domingo, 25 de fevereiro de 2018

Escalada dos EUA na Síria – Até onde os russos se deixarão arrastar?


The Saker, Unz Review*

Os eventos na Síria passaram recentemente por clara virada para pior, e há cada dia mais provas de que a força tarefa russa na Síria está sendo alvo de sistemática campanha de “ataques de provocação e abuso”. Primeiro, foi o (relativamente bem-sucedido) ataque por drones e morteiros contra a base Aeroespacial Russa em Khmeimin. Depois foi o ataque que derrubou um SU-25 russo sobre a cidade de Maasran na província de Idlib. Agora se sabe de baixas russas no ataque dos EUA contra uma coluna síria (acompanhada de notícias exageradas de “centenas” de russos mortos). No primeiro caso, funcionários russos falaram abertamente de fortes suspeitas de que o ataque, se não foi planejado e executado pelos EUA, foi pelo menos com certeza coordenado com forças dos EUA nos arredores. No caso da derrubada do SU-25, não se ouviu qualquer acusação aberta, mas muitos especialistas declararam que a altitude na qual o jato foi atacado sugere fortemente ataque por MANPAD [ing. Man-portable air-defense system (Sistema portátil de defesa antiaérea que dispara mísseis terra-ar)] bastante moderno de um tipo não visto com frequência na Síria (aqui, a sugestão nem tão sutil é que o jato foi derrubado por US Stingers que os EUA enviaram aos curdos). Quanto ao mais recente ataque à coluna síria, o que se discute não é quem atacou, mas que tipo de pessoal russo está envolvido, se militares russos ou fornecedores privados (essa segunda possibilidade é explicação muito mais provável, dado que a coluna síria atacada não tinha absolutamente nenhuma cobertura aérea). Considerado separadamente, nenhum desses incidentes significa grande coisa; mas tomados em conjunto podem ser indicativos de uma nova estratégia dos EUA na Síria: castigar o mais possível os russos – o máximo admissível sem que se caracterize ataque aberto dos EUA contra forças russas. Na minha avaliação, essa hipótese me parece plausível pelas seguintes razões: Primeiro, os EUA e Israel ainda rolam no chão, tomados de fúria e humilhados em surto de raiva impotente agora que foram visivelmente derrotados na Síria: Assad continua na presidência; o Daech está mais ou menos derrotado; os russos foram bem-sucedidos não só nas operações militares contra o Daech, mas também nas operações para trazer à mesa de negociações o maior número possível de “terroristas do bem”. Com a conclusão de uma bem-sucedida conferência na Rússia sobre a Síria e o acordo geral de todas as partes para começar a trabalhar numa nova Constituição, criou-se risco real de que a paz se implantasse… algo que os anglo-sionistas estão absoluta e obcecadamente determinados a impedir que aconteça (observe que esse documento aparentemente hackeado o qual, se genuíno, claramente declara a política dos EUA de não permitir que os russos consigam qualquer coisa que planejem conseguir). Segundo, ambos, Trump e Netanyahu, prometeram voltar com muitas “vitórias” para provar o quanto são fortes e machões (na comparação com os maricas que os precederam). Iniciar uma guerra aberta contra os russos seria definitivamente “prova de macheza”, mas perigosa demais. Matar russos “às margens”, por assim dizer, ou protegidos por negabilidade plausível ou, alternativamente, matando fornecedores privados russos é muito mais seguro e até aqui a opção mais tentadora. Terceiro, há eleições presidenciais próximas na Rússia, e os EUA ainda se agarram desesperadamente à noção infantiloide de que se criarem problemas para Putin (sanções ou sacos de cadáveres vindos da Síria), eles conseguiriam, sabe-se lá como, impactar negativamente a popularidade do presidente na Rússia (na realidade obtêm o efeito oposto, mas são tolos e ignorantes demais para se dar conta disso). Por fim, mas não menos importante: dado que os Anglo-sionistas já há muito tempo perderam a real capacidade para fazer seja o que for, a posição lógica embora pervertida que sobra para eles é tentar impedir que qualquer outra força tenha qualquer capacidade… Esse é o principal objetivo do grande deslocamento dos EUA para o norte da Síria: criar dificuldades para Turquia, Irã, Síria e, claro, Rússia. Resumo da história: dado que os norte-americanos declararam que permanecerão (ilegalmente) na Síria até que a situação estabilize-se, eles passam agora a ter de fazer de tudo para desestabilizar a Síria… É assim. Há uma espécie de lógica sempre perversa nisso tudo, que jamais está ausente… Para a Rússia, todas essas más notícias resumem-se como segue: embora a Rússia tenha derrotado o Daech na Síria, o país está ainda longe de ter derrotado os Anglo-sionistas no Oriente Médio. A boa notícia contudo é que a Rússia tem opções para lidar com essa situação. Passo nº 1: encorajar os turcos Há uma solução contraintuitiva mas em vários sentidos uma solução ideal para a Rússia fazer frente à invasão dos EUA na Síria: envolver os turcos. Como? Não atacar diretamente as forças dos EUA, mas atacar as milícias curdas atrás das quais os EUA tentam hoje se ‘esconder’ (no mínimo, politicamente). Se se pensa nisso, vê-se que, embora EUA (ou Israel) nunca pensaram duas vezes antes de atacar forças sírias ou iranianas, atacar forças turcas acarretaria imenso risco político para os atacantes. Depois da tentativa de golpe apoiada pelos EUA para derrubar Erdogan, e para acrescentar insulto à agressão, os EUA terem apoiado a criação de um “mini-Curdistão” na Síria e Iraque, as relações EUA-Turquia chegaram ao ponto mais baixo de toda a história. Não falta muito para que os turcos saltem a cerca – com consequências que são potencialmente cataclísmicas para EUA, UE, OTAN, CENTCOM, Israel e todos os interesses anglo-sionistas na região. Verdade é que é quase impossível exagerar a importância estratégica da Turquia para a Europa, o Mediterrâneo e o Oriente Médio. E os norte-americanos sabem disso. Decorre daí uma consequência muito real, embora muito mal compreendida: as forças armadas turcas na Síria gozam, basicamente, de algo que eu chamaria de “imunidade política”; estão totalmente protegidas contra ataques dos EUA. Implica dizer que não importa o que façam os turcos, os EUA praticamente em nenhum caso considerarão abertamente a possibilidade de usar de força contra eles, porque a consequência de, digamos, um ataque pela Força Aérea dos EUA contra uma coluna do exército turco, seria grave demais para que a ação seja sequer cogitada. De fato, creio que as relações EUA-Turquia estão em tão péssimo estado e tão enviesadas, que me parece muito, muito mais provável um ataque turco contra coluna/posição dos curdos (os “terroristas do bem”) na qual há incorporadas Forças Especiais dos EUA, que ataque dos EUA contra coluna do exército turco. Pode soar como contraintuitivo, mas digamos que os turcos atacassem uma coluna curda (“terroristas do bem”) ou posição na qual haja pessoal dos EUA, e morresse um soldado dos EUA. O que os EUA poderiam fazer? Retaliar em igual intensidade? Nunca, de modo algum! Não apenas porque a noção de os EUA atacarem país membro da OTAN é quase impensável, mas porque depois do ataque viria imediatamente a exigência turca de que os EUA/OTAN se retirassem completamente do solo e do espaço aéreo da Turquia. Em teoria, os EUA poderiam pedir que os israelenses fizessem o serviço sujo em lugar deles, mas os israelenses não são idiotas (embora sejam doidos), e não terão interesse algum em iniciar tiroteio com a Turquia por causa de um problema que os EUA inventaram num “mini-Curdistão”; muito menos se interessarão por derramar “sangue judeu” na defesa de não judeus, goyim basicamente sem valor algum. Não. Se os turcos matarem soldados dos EUA haverá protestos e onda de “consultas” e outros ações de valor simbólico, mas, exceto pro isso, os EUA engolirão as perdas e nada farão. Quanto a Erdogan, sua popularidade subiria à estratosfera. Isso tudo significa em termos práticos que, se há ator que pode realmente e seriamente pôr fim às operações dos EUA no norte da Síria, e até mesmo forçar os EUA a se retirarem, é a Turquia. Esse tipo de capacidade também dá à Turquia muito poder de barganhar diante de Rússia e Irã, o qual, tenho certeza, Erdogan usará cuidadosamente a seu próprio favor. Até agora, Erdogan apenas ameaçou dar “uma bofetada otomana” nos EUA; e o secretário de Estado Tillerson está a caminho de Ankara para tentar impedir que o desastre se complete, mas a posição dos turcos, de que os EUA têm de escolher se estão com os turcos ou com os curdos, limita gravemente as possibilidades de qualquer acordo real (e o lobby israelense está 100% com os curdos). Nunca diga nunca, mas minha avaliação é que só um milagre, nesse ponto dos acontecimentos, salvará as relações EUA-Turquia. A Rússia pode tentar capitalizar essa dinâmica, a favor dela. A principal fraqueza de todo esse conceito é, claro, que os EUA ainda são suficientemente poderosos, inclusive dentro da Turquia, e seria muito perigoso para Erdogan tentar confrontar abertamente o Tio Sam. Até aqui, Erdogan está agindo com firmeza e em aberto desafio aos EUA, mas ele também compreende os riscos de avançar demais. Erdogan estar simplesmente considerando a possibilidade de se expor a tais riscos já é sinal de que está vendo grandes vantagens para si. Os russos têm duas opções básicas: ou prometem aos turcos alguma coisa que lhes interesse muito, ou operar para complicar ainda mais a relação já péssima entre EUA e Turquia. A boa notícia aqui é que os esforços russos para meter uma cunha entre EUA e Turquia são muito favorecidas pelo apoio dos EUA a Israel, curdos e Gulenistas. O outro risco óbvio é que qualquer operação anticurdos pode converter-se em mais um ‘racha’ no território sírio, dessa vez por obra dos turcos. Mas a realidade é que os turcos realmente não podem permanecer por muito tempo na Síria, especialmente se Rússia e Irã opuserem-se a isso. E há também a questão da lei internacional, que os EUA podem ignorar com muita facilidade, mas os turcos, não. Por todas essas razões, usar os turcos para pressionar os EUA é tática que tem seus limites. Mesmo assim, se os turcos continuam a insistir que os EUA parem de apoiar os curdos, ou se continuarem a pressionar militarmente as milícias curdas, nesse caso todo o conceito dos EUA, de um ‘mini-Curdistão’ apoiado pelos EUA colapsa e, com ele, todo o plano dos EUA para dividir a Síria. Até aqui, os Iraquianos lidaram rapidamente com o ‘mini-Curdistão’ no Iraque, e os turcos estão agora dando os passos necessários para lidar com o ‘mini-Curdistão’ patrocinado pelos EUA na Síria, quando então os turcos poderão dar por resolvido o problema *deles*. Os turcos não têm interesse em ajudar Assad nem, de fato, em ajudar Putin; e não estão preocupados com o que aconteça na Síria, desde que o problema *dos turcos* (os curdos) esteja controlado. Significa que sírios, russos e iranianos devem não esperar grande coisa dos turcos, que se virem contra os EUA, a menos, claro, que sejam criadas as condições ‘certas’. Só o futuro dirá se os russos e os iranianos conseguirão criar tais condições. Passo nº 2: saturar a Síria com defesas aéreas de curto/médio alcance móveis modernas Nesse momento, ninguém sabe que tipo de sistemas de defesa antiaérea os russos têm transferido para os sírios ao longo dos últimos anos, mas essa é claramente a via à frente para os russos: entregar aos sírios o maior número possível de sistemas móveis modernos de defesa antiaérea. Embora seja providência cara, a melhor solução aqui seria entregar o maior número possível de armas/sistemas Pantsir-S1 móveis e MANPADS 9K333 Verba aos sírios e iranianos. A combinação desses dois sistemas complicaria enormemente para norte-americanos e israelenses qualquer tipo de operação aérea, especialmente porque não haverá meio prático confiável para prever o local de onde estejam operando. Dado que ambos, EUA e Israel operam hoje nos céus sírios – em total violação da lei internacional, enquanto as forças armadas sírias estariam protegendo o próprio espaço aéreo soberano, a entrega desses sistemas de defesa aérea, pelos russos, aos sírios, seria impecavelmente legal. Melhor de tudo, seria completamente impossível para os anglo-sionistas saberem realmente quem os atacou, porque esses sistemas de armas são móveis e podem ser escondidos sem dificuldade. Como na Coreia, no Vietnã ou no Líbano, tripulações russas podem ser mandadas para operar os sistemas de defesa aérea síria, e ninguém jamais conseguirá provar que “foram os russos”, quando começarem a chover dos céus jatos norte-americanos e israelenses. Os russos terão a favor deles o que a CIA chama de “negabilidade plausível”. Os norte-americanos e israelenses, claro, atacarão o lado mais fraco, os sírios, mas, exceto porque mais agressões sempre darão prazer a EUA e Israel, o ataque aos sírios não fará grande diferença em solo, uma vez que os céus sírios já não serão seguros para a aviação dos EUA ou Israel. A outra opção para os russos seria oferecer upgrades (software e míssil) aos sistemas já existentes de defesa aérea síria, especialmente os sistemas móveis, por chão, 2K12 Kub e 9K37 Buk. Esses upgrades, sobretudo se combinados com número suficiente de Pantsirs e Verbas seriam pesadelo para ambos, norte-americanos e israelenses. Os turcos não se preocupariam muito, porque já estão basicamente voando com plena aprovação dos russos; nem os iranianos se incomodariam, uma vez que, tanto quanto eu sei, não têm operações aéreas na Síria. Uma objeção a esse plano seria que os dois lados podem jogar esse jogo, e nada impediria que os EUA enviassem MANPADs ainda mais avançados para os “terroristas do bem” que os norte-americanos apadrinham, mas é argumento errado. Se os dois lados fizerem a mesma coisa, ainda assim o lado que depende mais de operação aérea (os EUA) perde mais que o lado que tem vantagem no solo (os russos). Além disso, ao enviar MANPADs para a Síria, os EUA alienariam um aliado esperado, a Turquia. E se a Rússia envia MANPADs e outros sistemas antimísseis para a Síria, o único lado que reclamará será Israel. Quando acontecer, os russos terão resposta simples e verdadeira: nós não começamos esse jogo; quem começou foram os EUA aliados de vocês [de Israel]; agora, agradeçam a eles pela confusão. O principal problema na Síria é o fato de que os EUA e Israel estão hoje operando nos céus sírios, acobertados por total impunidade. Se isso mudar, será processo lento e gradual. Primeiro, haverá poucas perdas isoladas (como o jato F-16 israelense recentemente), depois se verá que a locação dos ataques de EUA e/ou Israel gradualmente mudarão, de centros urbanos e postos centrais de comando, para alvos menores e mais isolados (como colunas de veículos). A mudança indicará que os alvos mais lucrativos já estarão bem defendidos demais. Eventualmente, número cada vez maior de missões aéreas começará a ser gradualmente a ser substituído por ataques por mísseis cruzadores e balísticos. Subjacente a isso haverá uma mudança, de operações aéreas ofensivas, para operações para proteger as forças, o que, por sua vez, dará a sírios, iranianos e ao Hezbollah ambiente muito mais fácil no qual operarem. Mas o primeiro passo necessário para que aconteça qualquer dessas possibilidades sempre é aumentar dramaticamente a capacidade das defesas aéreas sírias. O Hezbollah operou durante décadas, com grande sucesso, em condições de total supremacia aérea dos israelenses; a experiência do Hezbollah nesse tipo de operações terá valor inestimável para os sírios, até que aumentem suficientemente a própria capacidade aérea de defesa. Conclusão: a única opção é mesmo a contraescalada? Francamente, começo a crer que o Império decidiu tentar uma “reconquista” parcial da Síria, e até Macron anda fazendo barulho sobre atacar os sírios para “puni-los” pelo uso de armas químicas inexistentes que os sírios não usaram. No mínimo, os EUA querem que os russos paguem preço alto pelo papel que têm na Síria. Dentre outros objetivos dos EUA na Síria, estão:

Impor uma divisão de-facto da Síria, com os EUA assumindo sob seu controle o território sírio a leste do rio Eufrates (pode-se chamar de “plano C versão 3.0”);

Roubar os campos da gás localizados no nordeste da Síria;

Criar uma área intermediária, de passagem, controlada pelos EUA, a partir da qual terroristas do bem e terroristas do mal possam planejar e executar suas operações;

Sabotar todas e quaisquer negociações com vistas à paz, apoiadas pelos russos;

Garantir apoio a operações de Israel contra forças do Irã e do Hezbollah no Líbano e na Síria;

Manter ataques regulares contra forças sírias que lutem para libertar, contra invasores e ocupantes estrangeiros, o seu próprio território nacional;

Apresentar a invasão e a ocupação da Síria como uma das ‘vitórias’ que Trump prometeu ao Complexo Militar-industrial e ao lobby pró-Israel.

Até aqui, a resposta russa à estratégia em curso dos EUA tem sido passiva; a atual escalada sugere fortemente que pode ser necessária outra abordagem. A derrubada do jato F-16 de Israel foi promissor primeiro passo, mas é preciso muito mais que isso para aumentar dramaticamente o custo que o Império tenha de pagar pelas políticas com as quais atacou e continua a atacar a Síria. O aumento no número de comentaristas e analistas que exigem reação mais forte contra as recentes provocações pode ser sinal de que alguma coisa esteja já em preparação.

*16/2/2017, The Saker, Unz Review | em Oriente Mídia | Traduzido por Vila Vudu

Relatório 2017/18 da Amnistia Internacional Marrocos/Sahara Ocidental

relatório anual da Amnistia Internacional publicado esta semana que lista todos os países e analisa o estado dos direitos humanos em cada um deles, refere-se novamente a Marrocos/Sahara Ocidental e inclui os campos de refugiados localizados perto de Tindouf em território argelino no mesmo ponto.

O ponto referente à Palestina vem sob a designação Israel e territórios ocupados da Palestina.

Seria desejável que no próximo relatório a AI utilizasse o mesmo critério como temos vindo a expressar no porunsaharalibre.org.

Em poucos parágrafos o relatório alerta para o uso excessivo e desnecessário de força no desmantelamento de protestos pacíficos e manifestações no Sahara Ocidental, nas várias cidades “especialmente contra aqueles que reivindicaram autodeterminação do território e da liberdade dos prisioneiros saharauis “.

Refere ainda a detenção de activistas saharauis, com processos injustos que se baseiam em declarações falsas da polícia e a prática da tortura, que segundo a AI não é investigada.

Detalha ainda o processo de Gdeim Izik desde o seu inicio em 2010 até ao segundo julgamento em 2017. A AI classifica o julgamento militar de 2013 – que foi posteriormente anulado - de “manifestamente injusto”.

Sobre o julgamento 2017 em tribunal civil marroquino a ONG diz que se impôs aos 23 ativistas saharauis de Gdeim Izik “sentenças severas, em alguns casos de prisão perpétua”, mas sem “investigar devidamente as alegações de que foram torturados sob custódia”, nem excluir como prova a “informação alegadamente obtida através da tortura.”

Continua dizendo “A partir de setembro, pelo menos 10 dos 19 ativistas saharauis que permaneceram presos fizeram uma greve de fome contra as condições de prisão depois de serem separados em diferentes prisões em Marrocos”.

A Amnistia Internacional conclui que:

– “Houve alegações de tortura e outros maus-tratos sob custódia policial, tanto em Marrocos como no Sahara Ocidental. As autoridades judiciais não investigaram adequadamente ou exigiram a responsabilidade dos responsáveis. As autoridades mantiveram várias pessoas em confinamento solitário por períodos prolongados, o que constituiu tortura e outros maus-tratos “.

– “As autoridades não tomaram nenhuma medida para enfrentar a impunidade de violações graves de direitos, como tortura, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais, cometidas sistematicamente em Marrocos e no Sahara Ocidental entre 1956 e 1999, apesar das recomendações da Comissão de Equidade e Reconciliação, um órgão de justiça de transição “.

A Amnistia Internacional, que recorda que o Conselho de Segurança da ONU prorrogou por mais um ano o mandato da Missão para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) “sem incluir a observação da situação dos direitos humanos”, termina com uma alusão à Frente Polisário, movimento de libertação saharaui, que diz que “continuou sem exigir a responsabilidade dos perpetradores de abusos dos direitos humanos cometidos em campos de refugiados sob seu controle nas décadas de 70 e 80”.

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ISRAEL TEM O DIREITO DE EXISTIR?


Imaginem que o Estado Israelita se estabelecia em Portugal, ocupava e colonizava o nosso território, expulsando a população portuguesa para gigantescos campos de concentração e terraplanando as suas vilas e aldeias centenárias.

António Santos | AbrilAbril | opinião

Imaginem que se descobria que andámos este tempo todo a traduzir mal a conversa entre Deus e Abraão e que, em vez de «Prometo dar aos teus descendentes esta terra, desde o Egipto até ao rio Eufrates», se devia ler «do Alvito até ao Rio de Frades». Quem ache semelhante ideia demasiado disparatada para estar na Bíblia deve consultar de antemão o episódio em que Deus envia uma ursa para matar duas crianças que chamaram careca a um homem ou o momento em que Deus pede a Ezequiel para se deitar de lado durante 430 dias alimentando-se exclusivamente de pão cozido em fezes humanas. Adiante. Imaginem agora a não menos disparatada ideia do Estado Israelita se pretender mudar de malas e bagagens para Portugal, concretizando uma profecia da Idade do Bronze mediante a ocupação e colonização do nosso território, expulsando a população portuguesa para gigantescos campos de concentração e terraplanando as suas vilas e aldeias centenárias.

Esta imagem disparatada é um ponto de partida necessário para se poder discutir o Estado de Israel sem ser maquinalmente apodado de anti-semita. É a proverbial pescadinha de rabo na boca: o sionismo precisa do anti-semitismo vivo para justificar a existência de um Estado onde os judeus não sejam perseguidos e os crimes desse Estado encarregam-se de renovar a gangrena anti-semita. Desde a sua criação, em 1948, Israel representa a maior fonte de insegurança e conflitos na região, bloqueando ostensivamente todas as tentativas internacionais de construir uma solução de dois Estados. Para agravar o problema, podemos não ter a possibilidade de passar mais 60 anos a exigir uma solução de dois Estados porque, por este caminho, daqui a 60 anos pode já não haver palestinos na Palestina nem colonos em Israel.

Por detrás do violento projecto de segregação, expulsão e genocídio da população palestina que Israel persegue desde a sua fundação está uma estratégia a que os israelitas chamam «factos no terreno»: um Estado nascido sob o signo do colonialismo (na acepção mais tradicional da palavra, com colonos) torna-se politicamente irreversível ao fim de algumas décadas, por mais ilegal, injusta e brutal que tenha sido o processo de conquista e ocupação. Ninguém pondera, hoje em dia, que os EUA, a Austrália ou a Nova Zelândia deixem de existir por terem sido fundados sob o genocídio da população indígena. Da mesma forma, como se expulsam israelitas que nasceram, cresceram e toda a vida viveram numa terra a que, mesmo por alheia culpa a montante genealógico, chamam sua? Daqui a poucos anos, os colonatos ilegais que Israel constrói sobre as ruínas de aldeias destruídas serão «factos». Ao contrário dos EUA, da Austrália ou da Nova Zelândia, Israel não é ainda capaz de dizimar e assimilar a população indígena. Antes que tal aconteça, é preciso considerar todos os roteiros para a paz, mesmo que não sejam baseados numa solução de dois Estados.

Quatro pretextos e uma razão

Quando se interpela directamente um Estado e lhe se pede a raison d'être, cada um responde com um mito seminal diferente: um milagre aqui; um rei adormecido sob aquela montanha ali; um pacato piquenique com indígenas acolá, uma disseminação de fé além. A primeira e a mais importante justificação do Estado de Israel é religiosa: o direito a ocupar a terra proviria de uma lenda com 3500 anos segundo a qual Deus terá prometido a Palestina ao «povo escolhido». Aceitar este argumento é aceitar todas as outras guerras religiosas que pretendam invadir, ocupar e colonizar qualquer terra prometida por qualquer deus, o que se aplica, a título de exemplo, ao Estado Islâmico no al-Andaluz.

A segunda justificação é militar: Israel conquistou o território, exercendo, pela força, um controlo efectivo que, quer se goste ou não, é uma realidade.

A terceira é humanitária: na sequência do Holocausto, Israel seria o porto seguro de todos os judeus perseguidos há milhares de anos. Esta justificação, contudo, é uma contradição dos seus próprios termos: não se pode expiar uma catástrofe humanitária causando outra catástrofe humanitária nem se pode proteger um povo esmagando outro povo.

A quarta justificação é política: Israel seria a «única democracia do Médio Oriente», o que implicaria, no entanto, uma trabalhosa redefinição de democracia. Uma democracia não invade todos os países vizinhos nem destrói as casas de milhões dos seus cidadãos; uma democracia não tem leis que impedem uma minoria étnica de viver neste ou naquele lugar; não prende milhares de crianças todos os anos; não assassina legalmente 15 mil opositores políticos; não proíbe uma parte dos seus cidadãos de votar; uma democracia não limita ao mínimo de subsistência o número de calorias a que uma parte da população tem acesso; uma democracia não humilha diariamente a sua população com checkpoints militares; uma democracia não tem cidadãos de primeira e cidadãos de segunda; uma democracia não descrimina conforme a religião; uma democracia, sucintamente, não ocupa nem coloniza. Israel poderá ser tudo: etno-estado; herrenvolk (democracia para a maioria étnica, ditadura para a minoria); apartheid ou Estado colonial. Pode ser tudo menos um Estadodemocrático.

A quinta e última é a única remotamente aceitável: a criação de Israel na Palestina foi aprovada maioritariamente pelos representantes de todos os países do mundo e, no passado, até as organizações representativas do povo palestino dispuseram-se a reconhecer esse Estado. Porém, o Estado de Israel que a ONU criou não é o Estado de Israel que hoje existe. Como demonstram o mapa abaixo e as incontáveis condenações da ONU, Israel é hoje um Estado fora-da-lei. E um Estado inventado pela legalidade internacional só pode existir pela ilegalidade internacional. Se Israel se recusa a cumprir as resoluções da ONU, nomeadamente sobre as suas fronteiras, não tem direito a existir.


Solidariedade, do Alvito ao Rio Eufrates

Não se trata de uma medida punitiva, mas simplesmente de uma saída de emergência para a paz. Ou seja, o problema pode ser intrínseco à própria existência do Estado de Israel. Uma pesquisa do termo «Israel» devolve títulos como: «Israel ameaça atacar Irão»; «ministra israelita entoa o cântico “vamos queimar a tua aldeia”»; «continuam as expedições punitivas em Gaza»; «Israel ataca posições na Síria»; «Colonatos ilegais “são para continuar”»...

A questão que se impõe não é tanto se um Estado religioso e racista como Israel tem ou não direito de existir mas se essa existência é compatível com a paz. Na África do Sul, a solução para o sangrento regime de apartheid não passou por dois Estados. Porque não podem todos os palestinianos, independentemente de serem judeus, árabes, cristãos, muçulmanos ou ateus, viver em paz num Estado democrático e multi-étnico chamado Palestina?

Hoje Israel é um Estado aberrante que só se mantém pela perpétua continuação da violência contra a Palestina e contra outros países da região, que só sobrevive ligado à máquina da assistência financeira, política e militar dos EUA e que só aparenta ser aceitável aos olhos do mundo porque a comunidade internacional assim permite. A continuidade da existência do Estado de Israel dependerá sempre destes três factores e ainda de outros dois, não menos importantes: a resistência do heróico povo palestino e a solidariedade de todos os povos do mundo.

Façamos a nossa parte sabendo que, se por algum capricho divino, o Génesis dissesse mesmo Alvito e Rio de Frades, poderíamos ao menos contar com a solidariedade do povo palestino.

Fotos: 1 - As forças de segurança israelitas usam a força enquanto levam um palestino sob custódia durante um protesto contra o Muro da Discriminação e os colonatos judaicos na aldeia de Khirbet Atuf, em Tubas, Cisjordânia, Palestina, 28 de Setembro de 2017CréditosNedal Eshtayah / Getty Images;  2 - Evolução do território do Estado de Israel na Palestina (até 2012). Fonte: Online maps, a partir de Al-Arabiya.

Guiné-Bissau | JOMAV E O PATROCÍNIO DE VANDALISMO

O Democrata | editorial*

Mais um episódio negro na história democrática da Guiné-Bissau. A atuação das forças de segurança sob encomenda das autoridades nacionais, nomeadamente o Ministério do Interior na pessoa do seu titular, é uma autêntica vergonha nacional. Qualquer cidadão, independentemente da cor política, deveria ter a coragem de condenar os desmandos em curso no país. A mistura entre o silêncio cúmplice do Presidente da República e a agenda de vandalismo dos militantes dissidentes do PAIGC, é um perigo contra o já vulnerável edifício do Estado.

Utilizar todo o aparelho de segurança nacional (nutrido e sustentado com o erário público) como arma para impor uma agenda partidária, é um duro golpe contra a democracia e sobretudo contra os elementares princípios da ética política. Se tudo era, até aqui previsível neste país, o cerco imposto ao PAIGC, sabotando a realização do seu conclave sem uma base legal plausível, além de ser um crime público perpetrado pelas instituições da República, é também a confirmação de uma República órfã e refém sempre de agendas de grupos.

Esta é a triste realidade que qualquer cidadão honesto deveria repudiar sem medo,  nem cumplicidade e dupla linguagem. A democracia  constrói-se com regras e  respeito escrupuloso das mesmas. Não se pode fechar olhos perante este tamanho desmando e perpetração do império de força em nome de subsídios obscuros, interesses mesquinhos.

Que fique claro. Não se trata aqui de puxa-puxa  de saber quem tem razão entre os militantes do PAIGC, um partido historicamente em conflitos abertos. Trata-se sim do imperativo de se proteger o fragilizado Estado das disputas partidárias, seja qual for o partido político. Em qualquer situação a nossa posição seria a mesma. A defesa das instituições do Estado e da República! Se o jornal O Democrata existisse no passado quando ocorreram outras trites práticas, por exemplo, a ocupação e violência contra a sede do PRS por indivíduos instrumentalizados, assumiria a mesma posição de firme condenação e de verdade.

A Guiné-Bissau precisa de virar a página de práticas retrógradas rumo ao progresso através de respeito pelas normas da democracia. A instrumentalização das instituições de Estado (segurança, justiça, etc.) é veneno perigoso contra a coesão e paz sociais. Que o problema do PAIGC seja resolvido no PAIGC e quando os conflitos transbordam que se recorra à justiça, mesmo com as suas fragilidades. Não se pode envolver os meios do Estado para o combate partidário num claro abuso do poder.

Já o dissemos aqui várias vezes, o Presidente da República tem vindo a demonstrar uma incapacidade tremenda no exercício das suas funções do garante da unidade nacional e árbitro do jogo democrático. Trocou o capote e tornou-se um Chefe de Estado sem poderes em nome de alianças mesquinhas que, tarde ou cedo, voltarão contra ele. A história deste país é rica em factos. Não inventamos nada, simplesmente chamamos atenção. O rumo dos acontecimentos agora merece uma análise ponderada de todos os patriotas. É a hora de assumirmos a postura e mudarmos os comportamentos contrários à sã convivência nacional. A República deve se imperar face às agendas terceiras. Que os partidos políticos façam as suas lutas internas nas suas sedes e que o Estado garanta as liberdades e o bem-estar de todos.

*Editorial de 01.02.2018

GUINÉ-BISSAU | Presidente quer eleições ainda este ano


Presidente José Mário Vaz inicia próxima semana auscultações aos partidos políticos guineenses com objetivo de fixar data das eleições legislativas este ano. Também na próxima semana novo Governo poderá ser anunciado.

Um dia depois do Conselho de Segurança das Nações Unidas ter lançado um apelo às autoridades da Guiné-Bissau para que sejam realizadas eleições legislativas e presidenciais, respetivamente em 2018 e 2019, e que sejam "livres, justas, credíveis e transparentes, incluindo através da total participação das mulheres", o Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, anunciou nesta sexta-feira (23.02) através de um comunicado que vai iniciar na próxima semana auscultações a todos os partidos políticos com objectivo de fixar a data para a realização de eleições legislativas ainda este ano.

O documento, assinado pelo porta-voz da presidência guineense, Fernando Mendonça, refere ainda que "o Presidente da República encetou diligências junto do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça com vista a obtenção de informações sobre a situação no plano legal dos partidos políticos".

Por seu lado, o primeiro-ministro, Artur Silva, contestado pelos partidos políticos, também deverá submeter, até a próxima terça-feira (27.02), ao Presidente guineense para efeito de nomeação, a proposta de orgânica e da composição do seu elenco governamental, disse esta sexta-feira (23.02) uma fonte de gabinete de comunicação do primeiro-ministro. Entretanto, contactado a reagir às recentes declarações feitas pelo Presidente, José Mário Vaz, de que estaria à espera de um ponto da situação por parte do primeiro-ministro sobre a formação do Governo, Artur Silva, evitou fazer quaisquer declarações aos jornalistas.

Dissolução do Parlamento

Para o editor-chefe do jornal independente "O Democrata" e professor da Universidade Lusófona de Bissau, António Nhaga, perante o aprofundar da crise guineense com a nomeação de Artur Silva para chefe do executivo, não há outra saída que não seja a dissolução do Parlamento pelo Presidente da República.

"Se o Governo tem que ser formado na base do Acordo de Conacri é porque Artur Silva não tem condições para o fazer. Ouvi dizer que ele vai avançar com a formação do seu governo, mas como? A única solução para a crise é a dissolução do Parlamento e marcar eleições, porque quanto mais prolongar a crise, Artur Silva estará a manchar mais o seu currículo".

António Nhaga, acrescentou que se o Presidente continuar a não querer dissolver o Parlamento e não encontrar uma saída para a crise, a melhor decisão seria demitir-se do cargo."Ele tem que encontrar uma solução porque ele é o Presidente da República. Nomeou um primeiro-ministro que não tem soluções para formar um Governo, não quer dissolver o Parlamento, há sanções à porta, ou quase na sala, o que é está a fazer? Um Presidente da República tem que fazer alguma coisa para acabar com isto. Se não puder que peça desculpas e demita-se".

Cumprimento do Acordo de Conacri

Enquanto isso, várias organizações da sociedade civil, agrupadas numa Aliança para Paz e Desenvolvimento, reunidas (22.02) em Bissau para apontar soluções para o impasse politico de três anos no país, exigiram novamente o cumprimento na íntegra do Acordo de Conacri nos moldes assinados pelos atores políticos ou então a dissolução do Parlamento, como afirma uma resolução lida por Fodé Caramba Sanhá, presidente do Movimento nacional da Sociedade civil guineense.

"O cumprimento do Acordo de Conacri nos moldes em que foi assinado pelos seus signatários e atores políticos concernentes. E na impossibilidade do seu cumprimento, instar o Presidente da República, a fazer uso da prerrogativa constitucional para dissolver a Assembleia Nacional Popular (ANP), fixando assim a data para as eleições legislativas nos termos da Lei, ou com base nos consensos dos partidos políticos e das forças vivas da nação", lê-se na resolução.

A aliança da sociedade civil guineense defende ainda a formação de um Governo formado por membros com competência profissional reconhecida e interessados num futuro melhor para a Guiné-Bissau.

"Criar um Governo, cujos membros não tenham interesse direto nos resultados eleitorais e sejam pessoas com reconhecida idoneidade e competências profissionais dada ao serviço deste país. Por outro lado, promover o diálogo regular entre a sociedade civil, órgãos da soberania e os atores políticos guineenses".

ONU "profundamente preocupada"

Face ao impasse que se vive no país há quase três anos, o Conselho de Segurança das Nações Unidas afirmou-se na quinta-feira (22.02)profundamente preocupado com a crise política e institucional na Guiné-Bissau, criticando o desrespeito pelo direito a "reuniões pacíficas", e pediu eleições "livres e credíveis".

"Os membros do Conselho de Segurança expressaram a sua profunda preocupação em relação à prolongada crise política e institucional, devido à falta de disponibilidade dos atores políticos para alcançar a solução consensual e sustentável", considerou este órgão, na declaração divulgada.

Na sua mensagem, o Conselho de Segurança "lamentou a relatada falta de respeito pelo direito a reuniões pacíficas, reconhecido pela Constituição da Guiné-Bissau", numa alusão ao cerco pela polícia, em janeiro, da sede do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC, vencedor das últimas legislativas), atrasando em dois dias o congresso do partido. Também deplorou o desrespeito pelos "instrumentos legais" das Nações Unidas, da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e da União Africana. A ONU solicitou ainda às autoridades guineenses para garantirem um estrito respeito pelas suas obrigações à luz da lei internacional de direitos humanos".

A declaração do Conselho de Segurança da ONU surgiu depois de ter ouvido, no passado dia 14, o representante do secretário-geral das Nações Unidas naquele país lusófono, Modibo Touré, e o responsável do Gabinete das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau, o brasileiro Mauro Vieira.

Braima Darame (Bissau) | Deutsche Welle

Doentes angolanos em Portugal vivem em condições precárias


Os pacientes estão insatisfeitos com o tratamento que recebem do setor de saúde da Embaixada de Angola. A situação é a mesma desde a avaliação feita por uma missão do Ministério da Saúde angolano, em 2016.

Pelo menos cem doentes angolanos em Portugal lamentam as péssimas condições de alojamento e a qualidade da alimentação no abrigo oferecido pela Comissão da Junta Médica da Embaixada de Angola, em Lisboa, além do valor irrisório dos subsídios mensais.

Entre os pacientes queixosos está Paixão da Fonseca, que é doente renal há onze anos. Em Portugal há três anos, ele agora vive provisoriamente numa pensão, na capital portuguesa, que diz ter péssimas condições. O custo de alojamento é suportado pela Embaixada de Angola em Portugal.

"O problema é que eu acho que eles gastam muito dinheiro nessas pensões. Não aceitam que o doente receba um x [valor] para que possa tratar da sua vida. E é um x [valor] que seria muito inferior àquilo que eles pagam nas pensões", protesta Fonseca.

Apesar de tudo, o paciente angolano diz que tem sido bem tratado pelo sistema de saúde português. "O único problema", pondera Paixão da Fonseca, "é só a forma como somos atendidos pelo nosso setor de saúde, que não é a mais satisfatória". Ainda de acordo com ele, "eles não cumprem com o que deviam cumprir como uma instituição que tem que tomar conta dos doentes".

Alimentação e subsídios

Além das condições precárias dos alojamentos, os doentes dizem que a dieta alimentar nas pensões é péssima. Os acompanhantes dos doentes não beneficiam de assistência médica e medicamentosa. Os subsídios, respetivamente de sete euros diários nalguns casos e de 12 euros mensais noutros, que já são insuficientes, agora são pagos também com atraso.

E também há casos de doentes que recebem altas compulsivas do setor da saúde da Embaixada de Angola para regressar a Luanda sem ter o tratamento concluído.

Paixão da Fonseca discorda, "porque o doente, quando lhe é dada a esperança de vir para cá se tratar, tem que cumprir os trâmites todos de tratamento". "Agora, quando o doente vai para a pensão, eles [os funcionários do setor da saúde] vão atrás dos médicos dizer que a este doente tem que ser dada alta porque tem que ir [voltar] para Angola. Portanto, é uma coisa também que não é nada das melhores", denuncia.

Silêncio sobre a situação dos doentes

Estas são algumas das queixas dos cerca de cem doentes angolanos que recebem tratamento em Portugal, ao abrigo da cooperação com o Ministério da Saúde de Angola. Recentemente veio a Lisboa uma missão multidisciplinar da Junta Nacional de Saúde, encabeçada pelo seu diretor, Augusto Lourenço, com o objetivo de avaliar, caso a caso, qual a real situação dos doentes e daí propor soluções.

Depois de várias tentativas feitas pela DW África, os serviços da Embaixada de Angola e do consulado negaram comentar a situação dos doentes. A DW tentou, por escrito, obter mais informações junto do responsável da Comissão da Junta Médica, mas o pedido não teve qualquer resposta até à data. Alguns doentes dizem ter sido coagidos a não falar com a imprensa.

De acordo com Gabriel Tchimuko, presidente da Associação dos Doentes Angolanos em Portugal, a missão concluiu que os pacientes, sobretudo os insuficientes renais, não deveriam regressar a Luanda por "estarem numa situação gravosa". "Só o facto de virem para Lisboa significa que a situação deles é crítica. Sendo crítica, portanto, não têm condições para voltar para Angola".

Associação pede "transparência"

Tchimuko insiste na elaboração e aprovação de um regulamento estatutário, que ajude a gerir a real situação dos doentes em Portugal com transparência.

Associação espera que a Comissão da Junta Médica reflita num documento todos os problemas registados em Portugal, incluindo a necessidade de um regulamento estatutário, para que os doentes se sintam confortados, reforça Gabriel Tchimuko.

"E que nesse documento venham espelhados todos os problemas que nós vivemos cá e quais são as medidas a serem tomadas por parte da Junta e do Ministério da Saúde para que, de facto, os problemas dos doentes sejam dirimidos aqui a nível de Lisboa".

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

Foto: Paixão da Fonseca, doente renal há onze anos, denuncia a situação dos pacientes angolanos em Lisboa

ANGOLA | Cabinda: Raul Tati e Raul Danda condenam apoio irrisório do Governo no OGE


Em conversa com a DW África, no lançamento do seu mais recente livro, Raul Tati não comenta as nomeações da sua mulher e do Padre Congo para o governo provincial. Já Raul Danda fala em "orientações" do Governo do MPLA.

O deputado independente apoiado pela bancada parlamentar da UNITA, Raul Tati, considera que o sentimento "autonomista em Cabinda está cada vez mais forte e resiliente". Para Raul Tati, a província que produz o petróleo de Angola continua a registar um conflito que classifica como um "passivo da descolonização" que está a arrastar Cabinda.

"Foram cometidos erros atrás de erros para abafar o problema", diz Raul Tati, afirmando que a região precisa de soluções com urgência, tendo em conta a pressão que os cabindenses tem estado a fazer.

O deputado - que é uma das vozes críticas do Governo do MPLA - publicou esta sexta-feira, 23 de fevereiro, o livro "Cabinda - Órfã da descolonização do Ultramar Português". 

Em conversa com a DW África, o autor afirma que a obra traz cenários, mais do que soluções. "No ponto de vista da ciência, não traz já uma solução fabricada por mim. No entanto, através das minhas análises, apresento alguns cenários que podem ajudar aqueles que são os decisores políticos a encontrarem uma solução para Cabinda", sublinha.

Sem comentários

Recentemente, o ativista e ex-padre católico Jorge Casimiro Congo assumiu as funções de secretário provincial da Educação, Ciência e Tecnologia de Cabinda, depois de ser nomeado pelo governador Eugénio Laborinho. Uma decisão que gerou críticas em vários sectores da sociedade, que acusam o Padre Congo de estar a deixar de lado a sua luta pela independência de Cabinda.

Após o anúncio, no início de fevereiro, o jornalista e analista angolano Orlando Castro afirmou em entrevista à DW África que "as pessoas com mais capacidade intelectual e política de Cabinda estão a render-se às mordomias que o regime do MPLA lhes vai dando”.

Questionado sobre o assunto, Raul Tati - cuja esposa  Maria Carlota Ngombe Victor Tati está agora a dirigir a  secretaria provincial da Saúde no governo do MPLA - não comenta: "Prefiro não fazer críticas nem abençoar. Ela é quem deve falar por si”.


Raul Danda: Quando o Governo quiser, fará algo por Cabinda

Já o vice-presidente da UNITA, Raul Danda, que fez a apresentação do livro de Raul Tati,considera que a decisão "seguramente, não terá sido apenas do governador, que deverá ter recebido uma orientação do topo, do Governo do MPLA".

"As razões, não sei. E só o Governo do MPLA poderá responder”, sublinha.

Raul Danda reitera que além das questões "da absorção de algumas pessoas para o Governo ou a solução das prisões e dos tiros”, não viu "mais nada” da parte do Governo em relação a Cabinda. "Quando o Governo quiser fazer alguma coisa em Cabinda, para Cabinda, por Cabinda, há de fazer e nem precisa de publicitar. Desde 1975, julgo que as promessas já não colhem", diz Raul Danda. 

O Orçamento Geral do Estado aprovado a 14 de fevereiro, na Assembleia Nacional, e a dotação orçamental para a Cabinda, que produz o maior suporte financeiro de Angola, foi, mais uma vez, irrisório, segundo os deputados Raul Danda e Raul Tati. 

"O petróleo de Cabinda parece que nasce na Cidade Alta e morre na Cidade Alta. Uma zona como aquela, que produz, em qualquer parte do mundo, devia merecer uma atenção”, considera o vice-presidente da UNITA.

"É muita pena, porque o tratamento que o governo do MPLA dá a Cabinda é pior que o tratamento que os portugueses davam à Cabinda. E os portugueses é que eram os colonos”, ironiza.

Promessas desmentidas

Já o ex-padre católico, hoje deputado do maior partido da oposição em Angola, Raul Tati, afirma que Cabinda está em décimo sexto lugar na distribuição do orçamento para as províncias.

"Isto vem desmentir as promessas do presidente João Lourenço, em novembro, quando visitou Cabinda, quando realizou a reunião da Comissão Económica do Executivo”, acusa.

"O Presidente disse que ia fazer de Cabinda um caso particular, e o próprio novo governador disse que devia haver um aumento financeiro para Cabinda e Cabinda nunca precisou tanto desse dinheiro. Infelizmente, o Orçamento do Estado, que foi proposta do próprio Executivo, não deu a dotação financeira robusta necessária para a província. E isso contraria as promessas do Presidente”, conclui Raul Tati.

Borralho Ndomba (Luanda) | Deutsche Welle

Fotos: 1 - Raul Danda e Raul Tati na apresentação de "Cabinda - Órfã da descolonização do Ultramar Português"; 2 - Livro "Cabinda - Órfã da descolonização do Ultramar Português" de Raul Tati

ANGOLA | Um morto e mais de 100 detidos em manifestação nas Lundas


É o balanço provisório do Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwe, que convocou uma manifestação para este sábado pela autonomia da região diamantífera.

101 pessoas detidas e pelo menos um morto é, segundo o Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwe, o balanço da manifestação na região diamantífera das Lundas – Norte e Sul.

Segundo a organização, as detenções começaram antes do protesto, durante a madrugada, nas residências dos responsáveis do Movimento, mais concretamente na localidade do Cuango, município da Lunda-Sul, até chegarem aos locais indicados para o início da manifestação, enquanto os manifestantes se concentravam.

"No Cuango e em Capenda-Camulemba [Lunda Sul], muitos foram apanhados dentro das suas próprias casas. Em Cafunfu [Lunda Norte], na sua  maioria, foram detidos na manifestação por volta das 8h00”, explica à DW África o líder da organização, José Mateus Zecamutchima. O responsável contabiliza ainda "8 pessoas feridas, entre as quais duas em estado grave, por terem sido atingidas com bala de fogo".

Segundo o presidente do Movimento, as forças de segurança abriram fogo contra cerca de 4 mil manifestantes em Cafunfo. Os oito feridos terão sido levados para a única esquadra policial da localidade, alegadamente sem receber assistência médica. Um dos feridos graves, Estêvão Aroma, de 25 anos, baleado na cabeça, terá perdido a vida na mesma esquadra, segundo Zecamutchima.

Um outro detido, André Zende, viu a sua casa totalmente destruída pela Polícia de Intervenção Rápida (PIR) após a sua detenção na sua residência. "Outro cidadão que está num estado lastimável é o senhor Cândido Mwanhende”, diz o presidente do Movimento, que acusa a polícia de torturar o manifestante.

Prossegue a "caça ao homem”

Neste momento, segundo relatos recolhidos pela DW África,continua a "caça ao homem” contra todos aqueles que se identificam com o Movimento do Protectorado, numa operação coordenada entre a Polícia Nacional da Ordem Pública, a Polícia de Intervenção Rápida e as Forças Armadas. Há relatos de raptos desencadeados por homens trajados à civil que se supõe pertencerem aos Serviços de Inteligência do Estado (SIE).

"A situação permanece tensa em quase toda a extensão da província da Lunda-Sul e nalgumas localidades da Lunda-Norte, porque há neste momento perseguições porta-a-porta, e as pessoas estão abandonar as suas casas com medo de serem detidas e levadas para locais incertos”, diz Zecamutchima.

O presidente do Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe afirma ainda que a repressão contra o protesto do "povo Lunda" é um sinal de que o Governo do Presidente João Lourenço não está preparado para governar, apesar dos seus discursos sobre dialogar e saber ouvir as críticas: "O MPLA tem uma estrutura hipócrita e hoje só tivemos mais uma vez prova que Lourenço é uma das caras da mesma moeda”.

"Escrevemos à presidência da República, ao ministro do Interior e aos governos locais com 45 dias de antecedência, mas como o MPLA é um partido comunista e contrário às leis e à Constituição que ele próprio aprovou, mais uma vez estamos a ser reprimidos e humilhados, por tentarmos usar um direito Constitucional e defendermos a nossa própria terra e o direito de autodeterminação", acusa o presidente do Movimento do Protectorado.

A organização reivindica há vários anos a autonomia da região, que compreende as províncias de Kuando Kubango, Moxico, Lundas-Norte e Sul, alegando "que a região rica em diamante e madeira não faz parte de Angola", baseando-se num tratado assinado em 1887 entre as autoridades colónias portuguesas e reinado de Mwatiãnvua [o imperador da região na época], sendo que as Lundas foram anexadas oficialmente ao território angolano a partir de 1920.

Tortura nas cadeias

Crianças, mulheres e idosos não foram poupados na "ação musculada” das forças de segurança, diz o Movimento do Protectorado.

Nas várias cadeias onde se encontram espalhados os manifestantes detidos, muitos estão a ser submetidos a tortura, segundo fonte ouvida pela DW África sob condição de anonimato junto da polícia em Saurimo, sede da província da Lunda-Sul. 

"É arrepiante como nós, enquanto órgão vocacionado para proteção da segurança dos cidadãos, estamos a agir como se fôssemos terroristas ou uma organização criminosa”, diz um agente da PIR que pede para não ser identificado. "É mesmo muito doloroso ver como as pessoas estão a ser batidas, mesmo a sangrar, e os nossos chefes [comandantes] têm o prazer de ver e incentivar tudo isso. Vou abandonar a corporação por essas práticas", diz o agente.

Entretanto, José Mateus Zecamutchima diz que vai colocar o assunto junto de instâncias internacionais devido a violações graves dos direitos humanos desencadeados pelo Estado angolano, que é membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

"Sempre apelámos ao diálogo. A nossa luta foi sempre pacífica. Mas o Governo sempre usou sempre a força da arma e outros meios violentos contra o 'povo da Lunda'. Depois disso, não nos resta outra saída senão apresentar uma denúncia junto das Nações Unidas e da União Europeia, assim como junto na Organização da União Africana”, garante.

A DW África tentou, sem sucesso, contactar o governador da província da Lunda-Sul, e o porta-voz da Polícia Nacional de Angola.

Nelson Francisco Sul (Luanda) | Deutsche Welle

Foto: Foto de arquivo (Junho de 2017): Manifestação do Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe reprimida com violência na Lunda Norte

Em Moçambique, Governador de Inhambane denuncia falsas promessas da Sasol


A explorar gás natural na província, a empresa sul-africana Sasol não cumpriu o acordo de responsabilidade social que fez há 14 anos.

Daniel Chapo,  governador da província de Inhambane, no sul de Moçambique, diz que perdeu a confiança na multinacional Sasol.  A Empresa,  que está a explorar gás natural na província de Inhambane desde 2004, não teria cumprido as promessas de responsabilidade social que fez desde que se instalou na região há 14 anos.

Chapo lembra que a Sasol prometeu construir diversas infraestruturas. Em 2017, a empresa sul-africana garantiu ao governo provincial que iria reabilitar a ponte-cais em Maxixe, mas não o fez. "Nós perdemos a confiança. Tivemos várias promessas que nos fizeram perder tempo. Mas eles continuam a dizer que vão apoiar e estamos à espera", afirma o governador de Inhambane.

Em 2016, a Sasol também prometeu ao Presidente da República de Moçambique, durante uma visita de Filipe Nyusi à região, que iria construir um centro profissional em Inhambane, mas até ao momento nada aconteceu.

A multinacional construiu um centro de saúde em Inhassoro. No entanto, segundo uma residente neste distrito, Angélica Jorge, o centro não tem instalações próprias para uso. Por isso, faz um pedido à empresa. "Melhorar o hospital, pôr uma escola secundária até o nível médio, pelo menos, porque agora é um sacrifício", conta. Aqueles que terminam o ensino primário precisam ir para outras cidades para completar os estudos.

Américo Raimundo, que vive no distrito de Mabote, pede o melhoramento das vias de acesso nas regiões onde a empresa sul-africana realiza as suas atividades. "Pelo menos arranjar aquela estrada de Inhassoro a Vilankulo, Mapinhane a Mabote porque a Sasol sempre circula no trabalho dele", reinvidica.

Em dívida com o FMI

Em 2017, o Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique revelou que a Sasol não pagou os 50 milhões de dólares (equivalente a cerca de 40,6 milhões de euros) de receitas médias anuais  previstas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para os primeiros dez anos de operação no país.

Inocência Mapisse, investigadora da organização não-governamental, destaca a falta de transparência nos contratos feitos pela Sasol. "Anualmente deve apresentar um relatório que mostra quais são as ações que foram concretizadas ao longo do ano. A Sasol apenas contribuiu com 15% do total em questões fiscais, que é cerca de dois mil milhões de dólares", explica.

A DW África tentou, sem sucesso, ouvir a empresa Sasol.

Luciano da Conceição (Inhambane) | Deutsche Welle

MOÇAMBIQUE | Alguns bairros já vivem restrições no fornecimento de água


Alguns bairros da Cidade de Maputo já vivem as restrições no fornecimento de água. A alternativa para muitos cidadãos tem sido conservar a água em reservatórios para evitar ruptura.  

Baldes, bidons ou mesmo tambores têm sido os reservatórios recorridos para conservar água que nos últimos dias sai a conta-gotas.

Fora os recipientes, dona Maravilha Vilanculos, que vive no bairro Inhagoia, tem na sua casa um poço. Tem sido a alternativa nos dias em que não jorra água na torneira.

E no bairro do Aeroporto, a situação é a mesma. Dia sim, dia não. Aqui reserva-se água em tanques.

A Direcção Nacional de Recursos Hídricos diz que a situação está menos crítica porque a Swazilândia deu água a Moçambique, o que ajudou a minimizar a situação na Barragem dos Pequenos Libombos.

As restrições no fornecimento de água surgem na sequência da redução das reservas na barragem dos pequenos Libombos. As autoridades dizem que assim será até ao começo da próxima época chuvosa, em Outubro.

José João | O País

MOÇAMBIQUE | O povo continua a pagar pela incompetência da edilidade


@Verdade | Editorial

Hoje parece que ninguém tem dúvidas que, quando os dirigentes são irresponsáveis, o povo é que paga. E paga muito caro. O exemplo disso é a triste situação que se verificou na lixeira de Hulene, arredores da cidade de Maputo, onde pelo menos 16 pessoas morreram e outras cinco ficaram feridas em consequência do desmoronamento de uma montanha de resíduos acumulados durante décadas. O lixo acumulado – já na altura de um edifício de pelo menos três andares - desabou sobre algumas casas erguidas paredes-meias da referida montanha, quando os proprietários se encontravam a dormir. Quase todos os moradores foram apanhados de surpresa.

É importante que se diga, em abono da verdade, que o desastre dessa natureza era previsível, pois a lixeira já representava um autêntico atendado, não só à saúde pública, para as populações circunvizinhas. Este é um problema de conhecimento da edilidade que gere aquele espaço onde diariamente se depositam toneladas de lixo proveniente de quase todas as partes da capital do país. Porém, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo limitava-se a ignorar o perigo que a lixeira representa(va).

Importa lembrar de que, aquando do lançamento do Programa de Desenvolvimento Municipal de Maputo (PROMAPUTO II), para período 2011-2015, por exemplo, o encerramento da lixeira de Hulene, até 2014, era uma das bandeiras de David Simango e os seus títeres. A lixeira é, na verdade, um dos maiores pesadelos do Município de Maputo que remonta há sensivelmente 10 anos, mas nunca passou da ideia e do papel à prática.

O mais caricato é que o risco de mais um desastre, desta vez de proporções avassaladoras, permanece, mas a edilidade continua a encarar a situação de ânimo leve, defendendo que, neste momento, as atenções devem estar viradas para o socorro das vítimas, em vez de fazermos o debate da lixeira”, que poderá ser “feito em altura própria”. Mais uma vez o Município de Maputo adia a solução para este espaço onde muitas famílias pobres do bairro de Hulene e da periferia buscam meios de sustento.

Tudo indica que o Conselho Municipal de Maputo está à espera de outra situação idêntica para tomar medidas, sobretudo a transferência da lixeira. Portanto, o desastre que sucedeu na lixeira de Hulene era evitável, se a edilidade fosse competente e comprometida com a causa dos munícipes.

A ERA DOS OCEANOS MORTOS


Estudo abrangente dos mares revela: em 60 anos, zonas costeiras sem oxigênio multiplicaram-se por dez. Além da vida marinha, fenômeno ameaça meio bilhão de pessoas. Há soluções — bloqueadas pelo poder econômico

Damian Carrington | Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho

As zonas mortas no oceano, com zero oxigênio, quadruplicaram em tamanho desde 1950, enquanto o número de locais com muito pouco oxigênio perto das costas cresceram dez vezes, alertou um novo estudo científico publicado no início de fevereiro. A maioria das espécies marítimas não consegue sobreviver nessas zonas e a tendência atual levaria à extinção em massa no longo prazo, arriscando causar consequências terríveis para centenas de milhões de pessoas que dependem dos mares para viver.

As mudanças climáticas causadas pela queima de combustível fóssil são a causa da desoxigenação em larga escala, pois águas mais quentes retêm menos oxigênio. As zonas mortas costeiras são consequência de fertilizantes e esgoto que correm da terra para o mar.

estudo, publicado na revista Science, é a primeira análise abrangente dessas áreas e afirma: “Grandes eventos de extinção na história da Terra foram associados a climas quentes e oceanos deficientes em oxigênio.” Denise Breitburg, do Centro de Pesquisa Ambiental Smithsonian (Smithsonian Environmental Research Center), nos Estados Unidos, responsável pela análise, disse: “Na trajetória atual, é para esta situação que  nos dirigimos. Mas as consequências, para os seres humanos, de manter essa trajetória são tão medonhas que é difícil imaginar que possamos ir tão longe.”

“Esse problema pode ser resolvido”, disse Breitburg. “Deter as mudanças climáticas requer um esforço global, mas mesmo ações locais podem ajudar a evitar a redução de oxigênio.” Ela apontou a recuperação da Baia Chesapeake, nos EUA, e do rio Tâmisa, no Reino Unido, onde melhores práticas agrícolas e de saneamento levaram ao desaparecimento de zonas mortas.

Contudo, o professor Robert Diaz, do Instituto Virginia de Ciência Marinha (Virginia Institute of Marine Science), revisor do novo estudo, disse: “Neste momento, a crescente expansão de zonas mortas costeiras e o declínio de oxigênio no mar aberto não são problemas prioritários para governos em todo o mundo. Infelizmente, será necessário ocorrer severa e persistente mortalidade de peixes para que tomem consciência da falta de oxigênio.”

ÁREAS OCEÂNICAS MORTAS (MENOS DE 2mg DE OXIGÊNIO POR LITRO

[Em laranja, as áreas costeiras mortas; em azul as áreas mortas em mar aberto]

Os oceanos alimentam mais de 500 milhões de pessoas, especialmente em países mais pobres, e proporcionam trabalho para 350 milhões. Mas no mínimo 500 zonas mortas foram localizadas até agora perto das costas, contra menos de 50 em 1950. A falta de monitoramento em várias regiões significa que o verdadeiro número pode ser muito maior.

O mar aberto tem naturalmente áreas de baixo oxigênio, em geral na costa oeste dos continentes devido à forma como a rotação da Terra afeta as correntes oceânicas. Mas essas zonas mortas expandiram-se dramaticamente, aumentando milhões de quilômetros quadrados desde 1950, em área praticamente equivalente à da União Europeia.

Além disso, está caindo o nível de oxigênio em todas as águas oceânicas, com 2% – 77 bilhões de toneladas – sendo perdidos desde 1950. Isso pode reduzir o crescimento, prejudicar a reprodução e aumentar as doenças, alertam cientistas. Ironicamente, águas mais quentes não apenas retêm menos oxigênio como também levam organismos marinhos a respirar mais rápido, usando mais oxigênio.

Há também perigosos mecanismos de feedback. Micróbios que proliferam em níveis muito baixos de oxigênio produzem muito óxido nítrico, um gás de efeito estufa que é 300 vezes mais potente que o dióxido de carbono.

Em regiões costeiras, a poluição por fertilizantes, excrementos animais e água de esgoto causa a floração de algas, e quando elas se decompõem o oxigênio é sugado para fora d’água. Em alguns lugares, contudo, as algas podem gerar mais alimento para os peixes e aumentar a captura perto das zonas mortas. Isso pode não ser sustentável, disse Breitburg: “Preocupa muito que estejamos mudando o modo como esses sistemas funcionam, o que pode levar à redução de sua resiliência global.”

O novo estudo foi produzido por um grupo de trabalho internacional criado em 2016 pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco. Kirsten Isensee, membro da comissão, disse: “A desoxigenação do oceano está acontecendo em todo o mundo como resultado da pegada humana; é necessário, portanto, que a enfrentemos globalmente.”

Lucia von Reusner, diretora de campanha do grupo Mighty Earth (Terra Forte, em tradução livre), que recentemente estabeleceu uma ligação entre a zona morta do Golfo do México e a produção de carne em larga escala, disse: “Essas zonas mortas continuarão a expandir-se, a menos que as grandes indústrias de carne que dominam o sistema agrícola global comecem a limpar sua cadeia de fornecedores, de modo a manter a poluição fora de nossas águas.”

Diaz observou que a velocidade da asfixia dos oceanos é de tirar o fôlego: “Nenhuma outra variável de tal importância ecológica para os ecossistemas costeiros mudou tão drasticamente, em período tão curto, pela ação humana, como a dissolução do oxigênio.”

A necessidade de ação urgente, disse, é bem resumida pelo lema da Associação Americana do Pulmão (American Lung Association): “Se você não consegue respirar, nada mais importa.”

DURÃO BARROSO | Qual ética, qual quê?

Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

Há comportamentos abjectos que ainda se tornam mais abjectos quando adoptados na política. Durão Barroso vem dando fortes contributos, sobretudo agora que "trabalha" para a inefável Goldman Sachs.  Apesar do prometido, lá vemos Durão Barroso, ex-Presidente da Comissão Europeia, deambular pelos corredores dessa mesma comissão para fazer lobby.

Nunca é demais recordar que Barroso deu garantias de que não faria lobby junto de Bruxelas. De resto essa promessa serviu precisamente de moeda de troca aquando da investigação que acabou arquivada.

Como se vê, Barroso é um homem de palavra. Qual ética, qual quê? Afinal que utilização dá um ser rastejante à ética? Nem saberia o que fazer com ela.

Juncker, actual Presidente da Comissão, veio dizer que Barroso não é um gangster. Também neste particular não existem surpresas. Para a Comissão Europeia, como para as restantes instituições, a economia deixou de subjugar à política e esta deixou de se subjugar à ética. Barroso quase que se integra na perfeição numa UE rendida aos interesses económicos. Quase. Não consegue essa integração plena porque os seus comportamentos são demasiado abjectos até para a própria UE, cujos cidadãos não aceitam de ânimo leve criaturas como Durão Barroso. Se fosse nos EUA... a história poderia muito bem ser outra.

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

Portugal | UM HOMEM SÓ


Domingos de Andrade* | Jornal de Notícias | opinião

Até Luís Filipe Menezes, no seu curto mandato de oito meses à frente do PSD, teve direito a estado de graça. A votação humilhante de Fernando Negrão para a liderança parlamentar dos sociais-democratas foi esse último sinal de que Rui Rio está sozinho na Oposição, com oposição na Assembleia da República dos seus próprios deputados.

O candidato que teve o aval do líder para substituir Hugo Soares não só não conquistou a maioria dos deputados, como reuniu menos votos do que os nomes que constavam da lista de candidatura, no que foi encarado por Negrão como um caso grave de falta de ética dos deputados, ou golpe palaciano, como nomeia nestas páginas André Coelho Lima, da Comissão Política Nacional.

Um filho único de quem os pais não gostam, portanto. Mas que não é mais do que um sinal da profunda divisão ideológica, geográfica e de tomada de poder que alimenta ruturas profundas num partido também ele com um fosso cavado entre a elite e os militantes rurais.

Sem palco quinzenal para confrontar o primeiro-ministro, sem preparação para a realidade frenética das redes sociais e da urgência mediática, Rio só pode dedicar-se a fazer o que sabe fazer melhor. Arrumar a casa, escolher lideranças para as eleições nas distritais - a do Porto, a maior do país, é um saco de gatos, mas não é a única -, fazer a lista dos nomes a riscar. São muitos. A limpeza vai ser grande. E subestimá-lo é um erro.

Os deputados sabem disso. Que o lugar está dependente da disciplina de voto. E que ir contra os poderes estabelecidos é a arma que o novo líder do PSD mais gosta de brandir. Hostilizar a máquina instalada vai ser o passatempo preferido do homem que coleciona inimigos e que, como o próprio assumiu, vive bem em ambientes de tensão. Alimenta-se deles. Na hora da verdade estarão ao lado de quem mandar, o que também dirá muito da classe política que o país tem.

O desafio de Rio não está, portanto, em unir os cacos que o próprio se encarrega também de fazer, por muitas juras levadas ao congresso do último fim de semana. Está em saber abrir o partido à sociedade civil e saber atrair os melhores. Mas isso é uma refundação. Sem o tempo que ele tanto gosta de gerir.

Ele é um homem só, mas estará sozinho?

*Diretor-executivo do JN

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