlim

Imagem em Diário de Notícias, correspondente a “Our Madness”, uma odisseia em Moçambique

Autores e artistas não aceitam que o digital os empobreça e fragilize

José Jorge Letria | Diário de Notícias | opinião

Muitas dezenas de autores e artistas portugueses tomaram a decisão de enviar uma carta ao primeiro-ministro António Costa para, em defesa dos seus direitos, afirmarem que acreditam no "valor da criação" e para lhe dizerem aquilo que ele, mesmo sabendo-o há muito, não será mau que o recorde nos momentos e nos lugares certos, sobretudo numa Europa marcada pela incerteza, pela crescente e quase sempre chocante falta de solidariedade e ainda pela perigosa tendência para divisões geográficas e ideológicas que não auguram nada de bom.

Acentuam os autores e artistas portugueses que "o sector cultural e criativo é um dos maiores contribuintes para o emprego em toda a Europa, sendo também determinante para a afirmação das culturas nacionais e, por consequência, da língua e da cultura portuguesas". Porém, sabem os subscritores da carta que, na sua versão inglesa, teve a ampla e merecida circulação internacional, que "este potencial criativo e económico enfrenta uma situação insustentável que põe em risco a viabilidade de todo o sector , com claros prejuízos para a multiplicidade e a pluralidade culturais".

Vivemos num mundo global em que a lucro imenso das grandes multinacionais da comunicação digital vai aumentando na proporção exacta que fazem das obras com direitos protegidos e que servem de suporte para a difusão de mensagens globais que são a fonte de uma riqueza que se sobrepõe e de forma insultuosa e dificilmente controlável aos interesses dos Estados e mesmo à vontade soberana dos tribunais.

"Hoje", declaram, os autores e artistas, "as nossas obras e prestações artísticas podem chegar de forma instantânea, através da internet, a consumidores potenciais em todo o mundo, num mercado que é verdadeiramente global. Lamentavelmente, a este alargamento do consumo efectivo de bens culturais não tem correspondido uma efectiva valorização económica do investimento pessoal e financeiro de todos aqueles que, em condições particularmente difíceis, continuam a criar, a interpretar e a investir em cultura."

Dizendo isto, deixam quase tudo dito, mas é importante salientar que existe "uma insustentável cadeia de valor que apenas teve por consequência o enriquecimento de grandes operadores multinacionais do mercado digital e o empobrecimento, com a inerente perda de capacidade de investimento, de autores, artistas e produtores". Usando os meios que têm ao seu alcance, estes têm deixado muito clara a sua posição e também o seu protesto junto da Comissão e do Parlamento europeus e também junto da influente Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), agência das Nações Unidas com sede em Genebra, que segue com atenção empenhada os grandes temas da propriedade intelectual e da indispensável defesa dos criadores, artistas e produtores. Mas parece não ser bastante.

Além de prejudicar os autores, os intérpretes e os produtores, a posição das multinacionais do mundo digital "constitui um factor de desincentivo ao investimento cultural e coloca em risco todo o mercado digital".

Insurgem-se os subscritores da carta agora enviada a António Costa contra "o desresponsabilizador "estatuto de neutralidade" quando é patente que algumas destas plataformas (como é exemplo o YouTube) nada têm de neutral, e antes organizam, "sugerem", apresentam e monetizam as obras por nós produzidas e interpretadas".

Consideram os autores, artistas e produtores que não hesitaram em assinar a carta enviada ao primeiro-ministro, ser "essencial uma clarificação normativa, à escala da União Europeia, que sujeite tais operadores às mesma regras de licenciamento que os restantes intervenientes do mercado de distribuição digital de conteúdos, que com eles competem no mesmo mercado".

A aparente inevitabilidade da vinda para Portugal de segmentos fundamentais da Google e da Amazon só vem acentuar a oportunidade do envio desta carta e a clareza das opiniões e dos apelos nela contidos, aos quais se espera que António Costa e o seu governo não fiquem indiferentes.

Não estamos apenas perante uma opção estratégica do ponto de vista económico que poderá criar mais postos de trabalho. Estamos em presença de um conceito global, autoritário e invasivo que, em nome das conveniências do mercado de trabalho, pode tornar ainda mais grave e vulnerável a situação de milhares de autores e intérpretes que também aumentam a riqueza nacional a vários níveis, desde o sector empresarial à receita fiscal e à atractividade internacional, passando pela sempre indispensável coesão nacional.

*Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

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