domingo, 8 de abril de 2018

ANGOLA | Jornalistas no Huambo temem nova vaga de censura na imprensa


O Executivo do Huambo, em Angola, está a ser acusado de censurar a comunicação social, após emitir uma diretiva que obriga os média a submeter o seu planeamento informativo à Direção Provincial da Comunicação.

A ordem que consta do documento é explícita: a partir de agora os jornalistas devem passar a submeter àquele departamento as suas pautas informativas diárias, antes das mesmas serem divulgadas pelos órgãos de comunicação social.

O ofício já circula nas redes sociais e é assinado pela diretora provincial da Comunicação Social do Huambo, Dorina Tchinhama Miguel, e dirigido aos órgãos de comunicação social locais, públicos e privados.

Segundo o documento, a decisão surge a propósito de uma orientação da vice-governadora do Huambo para a Esfera Política, Social e Económica, Maricel Capama.

A medida está a preocupar os jornalistas que temem uma nova vaga de censura na província. Israel Samalata, correspondente da Rádio Despertar no Huambo, alerta que este tipo de decisões só prejudicam Angola.

"Pedimos às autoridades para que desencorajem este tipo de comportamento porque não ajudam o país. Estamos numa nova era, com nova governação, novas políticas e as aspirações do povo tendem para uma nova esfera de convivência”, avisa o repórter.

Em declarações à DW África, o jornalista afirma que espera uma rápida mudança de atitude das autoridades locais. "Nós agradecíamos que este comportamento parasse. É muita brincadeira quando os membros dos órgãos do Governo local interferem no trabalho dos profissionais de comunicação que têm contribuído para a luta pela liberdade de imprensa do nosso país", diz.

Pedido de esclarecimento

A Organização Horizonte Media de Angola (OMEA), que se dedica à promoção do pluralismo nos meios de comunicação social no Huambo, já escreveu ao executivo local a pedir esclarecimentos.

"Produzimos uma nota que endereçámos aos vários meios de comunicação social e especialmente à Direção Provincial da Comunicação Social, já que eles não têm conhecimento efetivo e deram a entender que não estavam a perceber bem de onde vinha essa informação. Nós propusemos que fizessem um inquérito e que esse inquérito depois fosse levado a público”, disse Memória Ekolica, coordenador geral da OMEA.

Por outro lado, o coordenador da organização estranha a atitude do Governo local, quando a nível nacional o cenário é de abertura. "Angola tem estado a avançar com alguns passos saudáveis de liberdade de expressão, porque o que temos vindo a reparar em termos de governação é que a única coisa que temos como conquista é a própria liberdade. Quando vem o contrário, ficamos surpreendidos", comenta.

Em comunicado, o gabinete de imprensa do governador do Huambo já disse desconhecer a existência do documento emitido pela diretora provincial da Comunicação Social, reconheceu a gravidade da alegada orientação e prometeu diligências para apurar a verdade.

José Adalberto (Huambo) | Deutsche Welle

Angola | BOM MALANDRO É AQUELE CORRUPTO PROTEGIDO POR JOÃO LOURENÇO

Raul Diniz | opinião

A sorte em Angola tem bafejado os iluministas usurpadores da verdade real angolana. A exemplo, os sucessivos governos de JES incluindo o de Manuel Lourenço, são a versão menos perfeita da impiedosa imperfeição geral do regime. O governo de JL desestimula o enlace dicotómico que se situa entre a economia real, a subjectiva surrealista, e as politicas públicas sociais inclusivas inexistentes. É inconciliável que se continue a proteger e a estimular os malandros corruptos de estimação e em simultâneo iludir a sociedade com o discurso vazio do combate a corrupção cujo alcance atinge apenas os corruptos sem a protecção presidencial.

Essa lamentável que esse tipo de situação exista, e tem levado o governo de JL a perder espaço politico, que de todo inviabiliza discurso cavernoso do desenvolvimento reformista e de combate a corrupção.

MPLA CONNCTION (IV)

João Lourenço, o líder dos (lourencistas) tem apenas e só uma saída, que passa e essa saída passa pela alteração do seu modus operandi, alem de tudo isso, terá mesmo que modificar a ritualização insidiosa do seu (mindset) mentalidade, adquirida nos tenebrosos idos dos 42 anos de partido único, herança deixada pelos ex-presidentes da república, António Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos.

O presidente João Lourenço tem deixado passar de lado inúmeras oportunidades, que de certa maneira ajudariam a agregar gente desavinda de outros quadrantes políticos da sociedade cível inteligente activa e organizada, que jamais se reviu nos governos de JES.

Dessa lacuna organizacional, deriva as sintomáticas interrogações deveras comprometedoras, das quais, os cidadãos têm colocado em duvida a lucidez politica e competência administrativa do presidente da republica para unir o país. Outros vão mais longe e perguntam se João Lourenço terá algures, uma qualquer agenda politica e económica, que ajude a colocar o país na locomotiva do desenvolvimento célere?

O país está paralisado e não se pode perder mais tempo, a que buscar mecanismos para desenvolver politicas publicas inteligentes que ajudem a criar riqueza distributiva tão necessárias para o empobrecido povo. O grave problema é termos um presidente da republica mais preocupado em praticar a "lowfer" perseguição por meios judiciais dos filhos do seu predecessor!

O PR João Lourenço foi eleito para liderar apenas um dos três poderes, o do executivo e nada mais do que isso.

Torna-se imperioso que o PR dê o exemplo de banir rapidamente essa esteira maligna de perseguições as filhas e filhos do ex-presidente da republica. O PR não pode ocupar cargos incompatíveis com a sua missão publica por estarem-lhe constitucionalmente vedados, mesmo estando no papel de mais alto magistrado do país.

O exercício de perseguidor e acusador mor e o de juiz em causa própria, não cabe ao presidente da república exercer. Definitivamente o angolano não quer ver ressuscitado o espectro das perseguições sistémicas operadas pelo regime ditatorial, na qual o hoje PR representou a contento, enquanto membro do politburo do MPLA e ministro do (terror) da defesa de JES.

É perigosíssimo perseguir um ‘asset’ activo como JES sem esperar dele uma reacção que possa eventualmente perigar a paz institucional por ele implantada.

Por outro lado, não é de bom tom ter um presidente que se dá ao luxo de perder mais de 4 longos meses do seu mandato a defender o indefensável corrupto Manuel Vicente. Note-se, que foi o próprio presidente da republica quem deu o mote para que o corrupto Manuel Vicente seja protegido dentro e fora das fronteiras de Angola.
É importante que se saiba, que a instituição presidência da republica foi emprestada para servir de avalista nessa ridícula protecção a Manuel Vicente.

Os angolanos agora sabem, que em Angola há gatunos seniores como Manuel Vicente, Carlos Feijó dentre outros, tratados como bandidos malandros bons que têm a protecção do PR, enquanto os corruptos familiares e colaboradores do ancião José Eduardo dos Santos, esses são dados como malandros maus, e por isso, são simplesmente perseguidos pelo PR João Lourenço.

Agora fala-se demagogicamente de uma esquisita nova ordem informativa, que mais não é do que uma perigosíssima armadilha muito mal engatilhada.

Os diligentes paladinos utilizam-se de ferramentas medievais e assim iludir as pessoas despreparadas, sem qualquer convivência com sistemas democráticos. Essas interpostas personagens fizeram com que o discurso das prometidas reformas, escrutinado nas eleições de Agosto de 2017 desfalecessem.

A grande imprensa criada em 1975 é de todo disfuncional, aliás, ela está cada vez pior, se mudou foi para pio. A imprensa angolana foi selvaticamente agredida e violentada. Foi transformada numa organização corporativa, a comunicação social de hoje é nociva e alinhada com o consumismo politico enfadonho e alucinogéno.

Esse vector vem impulsionando a população a tomar como sua, a narrativa do discurso da luta contra o crescente crime de colarinho branco e das inexistentes liberdades de expressão e de ir vir constitucionalmente defendidas.

O importante mesmo é que os angolanos mudem de opinião, e protagonizem o inicio da luta que leve o país a alcançar o tão almejado novo rumo pretendido.  Angola precisa de se renovar, o momento é preponderante e atractivo para se introduzir novos instrumentos que alterem os mecanismos indutores que viabilizem mudanças pacificas desejáveis que o país no seu todo carece.

João Lourenço investiu-se da nobre missão de perseguir directamente os filhos corruptos, daquele que o catapultou para a presidência da republica.

Afinal, que diferenças implicativas há entre os crimes de roubos descaradamente praticados contra erário publico por Manel Vicente, e a longa lista de crimes praticado pela filharada JES?  A verdade é que Angola parou, faz-se necessário adoptar medidas dinâmicas funcionais inovadoras que ajude a retirar o país da estagnação paralisante, eleva-lo a um nível credível de maior expressão económica aceitável.

ANGOLA | Do convite ao crime ao luto por Jaka Jamba


Fernando Vumby | opinião

NÃO SE JULGAR E NÃO SE CONDENAR JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS É UM CONVITE AO CRIME

Ate agora todas as denuncias feitas por gente engajada em investigações de desvios e verdadeiros roubos feitos aos cofres públicos em Angola apontam que tudo foi feito com a assinatura de JES, além disto já faz tempo que se conseguiu provar publicamente de que JES é um criminoso se considerando que nomes de bancos e ate números de contas no estrangeiro foram mostrados à imprensa nacional publicamente.

Se o Brasil pediu contas julgando e condenando um ex-presidente , da mesma forma que a África do Sul está fazendo com Suma um corrupto nem por isso de maior dimensão que JES, porque Angola não faz o mesmo?

Os roubos , uso e abuso dos dinheiros públicos por parte JES , sua família e uns tantos mesmo já tendo atingido níveis alarmantes com consequências tão dramáticas mais do que qualquer guerra que existe hoje no mundo , ainda assim parece que nada pode ser feito porque Zé Du foi consagrado num santo poderoso e intocável.

Ate nisto nota-se que o país não está , nunca esteve e custa crer que alguma vez estará á ser governado por gente séria , basta olhar que as regras básicas para se punir aqueles que cometem crimes como os cometidos por JES e outros , estarem á cada dia que passa cada vez mais se distanciando quando comparados com a realidade mundial.

O que separa Angola do resto do mundo são os índices gigantescos de crimes de corrupção e lavagem de capital cometidos , autorizados , estimulados e protegidos pela própria presidência da republica que ficam impunes porque se diz popularmente que faltam homens com tomates para enfrentar o todo poderoso JES , num país onde governante que não rouba se pode contar nos dedos de uma só mão.

O QUE PODE SER FEITO AFINAL PARA SE RESOLVER ISSO?

Claro que existe uma solução que nem precisa ser mágica , nem com tiro na cabeça á cada um dos criminosos , chicotadas ou facadas quando apanhados distraídos como ja deve ter passado pela cabeça de alguns.

O único incentivo para se punir essa gente que vocês mesmos que vivem ai são obrigados á considerar de governantes mesmo cometendo dos crimes mais horríveis, é a eficácia da lei que deveria ser igual para todos , sejam eles quem for , chamem-se eles como se chamarem , claro onde o valor da lei constitucional não é inferior aos restos de merda lançados nos becos do Marçal ou Sambizanga por exemplo...

JOVENS EM MALANJE ELES MOSTRARAM QUE AINDA NÃO PERDERAM O ENCANTO DE SONHAR!

Não tenho duvidas de que a nossa grande , maior riqueza e garante do futuro de Angola são mesmo os jovens.

Estes que ainda não perderam o encanto de sonhar e acreditam que é preciso eles mesmos fazerem alguma coisa para chamarem á atenção , pois confiar e esperar que os outros façam por eles é como diz várias vezes o meu amigo Fernandes Cabral contar com o ovo no cú da galinha.

Foi um espetáculo belíssimo ver aqueles jovens cantando em coro como se ja tivessem ensaiado antes palavras de ordens chamando e tratando ladrões pelo seu verdadeiro nome , gritando e agitando cartazes contra aqueles que lhes roubaram á esperança para chamarem a nossa e a atenção do mundo inteiro.

Diante de todos os problemas e dificuldades com que os jovens angolanos se debatem estes jovens em Malanje pela sua atitude já se constituíram nos verdadeiros porta vozes da juventude de todo o país .

A única ( pena ) foi não ter sido milhões de jovens tomando as ruas da Catepa , Ritondo e Maxinde para que o som das cantigas fossem mais eletrizantes , mesmo assim não deixou de ser bonito ter visto aqueles jovens pacificamente gritando fugidos por algumas horas das redes sociais para defenderem os seus direitos ocupando as ruas da cidade.

Assim com sinais como este aos poucos vocês jovens , estão transformando em luta os vossos sonhos de um futuro melhor do que este amontoado de corruptos misturado na mesma merda dos quais temos cada vez mais dificuldades em dar conta quem é diferente do outro , dado a forma como caminham de braços dados e solidários uns com os outros .

ATE ISTO, JOÃO LOURENÇO, CRIAR UM ORGANISMO PARA FINGIR QUE VAI COMBATER A CORRUPÇÃO?

Este tipo de ilusões vendidas já desde os tempos de José Eduardo Dos Santos de que corruptos serem sim também capazes de combater á corrupção já parecem aquelas fantasias que geralmente se vende á crianças para acreditarem que o pai natal na realidade existe , e que é ele que quem lhes traz as prendas entregues por Deus.

E mesmo se vivendo num país onde a grande maioria da população é analfabeta em política , com apenas 20% da população que tem alguma consciência política seja para o bem como para o mal , enquanto os restantes 80% não passa de massa de manobra , á venda deste tipo de ilusões e fantasias aos poucos começa á se constituir numa ofensa á dignidade dos angolanos .

Como é que ate você João Lourenço , mesmo sendo parte da elite mais corrupta nacional , em vez de aos poucos tentar se desmarcar desta corja e restos humanos , ainda assim vir vender esta ilusão ao povo angolano de que criou um organismo para combater á corrupção , quando todos os seus membros são do mesmo MPLA que ao longo de tantos anos consolidou e solidificou a sua filosofia de vida com base na corrupção que tem sido o garante da sua existência ?

Um combate sério contra a corrupção em Angola só será feita , quando nomes de juristas com exemplos dados como bons profissionais estarem á cabeça de organismos ou comissões criadas para o efeito e não com assalariados da classe mais corrupta do país constituída por generais do mpla.

Quando um dia vermos nomes como os de David Mendes , Fernando Macedo , Luís Nascimentos e outros tantos que todos nós os conhecemos quem são , fazendo parte de tais comissões ou organismos , logo que não se lhes coloquem cortinas de ferro pela frente , nem uma resma de veneno na chávena do café , com total autonomia para fazerem o seu trabalho então ai sim , este combate será visto com outros olhos e com mais seriedade.

Termino este texto deixando aqui uma pergunta para quem quiser me responder por favor: (A culpa desta situação toda que tem permitido á venda de ilusões de quase todo o tipo aos angolanos , não será também da oposição política que praticamente entregou o ouro todo ao bandido , ao aceitar na maioria dos casos ate o inaceitável ?)
Mas oxalá que não seja tarde o dia que os angolanos correrem todos juntos e de braços dados por trás de um prejuízo causado também por causa da sua própria covardia , pois deste jeito tudo indica que o drama está apenas começando ...

JAKA JAMBA, ESTOU DE LUTO PELA MORTE DE UM DOS HOMENS QUE MAIS ADMIREI

Não faz tempo quando acabei de escrever o meu primeiro texto sobre o mesmo , ainda disse á uma amiga alemã que estava ao lado , de que não gostaria de um dia morrer , sem conhecer pessoalmente Jaka Jamba , depois que tive o privilegio em ter conhecido Samakuva e Alcides Sakala outros grandes mestres com quem se aprende muita coisa sem gastar se quer um tostão.

Conheço muitas história sobre Jaka Jamba , quando ainda na flor da sua juventude como estudante em Portugal e algumas dessas histórias já tinha mesmo preparado para a cronica Nr.( 2) onde falaria dele naturalmente testemunhando a sua lisura e honestidade como cidadão e como político.

Uma particularidade nele que chamava sempre á atenção á qualquer um que estivesse ao pé si , isto no dizer de pessoas que o conheceram pessoalmente , era a forma educada e respeitosa como sempre tratava os outros.

Mas antes de me alongar , fica aqui o meu respeito ao exemplo de cidadania de Jaka Jamba , e meus sinceros sentimentos de pesar á sua família em especial e no geral á todos os homens de bem deste país que choram pela sua morte.

Que Deus conforte a família desse grande homem tão querido em Angola por todos os angolanos e não só , um homem de quem vamos sentir tanta falta no contexto político atual angolano , um verdadeiro ícone de valores marcado pela sua simplicidade , seriedade e honestidade .

Fatos evidenciados nas mais de 400 mensagens de condolências que ja li pelo menos até hoje ás 14horas local , e relatos anteriores , e isso demonstra o quanto era querido , respeitado e admirado por toda a classe política nacional e internacional.

Em meu nome pessoal , de todos os meus filhos que se interessam pela situação de Angola , e de amigos estrangeiros que as vezes ate me dão recortes de jornais alemães que falam de Angola , quero registar nosso sentimento de gratidão pelo esforço e forma como Jaka jamba dignificou Angola e os angolanos junto da UNESCO , como político e cidadão exemplar .

Já tenho um pequeno relato resumido sobre algumas possíveis causas da sua morte , mas entretanto , nada melhor do que esperar que seja a própria UNITA á se pronunciar se achar necessário .

Enquanto isto resta-nos continuar á chorar pela morte deste homem de vida publica a quem muitos políticos deveriam se espelhar , admirado , de carácter integro e conduta ilibada .

Descanse em paz Jaka Jamba.

Fórum Livre Opinião & Justiça - Fernando Vumby

ANGOLA | "Bicefalia" entre Lourenço e Eduardo dos Santos "pode ser perigosa", alerta historiador


O historiador congolês Jean-Michel Mabeko-Tali considera que a "bicefalia" em Angola entre o Presidente João Lourenço e o líder do MPLA, Eduardo dos Santos "pode ser perigosa", porque cria "riscos de chantagem política".

O autor do livro "Guerrilhas e Lutas Sociais - O MPLA Perante si Próprio -- 1960/1977", a publicar em breve pela editora portuguesa Mercado de Letras, lembrou que é o "partido Estado" quem tem a última palavra "sobre tudo o que diga respeito às decisões fundamentais" do país.

"A forma como foi designado o sistema político e governativo angolano, em que é o partido que governa o país, o MPLA, é que tem a mão e a última palavra sobre tudo o que diga respeito às decisões políticas fundamentais que norteiam o rumo do país, o que não permite acomodar a atual dualidade de poderes", considerou o historiador numa entrevista à agência de notícias Lusa este domingo (07.04).

Segundo Mabeko-Tali, atualmente professor na universidade norte-americana de Howard, em Washington, a situação de dois poderes paralelos e quase concorrentes, um na direção do Estado (com o Presidente João Lourenço), outro com a direção política do país (de Eduardo dos Santos) "pode ser perigosa" para o atual chefe de Estado.

João Lourenço em posição de "subalternização"

A situação "acaba por colocar o chefe de Estado numa posição de subalternização politicamente incómoda e de riscos de chantagem política, ou simplesmente de bloqueio por parte de quem tenha o poder de decisão política na mão. E não vale a pena andarmos a fazer comparações com outros países para dizer que não há riscos de colisão cimeira", sublinhou.

Para o doutorado em História (1996) pela Universidade Paris VII Denis Dedorot e mestre em Estudos Africanos, a prova de que, apesar da mudança, é a liderança do MPLA quem tem a última palavra política", passa pelo facto de Eduardo dos Santos se manter "agarrado à direção do partido" mesmo depois de ter prometido que iria abandonar a vida política.

Eduardo dos Santos "sabe bem o poder de bloqueio que tem na mão face ao poder executivo do João Lourenço. Se este poder político fosse irrisório, [o líder do MPLA] não estaria a fazer o finca-pé atual, ao ponto de pôr em risco a sua própria herança política", salientou o historiador, natural do Congo Kinshasa.

"A verdade é que há muitos interesses em jogo no que à família [de Eduardo dos Santos] diz respeito, e que justificam este finca-pé. O que, em termos políticos, coloca o chefe do Executivo numa situação deveras embaraçosa e frágil. Ao eternizar-se esta situação, o próprio MPLA correria o risco de perder algumas penas em termos políticos e de uma popularidade que já vem sendo beliscada nos últimos anos", sustentou.

Exonerações combinadas?

Questionado sobre se as exonerações de João Lourenço teriam sido combinadas com Eduardo dos Santos, Mabeko-Tali afirmou não saber. "Não sei dizer se houve ou não 'combinação inicial', se partirmos da suposição que o antigo chefe de Estado escolhera o seu sucessor com base numa certa confiança quanto à capacidade deste de salvaguardar os interesses da antiga família presidencial. Há, no entanto, necessidade de se acreditar que o sucessor possui uma visão própria, uma vontade própria de imprimir um cunho que seja só seu na direção do país", comentou.

"Qualquer observador da vida sociopolítica de Angola sabia que João Lourenço não poderia, de forma alguma, levar de maneira cabal os primeiros meses, ou mesmo anos, do seu consulado se não tivesse controlo económico sobre duas entidades empresariais e financeiras chave para a economia e a vida económica de Angola: a Sonangol e o Fundo Soberano de Angola", acrescentou.

Para Mabeko-Tali, Eduardo dos Santos, ao nomear a sua própria filha, Isabel dos Santos, para a Sonangol, colocou "um problema bicudo" ao seu sucessor, "uma autêntica mina anti-governativa".

"Devemos acreditar que João Lourenço vem com uma visão própria, que lhe fez ver onde estava o seu interesse como Presidente da República e executor do programa de Governo pelo qual ele foi eleito. E, em termos de recursos humanos, não há nenhum chefe de Estado que chegue ao poder sem ter um elenco seu, que lhe é devoto e de total confiança", sustentou.

"Isto implica necessariamente uma certa limpeza em casa do que restava do antigo inquilino, mesmo que, por uma questão de equilíbrio, haja algum compromisso no sentido de não limpar tudo do passado, e que haja que acomodar alguns quadros do elenco do antigo chefe de Estado", conclui Mabeko-Tali.

Lusa | em Deutsche Welle

11ª Bienal do Mercosul: O Triângulo Atlântico



"Uma sociedade sem arte é uma sociedade sem ar"Eva Sopher (1923-2018)   

Durante o período de 6 de abril a 3 de junho de 2018, museus e centros culturais de Porto Alegre (RS) serão palco da 11º Bienal do Mercosul cujo tema é “O Triângulo Atlântico”. Nela o visitante poderá usufruir de uma programação, que consta de instalações, exposições, mostra de cinema – em parceria com o Festival de Gramado – espetáculos teatrais, apresentações musicais e encontros literários, entre outras atividades.

“Nossa ideia é que a bienal dialogue com várias formas de cultura”, assim afirmou Gilberto Schwartsmann, presidente da Bienal.  Com o apoio do Ministério da Cultura (MinC), por meio da Lei Rouanet, a Bienal impacta de forma bastante positiva a nossa economia. Desde a sua criação, em 1997, ela tem gerado mais de 11,8 mil empregos diretos e indiretos, possibilitando também a revitalização de áreas urbanas e edifícios, a exemplo do Armazém Cais do Porto, que foi restaurado pela Fundação Bienal do Mercosul, em função da sua quarta edição.

 Espaços expositivos na cidade

Totalizando 77 artistas, estes se distribuem entre 21 africanos, 19 brasileiros, 20 de outros países da América Latina, 11 europeus e 06 oriundos da América do Norte. Sob a responsabilidade do curador Alfons Hug (Alemanha) e da curadoria adjunta de Paula Borghi (Brasil), os trabalhos destes artistas se encontram concentrados no Centro Histórico de Porto Alegre.  Em parceria com a Fundação Bienal do Mercosul, o Rio Grande do Sul, por meio da Secretaria da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer (Sedactel),  cedeu dois equipamentos para a mostra: o Museu de Arte do Rio Grande do Sul e o Memorial do Rio Grande do Sul.  

Nesta edição, a Bienal do Mercosul, além dos equipamentos do Estado,  está também presente em espaços como o  Santander Cultural, a Igreja Nossa Senhora das Dores e a tradicional e histórica Praça da Alfândega. Na capital, haverá também  residências em comunidades quilombolas, a exemplo do Quilombo do Areal, localizado na Avenida Luiz Guaranha, em Porto Alegre, ocorrendo o mesmo no município de Pelotas, na região sul do Estado. Os artistas Camila Soato e Jaime Lauriano são os responsáveis por trabalhos específicos nestes espaços de resistência cultural das tradições africanas em nosso Estado.

Na Igreja Nossa Senhora das Dores – a mais antiga da capital (1807) - é apresentada uma instalação sonora, totalizando oito línguas da Nigéria e oito línguas indígenas da América Latina. O visitante ouve o murmúrio polifônico de muitas vozes, formando um conjunto de sons, que nos remete à ideia de uma oração coletiva. Ao aproximar-se das caixas de som, as diversas línguas se impõem de forma clara. O curador entende que a cada língua extinta se perde não somente o seu legado de caráter sonoro e identitário, cujo valor é inquestionável e único, mas se extinguem também a visão genuína de mundo e do meio ambiente de determinado povo.

A eterna presença de Jean Baptiste Debret (1768-1848)

A seleção de obras, realizada pelos curadores da Bienal, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS) e no Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, remete-nos à história do Triângulo Atlântico.

As telas de Jean-Baptiste Debret, que pertencem ao acervo do MARGS, foram pintadas a partir de 1816, durante a Missão Artística Francesa, e irão acompanhar o trabalho de Vasco Araújo. O francês Debret, em suas telas, registrou pontos de intersecção entre as culturas indígena, africana e europeia, constituindo-se num referencial para a história do Brasil, devido à presença de diferentes tipos humanos e de cenas do cotidiano daquela época. Com imagens ligadas ao mar - tema presente nesta 11ª Bienal do Mercosul- as obras de Libindo Ferrás, Ângelo Guido, Francis Pelichek e Hildegard Freidank , que fazem parte do valioso acervo do MARGS, estão expostas junto à instalação do artista André Severo.

O Museu de Comunicação Hipólito José da Costa – dirigido atualmente pela jornalista Elizabeth Corbetta - está participando com 20 fotografias do gaúcho Luiz do Nascimento Ramos (1864-1937), conhecido como Lunara, que compõem o álbum “Vistas de Porto Alegre - Photographias Artísticas”, publicado na década de 1900. Este álbum pertence ao acervo do setor de fotografia desta instituição, sendo coordenado pela antropóloga Denise Stumvoll. As imagens, que misturam a visão documental com um olhar artístico do fotógrafo, assumem um pioneirismo ímpar para a época, ao registrar a presença da cultura negra, em Porto Alegre, no início do século 20. O fotógrafo Lunara, de forma talentosa, evidenciou, por meio da sua lente, a mistura étnica ocorrida no processo da formação identitária do Rio Grande do Sul.

Em função de reformas estruturais que estão ocorrendo no Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, as fotografias, do famoso Lunara, ficarão, durante o período da Bienal, expostas no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS).

O tema da 11ª Bienal do Mercosul  é um convite para que mergulhemos nas águas do Oceano Atlântico e nas surpreendentes forças atávicas e ancestrais que as impregnaram, possibilitando a constatação de que a história dos povos do Mercosul se entrelaça com a do Velho Mundo de forma  intrínseca e interativa. Ao destacar a arte africana e afro-brasileira, esta 11ª Bienal do Mercosul se volta para os pontos de contato que propiciaram o encontro das culturas indígena, europeia e africana, resultando num novo amálgama americano.  

A religiosidade e o sincretismo

Esta 11ª edição da Bienal do Mercosul se propõe a lançar um olhar sobre o imenso espaço atlântico que os  africanos denominaram de “Calunga Grande”, significando, no dialeto iorubá, cemitério, pois os escravizados que morriam, durante o transporte nos tumbeiros ou navios negreiros, eram jogados ao mar. Este oceano é o Reino de Yemanjá – yèyé omo ejá - cuja tradução do dialeto iorubá é “ Mãe cujos filhos são peixes”, sendo este Orixá a grande matriarca dentro da Teogonia africana.  Ela é a grande mãe geradora e provedora do sustento de toda a Humanidade.

Orixás, voduns ou inkices vieram dentro do coração do escravizado e, por sincretismo e processos de aculturação, foram sendo associados a santos católicos até os dias atuais.  O sincretismo foi a forma da qual o escravizado se utilizou, naquele momento, para burlar o poder dominante, eurocêntrico e cristão, mantendo, desta forma, a sua fé no culto aos orixás.

No Brasil, embora muitos escravizados praticassem o culto aos orixás, é importante que se registre também a presença dos negros Malês, que eram convertidos ao Islamismo, exercendo atividades livres, como negros de ganho (alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos e carpinteiros). Estes, em 1835, organizaram uma revolta para tomar o poder, em Salvador, na Bahia, visando à subjugação da população branca, não obtendo êxito por ter sido esta descoberta e denunciada.

Um exemplo marcante do sincretismo religioso, no Brasil, é a associação de Nossa Senhora dos Navegantes com Yemanjá. No dia 02 de fevereiro, ela é reverenciada, por meio de procissões fluviais e marítimas e de rituais de origem africana, que são realizados nas areias das praias brasileiras, reunindo católicos e adeptos dos cultos de matriz africana numa verdadeira simbiose espiritual.  Neste dia, nossas praias e rios se cobrem de flores, perfumes e outras oferendas apreciadas pela Rainha do Mar.

O tráfico Negreiro

No transcorrer do século XV, a expansão de Portugal, ao longo da costa africana, favoreceu, com o aval de bulas papais, o tráfico negreiro. Totalizando 1.552.000 escravizados, trazidos nos tumbeiros ou navios negreiros, a América espanhola perde em índice numérico para o Brasil que, segundo estudos recentes na Universidade de Emory, em Atlanta, atingiu o total de 4,8 milhões de escravizados.

A caminho do Rio de Janeiro, que era a porta principal de entrada de navios negreiros, 300 mil morreram, tendo o mar como sepultura.   Tratados como animais, os escravos eram transportados nos tumbeiros (navios negreiros), nos quais se misturavam negros de diferentes locais da África, falando dialetos diversos. Esta era a forma de dificultar a comunicação entre os mesmos, enfraquecer a sua identidade cultural, enquanto grupo étnico, visando a anular, desta forma, uma articulação de insurreição, durante o transporte, ou uma fuga em massa.

O Triângulo Atlântico

Sob uma perspectiva contemporânea e multicultural, aliada à força poética, em simbiose com a história, o conjunto expositivo tem como fio condutor uma linha de pensamento que aborda problemáticas relativas à miscigenação oceânica em encontro com as artes. Sob a ótica atenta aos fluxos migratórios que se realizaram de forma forçada (tráfico negreiro) ou voluntária, busca-se compreender a relação entre indivíduo e sociedade estabelecida, tendo como ponto de partida a travessia desse Atlântico, os processos de aculturação e as novas formas de organização sociopolítica e cultural.

Esta nova configuração se dá a partir deste caldeirão multirracial, resultando numa complexa e fascinante diversidade cultural, ainda que maculada por uma herança de conflitos, genocídios, sofrimentos e choques culturais resultantes dos processos eurocêntricos de dominação econômica e cultural. É incontestável que a diáspora do Atlântico Negro estabeleceu-se num intenso trânsito de religiões, idiomas, tecnologias e artes.

A miscigenação

Embora o Brasil fosse, em sua origem, uma nação indígena, nosso país foi forjado por diversos povos e etnias. Na realidade, o brasileiro é fruto de uma contínua e incessante miscigenação que, no decorrer dos séculos, adicionou ao sangue indígena a carga genética do negro (trazido da Mãe África como escravizado); do branco (primeiro portugueses, franceses e holandeses e, a partir do século XIX, os imigrantes alemães, italianos, eslavos, judeus, entre outros) e do amarelo (imigrantes chineses vindos no período de 1810 a 1820, e  japoneses que aqui chegaram no ano 1908).

Nossa diversidade Cultural

O resultado de tantas combinações é um povo cuja diversidade étnico-cultural é de uma riqueza genuína. Composta por tradições remanescentes dos quilombos, em diversos estados do Brasil, a esta se somaram as festas tradicionais de junho, a Folia de Reis ou a Festa do Divino, que se constituem em heranças do período colonial. Acrescente-se a este quadro as datas comemorativas de santos padroeiros italianos, as celebrações do calendário judaico, as festividades alemãs - a exemplo da Oktoberfest – que formam um mosaico de diversas nacionalidades, etnias e religiões, representando a nação e a identidade do povo brasileiro. Ao cruzarem o Atlântico, em 1500, os portugueses chegaram, de acordo com a Carta de Pero Vaz de Caminha ao El Rei Dom Manuel, à Ilha de Vera Cruz, iniciando uma história de lutas, guerras, conquistas e sonhos, ainda, inacabada em “Nossa Pátria Mãe Gentil.”
                                                         
*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Musecom

*A nominata dos artistas, que participam da Bienal do Mercosul / 2018,  encontra-se disponível neste endereço : http://www.fundacaobienal.art.br/11bienal/

Imagens
1 - Museu de Arte do Rio Grande do Sul
2 - Memorial do Rio Grande do Sul
3 - Igreja das Dores

Bibliografia
BERND, Zilá. Literatura e identidade nacional. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011. 
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 
JUNG, Roberto Rossi. O Príncipe Negro. Porto Alegre: Edigal / Renascença, 2007.
LOPES, Luiz Roberto. A Aventura dos Descobrimentos. Porto Alegre: Editora Novo Século, 1999. 
QUEVEDO, Júlio e ORDOÑEZ Marlene. A Escravidão no Brasil / Trabalho e Resistência. São Paulo: FTD, 1999.
 SANTOS, Irene; SILVA, Cidinha da; FIALHO, Dorvalina E. P.;    BARCELLOS,. Vera Daisy; BETTIOL, Zoravia. Colonos e Quilombolas. Memória fotográfica das colônias africanas de Porto Alegre. Porto Alegre: [s/n], 2010
VILASBOAS, Ilma Silva; BITTENCOURT JUNIOR, Losvaldyr Carvalho; SOUZA, Vinícius Vieira de. Museu de Percurso do Negro. Prefeitura de Porto Alegre, Ed. Grafiserv, 2010. 
ZUBARAN Maria Angélica. Comemorações da liberdade de memórias negras diaspóricas. Anos 90 / Revista do Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre, v.15, n. 27, Ed. UFRGS, 2008.

LULA BRASIL | Quatro hipóteses sobre uma disputa não encerrada


Preso político do regime pós-2016, Lula não poderá disputar as eleições. Seu encarceramento busca, sobretudo, consolidar a agenda de retrocessos. Mas o triunfo dos conservadores não se consumou

Textos e vídeos da Redação de Outras Palavras*

1. O gargalhar das hienas

Condenação de Lula expressa, ao mesmo tempo, força e fracasso. Bloco pró-golpe mantém-se coeso e tem poder – mas precisa de um espetáculo para tentar ocultar ruína de seu projeto

Como tudo muda, em tempos de crise civilizatória e de impasse nos projetos de esquerda. No final da II Guerra, em meio a um mundo devastado e à “ameaça” da União Soviética, as elites ocidentais promoveram um movimento notável de entrega dos anéis para poupar os dedos. Firmaram-se novos pactos sociais. Os salários cresceram, houve pleno emprego, surgiram o Estado de Bem-Estar Social, as redes igualitárias de Saúde e Educação. Abriu-se espaço para grandes processos de urbanização e industrialização da própria periferia – como no Brasil. Setenta anos depois, tudo mudou – e a condenação infame de Lula precisa ser enxergada nesta perspectiva mais ampla.

Porque o enorme retrocesso brasileiro, este ataque incessante aos direitos, esta ameaça concreta de fascistização, é parte de um processo global. Ao contrário do pós-guerra, o sistema respondeu à crise do 2008 aprofundando suas características mais antidemocráticas e retrógradas. Golpes de Estado ou eleições frandadas, como no Brasil, Egito, Honduras, Paraguai. Morte de milhares pelas milícias, como nas Filipinas. Militarização, como no México e agora no Rio de Janeiro. Destruição dos Estados nacionais, como no Iraque, Líbia, Yêmen, Síria. Regressão dos direitos sociais, como em toda a Europa. E algo comum, em todos os casos: a política é substituída pelo espetáculo. Não há mais democracia real alguma; tirou-se das sociedades o direito de decidir sobre seu futuro. Por isso, é preciso deleitá-las com sensações.

A prisão de Lula não visa apenas afastá-lo da disputa à Presidência – o que poderia ser feito muito mais facilmente por meio da Justiça Eleitoral. Ela pretende, além disso, impor uma nova narrativa, nos meses decisivos que nos separam de outubro. Além da “guerra ao crime”, supostamente disparada na intervenção militar no Rio de Janeiro, estaríamos vivendo agora uma “guerra à impunidade”. Foi este o teor do voto proferido, de olho nas câmeras, pelo ministro Luís Barroso, na sessão do STF na última quarta-feira. É esta a fala martelada, incessantemente, nas mensagens dos comentaristas da TV, dos “especialistas” jurídicos, dos editoriais.

Há, porém, uma fragilidade dupla neste script. Primeira: a realidade que ele busca esconder manifesta-se todos os dias, diante de milhões de brasileiros. O discurso essencial do golpe de 2016 fracassou. Garantia-se que o afastamento da esquerda devolveria ao país à prosperidade e a ordem. Produziu-se, ao contrário, desemprego, legiões dormindo nas rua, perda de direitos, desmonte dos serviços públicos, venda do país, aumento nítido da insegurança e da violência.

Segunda: o golpe, obviamente, não foi uma decisão técnica, mas um pacto político entre os conservadores. Por isso o próprio discurso do “combate à impunidade” é um farrapo, um guarda-chuva esburacado incapaz de esconder o caráter partidário das decisões judiciais. A procuradora-geral, que pediu a prisão imediata de Lula, é a mesma Raquel Dodge que comandou o arquivamento de inquéritos contra José Serra, está livrando Alckmin das denúncias da Camargo Corrêa e mandou soltar em tempo recorde os aliados de Michel Temer envolvidos com corrupção bilionária no Porto de Santos. De Sérgio Moro, são notórias as relações com Aécio Neves. De Carmem Lúcia, os encontros fora da agenda com o presidente.

Certos analistas de esquerda precipitam-se em dizer que não haverá eleições em outubro. Curiosamente, difundir esta crença – ou ao menos criar incertezas desmobilizadoras – é o objetivo essencial dos que promoveram o golpe; que o radicalizaram, a partir da intervenção militar no Rio; e que gargalham como hienas diante da condenação de Lula. Porque cancelar as eleições seria, no cenário atual, a única forma de superar as duas enormes debilidades do projeto ultra-conservador em curso no Brasil. É o que veremos no próximo capítulo.

2. Ainda estão rolando os dados

Prisão-espetáculo busca blindar agenda de ataques aos direitos sociais e ao país. Mas enorme impopularidade dos golpistas mostra que há espaço para garantir as eleições e lutar

Três fatos destacados marcaram uma mudança profunda no cenário nacional nos últimos quatro meses. Não há provas – mas pode-se ter forte convicção – de que os responsáveis por eles agiram articulados entre si. Juntos, estes acontecimentos tiraram o governo Temer da insignificância a que estava relegando, restituindo ao presidente a iniciativa política. Também interromperam, pelo menos temporariamente, o forte movimento que se formava em favor da revogação das políticas adotadas após o golpe de 2016. Por fim, transformaram as eleições nacionais de outubro – cujo prognóstico era uma ampla vitória de Lula – numa loteria cujo resultado é hoje imprevisível.

Eis os três fatos. Em 13 de dezembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região marcou o julgamento do recurso de Lula, contra a condenação por Sérgio Moro, para 24 de janeiro último – quando todos previam que ocorresse no meio do ano. Foi uma decisão arbitrária, que quebrou todos os recordes anteriores de celeridade do tribunal e significou interferência dos desembargadores do TRF-4 na fila cronológica de análise dos processos. Julgado seis semanas depois, Lula teve sua pena aumentada. Os desembargadores certamente combinaram previamente a sentença. Ao fixarem-na, todos, em exatos 12 anos e um mês, tornaram ainda mais sumário o julgamento, cerceando o direito da defesa a recorrer por meio dos chamados “embargos infringentes”. O efeito na agenda nacional foi imediato. O debate político sobre o sentido das políticas do golpe, que crescia, foi substituído pelas expectativas em relação ao futuro de Lula.

Em 16 de fevereiro, veio o segundo grande fato. Ainda com popularidade próxima de zero, ridicularizado em centenas de blocos de Carnaval pelo país e no sambódromo do Rio de Janeiro, Temer decretou intervenção federal-militar naquele Estado. Foi mais um raio despolitizador. Nas semanas seguintes, e até hoje, a segurança pública avançou para o centro das preocupações nacionais. Foram fundamentais para isso o massacre midiático e, em grau menor, à resistência histórica da esquerda a refletir e produzir propostas sobre o tema.

Enfim, em 21 de março, o ato final. Pressionada por seus própios pares por reter, durante meses, o julgamento da possibilidade de prender pessoas que ainda têm direito de recurso à Justiça, a presidente do STF, Carmen Lúcia, colocou o tema em pauta de forma capciosa. Não aceitou discutir o mérito da questão (que diz respeito a uma garantia constitucional de todos). Agendou o debate o pedido de habeas corpus de Lula (para que fosse apresentado como a defesa de um privilégio para os poderosos). Duas semanas depois, fato consumado: pedido negado, carta branca a Sérgio Moro para decretar a prisão. Mais espaço para que a TV e os jornais afastem o debate do que importa nas eleições e foquem nas acusações contra Lula.

Foram três vitórias dos conservadores, em quatro meses. O cenário mudou. E no entanto, ainda estão rolando os dados: nada indica que consolidação da agenda de retrocessos seja definitiva. Há uma razão básica para isso. Temer e o bloco estratégico que promoveu o golpe – grandes empresários, máfias parlamentares e mídia – retomaram a iniciativa, mas continuam tão impopulares quanto antes. Nenhum de seus candidatos prioritários à Presidência (Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e Rodrigo Maia) conseguiu chegar a 10%. Pesquisas do Datafolha mostram que a população segue contrária às privatizações e às contra-reformas da Previdência e Trabalhista.

A tentativa de despolitizar as eleições, de submetê-las aos espetáculos da intervenção no Rio de Janeiro e do “combate à impunidade” segue um scritp global. Nas democracias de fachada, ninguém debate ideias, apenas produtos. Mas o Brasil se renderá a esta lógica? Por que, então, em todas as pesquisas, Lula mantém folgada dianteira (ainda que perseguido), Ciro Gomes aparece como uma alternativa poderosa, Guilherme Boulos e Manuela Dávila têm chances de crescer? Tudo indica que não estamos condenados a Bolsonaro, nem ao cancelamento do pleito. Mas por que caminhos retomar a ofensiva contra a agenda de retrocessos? É sobre isso que especularemos, na terceira parte desta análise

3. Procura-se o anti-Temer

Com Lula afastado da disputa eleitoral, surge um imenso vácuo. Para ocupá-lo, será preciso denunciar radicalmente a agenda de 2016 e propor sua revogação. Quem se atreverá?

A grande praga das democracias de fachada que marcam o século XXI é o apagamento das diferenças. Em quase nenhum caso há disputa de projetos. Amparados pela mídia, os partidos de centro e direita sugerem agendas cada vez conservadoras e submissas aos mercados. Por temer o confronto, a velha esquerda iguala-se. Quem cresce são os outsiders de extrema-direita: Trump, o Brexit, Marine Le Pen, o filipino Rodrigo Duterte, a Alternativa para a Alemanha e tantos outros.

Há exceções – poucas porém notáveis. Na Espanha, em poucos anos, o partido-movimento Podemos desafiou o sistema político (a “casta”) e, ainda assim, obteve mais de 20% do apoio popular. No Chile, o mesmo ocorreu com a Frente Ampla. Por enquanto, o exemplo mais notável é o de Jeremy Corbyn, na Grã-Bretanha. Lançando-se desde uma posição marginal no acomodado Partido Trabalhista, aproveitou brechas democráticas na estrutura da organização, empolgou sua militância, aproximou-se da juventude e se tornou um fenômeno. Enfrenta a mídia de mercado, defendendo ideias hostilizadas por ela (os serviços públicos de excelência, mais impostos para os ricos, a reversão das privatizações). É provável que se converta no próximo primeiro-ministro do país. Algo semelhante seria possível no Brasil?

Há muitos sinais de que, com ou sem Lula, a resposta é sim. Nos dois anos em que pôde apresentar e defender sua candidatura – de março de 2016, quando foi coagido a depor e saiu-se com o discurso da jararaca viva, até agora –, o ex-presidente figurou como um fenômeno. A mídia o demonizou sem tréguas. Cada delação premiada de seus detratores, cada pronunciamento do juiz Sérgio Moro, convertia-se num factóide político, trombetado em múltiplos minutos nos jornais televisivos. Mas ao invés de despencar, como o pensamento tradicional esperaria, o apoio a Lula cresceu incessantemente. Chegou a 37%, nas últimas pesquisas de intenção de voto. Caso não fosse perseguido, tudo indica que se elegeria com folgas, talvez já no primeiro turno.

A força de Lula reside na empatia, na inteligência, em sua trajetória de resgate das maiorias, em seu carisma de plebeu capaz de sensibilizar os seus iguais. Algumas destas características são irreprodutíveis. Mas há um núcleo que transcende o indivíduo. Ele é composto pelo resgate do país e dos direitos.

O ex-presidente nunca quis transformar estas ideias em programa. Seu estilo, para o bem e para o mal, é sua personalidade. Porém agora, sabido que Lula não poderá se candidatar, será preciso procurar, para as mesmas propostas, outros caminhos – ligados menos a carismas, e mais a propostas.

Apresentar o anti-Temer – e principalmente o pós-Temer – parece um caminho politicamente mobilizador e eleitoralmente viável. Os índices ridículos de popularidade do presidente (4,8%) indicam algo. O país está farto de corte de direitos, das decisões sem consulta alguma à sociedade, do governo apoiado nas máfias parlamentares, da venda do patrimônio nacional, da humilhação.

Como construir, sem Lula, o contraponto a tudo isso – que ele representava pela própria evocação de seu governo e de sua trajetória pessoal? Será preciso furar o bloqueio da mídia, que fará tudo para demonizar propostas heterodoxas. Mas há uma trilha clara: ir muito além das “reformas fracas” que, segundo André Singer, o lulismo expressou. Compreender, como Jeremy Corbyn, que em tempos de ataque aos direitos sociais e de anulação da política, é preciso dizer não resolutamente; assumir a revolta popular conta a política sequestrada; politizar este movimento.

Passar da resistência às alternativas. Que Reforma Tributária, para manter e ampliar os direitos previdenciários, o SUS, uma Educação Pública de excelência? Que Reforma Política, para estabelecer mecanismos de democracia direta e participativa. Quais políticas para a Reforma Urbana, as cidades para todos, uma Segurança Pública cidadã, um novo modelo agrícola, uma política energética que valorize as fontes limpas que o país tem em abundância, o combate ao racismo e ao patriarcalismo?

Na construção de um novo projeto de transformações, há um mundo a desbravar – e ele vai muito além das eleições. Mas para construí-lo, talvez, seja necessária uma nova esquerda. É o que veremos na parte final de nossa análise.

4. Parem de falar em “apatia popular”

Depois dos atos gigantescos por Marielle Franco, resistência à prisão de Lula volta a demonstrar que há multidões dispostas a agir. O que falta é quem ocupe o papel que os partidos abandonaram

O impasse dos projetos de emancipação que marcaram os séculos XIX e XX é um drama central de nossa época. Diante da miséria social e ambiental provoca pelo capitalismo, há intensa revolta. Mas faltam novos projetos, formas de organização e ação. Surte uma questão. As respostas do sistema à crise são cada vez mais destrutivas. Pense, por exemplo, na invasão das comunidades do Rio de Janeiro pelo exército, ou no desmonte dos sistemas públicos de Saúde e Educação, na Europa. No entanto, como não há uma alternativa real, as chances da própria reistências diminuem. Exaustas, as sociedades, enfim, submetem-se.

No Brasil, disseminou-se recentemente uma explicação oportinista para tal problema. Estaríamos vivendo uma “apatia social”. Confrontadas em seus direitos, as maiorias, por alguma razão nunca explicada, teriam deixado de lutar. Segundo esta hipótese, o fenômeno teria deixado a esquerda institucional sem opções.

Talvez valha a pena examinar uma hipótese oposta a esta. É mesmo possível falar em passividade? Isso não significa deconhecer, por exemplo, as lutas dos secundaristas, dos sem-teto, dos vários feminismos (inclusive o das mulheres periféricas e negras?). E se o problema estiver no polo oposto da equação? E se a explicação para a “falta de respostas” diante da ofensiva neoliberal estiver não no cansão das multidões, mas na demissão de suas supostas lideranças?

Considere dois fenômenos recentes. Embora tenha resultado em mobilização menos numerosa, a prisão infame de Lula gerou comoção nacional e internacional. Semanas antes, a execução de Marielle Franco levou centenas de milhares às ruas. É evidentemente impossível falar em “passividade”, diante de tais fatos.

Mas o que se propôs a estas multidões? Que tipo de ação autônoma ela puderam executar na sequência, de forma articulada? Nem os partidos de esquerda, nem as frentes Brasil Popular e Povo em Medo, ousaram oferecer uma resposta. A energia levada às ruas dispersou-se.

Sim: a emergência, entre outras, da consciência negra mobilizadora, dos novos feminismos, das lutas secundaristas – que também evidenciam o protagonismo das meninas – representa alvo muito novo e promissor: o ponto de partida principal. Mas como dar-lhe universalidade? Em outras palavras, como propor a uma secundarista em luta caminhos para transformar não apenas seu ambiente escolar, mas o mundo que levou à devastação do ensino público, em especial após a Emenda Constitucional 95?

A resposta não é fácil, e não está pronta – nem no Brasil, nem em lugar algum. Há muitas dúvidas. Ainda são possíveis os grandes projetos que enxergam o mundo em sua totalidade? Se não eles, o quê? A mera multiplicação dispersa das lutas particulares? Mas como, se as forças desumanizantes parecem cada vez mais poderosas, articuladas e implacáveis?

Estamos em busca de respostas. Para encontrá-las, será preciso generosidade, diálogo, desapego político. Algo, porém, parece claro: chega de falar em “apatia social”. Trata-se de uma resposta fácil e pobre. Transfere responsabilidades, mascara problemas, aplaca artificialmente certa angústia. Não conduz a nada. Quem quer de fato mudar o país e o mundo precisa assumir sua própria responsabilidade de enxergar o novo e encontrar as respostas que ainda não temos – em vez de sair à caça de respostas fáceis.

* Esta série de textos e vídeos reflete um debate interno, do qual participaram André Takahashi (Outras Palavras), Antonio Martins (OP), Cauê Ameni (Autonomia Literária), Gabriela Leite (OP), Lívia Ascava (Matrioshka) e Michelle Coelho (Rizoma Livros). Texto final: Antonio Martins | Vídeos: Gabriela Leite

*Antonio Martins é Editor do Outras Palavras

A VENEZUELA SOCIALISTA BOLIVARIANA TEM UM SONHO!...


Martinho Júnior | Luanda

50 anos após o assassinato de Martin Luther King, está em curso transformar o ouro em paz com justiça social e levar por diante todas as missões que podem animar um caminho longo de luta contra o subdesenvolvimento, rumo plenamente identificado com as mais legítimas aspirações do povo bolivariano!

No preciso momento em que o Banco Central da Venezuela acaba de receber 6,5 toneladas de ouro dos trabalhos de mineração em curso neste ano de 2018 no Arco Mineiro do Orinoco, o Sistema posto em marcha pelo Maestro José António Abreu, atingiu um milhão de músicos jovens, integrados em mais de mil orquestras espalhadas por todo o país, 15 dias após o desaparecimento físico do seu criador, que trabalhou entusiasticamente 43 anos nele (de 1975 a 2018)!


Cerca de 3% da população total do país está desse modo inserida no Sistema, uma das fórmulas de acção mobilizadora, pedagógica e de formação humana que alimenta a charneira das grandes transformações culturais em curso na Revolução da Venezuela Socialista Bolivariana, sob impulso do PSUV!

Para celebrar o facto, reuniu-se uma orquestra com 10.701 músicos tocando ao mesmo tempo no Poliedro de Caracas, um record para ser registado no Guiness Book.

O Presidente Nicolas Maduro por outro lado acaba de criar a Condecoração José António Abreu, a mais elevada condecoração de índole cultural do país, com a promessa de se partir em direcção à próxima meta: 2 milhões de músicos jovens no país das mais de mil orquestras!

Este é outro dos logros mais significativos, depois de este ano se ter alcançado um milhão de habitações construídas e distribuídas no âmbito da Grande Missão Vivenda Venezuela!

A VENEZUELA SOCIALISTA BOLIVARIANA TEM UM SONHO!... QUE SE VAI TORNANDO PLENA REALIDADE!

Martinho Júnior - Luanda, 8 de Abrilde 2018


Imagens: 
5 imagens que marcam desde a mineração do ouro, às mais amplas missões postas em curso pela Revolução da Venezuela Socialista Bolivariana

A França no rumo do modelo colonial latino-americano


Philippe Chatelin [*]

Qualificar a Revolução francesa de "revolução burguesa" é um lugar comum, mas exprime uma realidade: a formação de uma burguesia nacional portadora de ideais liberais e igualitários. Em França, foi esta combinação ideológica que caracterizou nossa luta de classes e nossa história. Se no século XIX o proletariado estava na Inglaterra e as classes na Prússia (na constituição prussiana), a luta de classes estava em França! Em França, a burguesia nacional não é completamente autónoma e não deve se tornar. Seu comportamento depende das lutas e portanto da articulação das relações entre classes populares e classes médias. 

O que poderia se tornar o nosso país sem o ideal da nação e a realidade de uma burguesia nacional? A França dos anos 2010 começa a aproximar-se perigosamente do modelo latino-americano tão bem descrito por Eduardo Galeano.
O desmoronar de uma nação 

A desindustrialização da França parece hoje coincidir com a desaparição da democracia. Desde o estabelecimento do euro, a França instalou-se no défice comercial, processo que é acompanhado por uma decomposição da vida política. Eis uma entrada em matéria económica bastante conveniente para questionar as ligações entre economia e vitalidade da nação. Pode-se imaginar um país desenvolvido sem indústria, sem capitalismo e sem burguesia?

Retornemos rapidamente ao passado e à ascensão, antes da queda.

Em França, como alhures, o desenvolvimento económico repousou amplamente numa colaboração entre o Estado e a burguesia nacional. Durante a Primeira revolução industrial, o governo deu os impulsos e decidiu grandes investimentos, depois deixou os actores económicos capitalistas agirem livremente para explorar as infraestruturas.

Este período corresponde, com um pouco de atraso em relação à Inglaterra, ao momento do desenvolvimento dos ideais democráticos. Crises económicas começaram a surgir, a partir do Segundo império, quando o capitalismo pretendeu libertar-se das regulações estatais. Mas este capitalismo permaneceu nacional, com elites ansiosas por moderar as políticas que afectavam ramos industriais. Uma vida ideológica intensa, iniciada sob a Revolução francesa, acompanhou o desenvolvimento industrial e permitiu conciliar capitalismo e melhoria do nível de vida. O afrontamento entre princípios de liberdade e de autoridade, de igualdade e desigualdade acabou por favorecer a luta de classes, a democracia liberal e um controle nacional do capitalismo. Sua vida política muito rica fez da França, então em posição central, um modelo de inovação.

Ainda que a França nunca tenha sido um grande país industrial, ela foi por excelência o país da luta de classes e o ensaio clássico de Marx chama-se com efeito "As lutas de classe em França". Esta definição da nação por classes que ali estão em luta durou, ainda que amortecendo, até ao século XX. Uma inventividade social real decorreu da mesma, incluindo um sistema de extracção na fonte da mais-valia do capital, o sistema das contribuições para a Segurança social, ainda em vigor.

Apanhado nesta dinâmica de longo prazo, o patronato, domado temporariamente em 1945, desde então silenciosamente reconstituiu suas forças, para finalmente querer sair da dialéctica de classes e da nação, avançando com a "construção europeia". Esta construção revelou-se uma arma de destruição maciça da democracia liberal, através do contorno do quadro nacional da luta de classes. A criação da União Europeia foi o culminar deste processo: em 1992, ao inventar o euro, nossas classes superiores renunciaram a conduzir uma política económica independente. Os franceses, ao votarem o Tratado de Maastricht, por sua vez renunciaram a existir enquanto nação. A sua tradicional luta de classes não é mais possível, o seu mundo operário vai-se tornar outra vez força de trabalho atomizada.

Mas segue-se um verdadeiro desastre económico, revelado pelo surgimento de um défice comercial estrutural. Um "1940" de longa duração está inscrito nos tratados europeus TUE e TFUE que constitucionalizam as políticas económicas. A entrada na era pós-nacional certamente desembaraçou as classes superiores da democracia e da luta de classes, mas o preço económico desta vitória social terá sido elevado: libertado da sua nação, o nosso capitalismo implode. Entretanto não se pode estar seguro de que a nossa regressão industrial seja um acidente, uma consequência não desejada por classes burguesas pouco conscientes da ligação entre vitalidade da Nação e força da economia. Pois, com efeito, as políticas efectuadas desde 1992 parecem realmente como sabotagem. A escolha da Siemens em detrimento da Alstom e a destruição programada do SCNF talvez não sejam senão elementos planificados de uma escolha anti-nacional em acção.

Fazer política e pretender governar é hoje ocupar-se da "redução dos défices" da gestão da polícia. A introdução do sistema da Dívida evoca a sorte dos países do Terceiro Mundo pressionados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) nos anos 1970. Os franceses, talvez por vaidade, querem continuar a crer que vivem numa das democracias do mundo livre e dominante. A sua situação real é aquela do elo fraco num novo género de sistema colonial, esta União Europeia que abrange países dominados e um país dominante, a Alemanha, que impõe suas regras e seus homens.

Ora, existe um continente que vive esta situação desde há duzentos anos, próximo da França culturalmente, pela língua e pelo temperamento, a América Latina cujo estudo pode nos informar acerca do nosso futuro.

O nacionalismo como projecto social: o caso da América Latina 

A sociedade latino-americana repousa numa dinâmica portadora dos ideais de liberdade e igualdade, como a França. Estes encarnam-se em forças sociais que tomam uma forma bastante diferente desta que existe na Europa: as guerrilhas, os movimentos indigenistas, os cartéis, os grupos paramilitares. Estes dispositivos, cujo funcionamento é horizontal, regulam o clima de violência inter-individual que caracteriza o continente, na ausência de Estado.

Enquanto o Estado-nação construiu-se num longo período em França, a América Latina não tem nem o Estado nem a nação. O nacionalismo, que não é um estado, portanto também faz parte da dinâmica geral: "a causa nacional latino-americana é, antes de tudo, uma causa social" afirma Eduardo Galeano [1] . No século XIX, a América Latina inspirou-se muito nas ideias saídas da Revolução francesa. As correntes liberais, independentistas, afirmavam-se em oposição ao sistema hierárquico da monarquia espanhola. Mas este modelo anti-autoritário não permitiu organizar o Estado: a relação do indivíduo com o Estado é demasiado frouxa.

Esta fraqueza estrutural do Estado favoreceu a manutenção de um modelo económico de tipo colonial e impediu a constituição de capitalismos nacionais. Ela impediu a formação de burguesias nacionais capazes, como em França no prolongamento da sua Revolução, que se sentissem responsáveis pelo conjunto da população, tal como a nobreza.

A descrição de um continente que conservou seu estatuto colonial apesar dos movimentos de independência está no cerne da obra "As veias abertas da América Latina", de Eduardo Galeano (1970) [NR] , painel sobretudo económico da História deste continente.

A história da América Latina opõe-se à dos Estados Unidos, cujo modelo económico repousa na autonomia em relação à Europa, não sendo expatriadas as riquezas produzidas. Aparentemente, o valor da igualdade, da horizontalidade, enfraqueceu a relação de autoridade necessária para um mínimo de eficácia económica.

Assim, a América Latina permaneceu pouco desenvolvida, conservando seu sistema de grande propriedade: em 1910, na véspera da reforma agrária impulsionada pela Revolução, as terras mexicanas eram detidas por cerca de 800 proprietários, dos quais muitos eram estrangeiros a viverem na Europa ou nos Estados Unidos. Dos 15 milhões de habitantes, 12 milhões trabalhavam nas haciendas [2] . Em 1911, o escritor americano John Kenneth Turner lamentava que seu país tivesse transformado em vassalo o ditador Porfirio Diaz e transformado o país numa colónia escravizada [3] . Diante do governo nacionalista de Lazaro Cardenas, cujas reformas sociais são comparáveis àquelas da Frente Popular em França, o cartel petrolífero dos EUA impôs um embargo entre 1939 e 1942!! [4] A Standard e a Shell partilhavam o território mexicano. Cardenas nacionaliza a exploração do petróleo. Mais ao Sul, a economia da Venezuela repartira-se no século XX entre o petróleo e os latifúndios tradicionais. Nos anos 1950, a Venezuela, considerada como o grande lago de petróleo da Standard Oil Company, era a maior base militar americana presente na América Latina. Já no século XIX a indústria na América do Sul repousava na boa vontade dos capitalistas europeus, que controlavam o comércio.

O livre comércio, tal como o "bom" nacionalismo, é um privilégio das potências económicas. As independências beneficiaram assim as grandes potências comerciais, organizando a indústria e destruindo as produções locais tradicionais. Durante esta época, os Estados Unidos consolidavam sua economia através do proteccionismo. O exemplo dos Estados Unidos a sairem da Guerra civil revela assim, sublinha Galeano, a existência de dois modelos históricos, um baseado no livre comércio e na escravidão, o outro no proteccionismo e na economia intensiva, "duas concepções do destino nacional".

Na América Latina, esta situação impediu a emergência de burguesias nacionais. Os burguesas não são senão os comissários de um capitalismo estrangeiro dominador (os marxistas falam de "burguesia compradora"). Para eles, a nação não é portanto um objecto a defender:

"A nação não é senão um obstáculo a ultrapassar – pois a dependência por vezes desagrada – e um fruto delicioso a devorar. (...) A grande galopada do capital imperialista encontrou a indústria local indefesa e sem consciência do seu papel histórico. Quanto ao Estado, sua influência sobre a economia latino-americana, que se enfraquece desde há duas décadas [em 1970] foi reduzida ao mínimo graças aos bons ofícios do FMI. (...) Na América Latina, o processo de desnacionalização foi muito mais rápido e mais económico e tem tido consequências incomparavelmente mais terríveis"[5] .

Ao contrário da Europa, cuja burguesia industrial se tornou hegemónica, a empresa na América Latina foi essencialmente obra do Estado: "O Estado ocupa o lugar de uma classe social (...): ele encarna a nação e impõe o acesso político e económico das massas populares aos benefícios da industrialização. Nesta matriz, obra dos caudilhos populistas, não se forma uma burguesia industrial radicalmente de classes até então dominantes".[6] E, com excepção do México, os populistas, como Péron na Argentina, não tocaram na estrutura latifundiária.

Na América Latina, a burguesia, subordinada às potências económicas, portanto teme mais a pressão popular do que aquela do imperialismo estado-unidense. Na Europa e nos Estados Unidos, ela se desenvolve de maneira muito diferente.

Esta realidade explica a capacidade da burguesia latino-americana de sabotar as economias dos seus próprios países quando consideram necessário, por razões políticas, em geral com o apoio dos Estados Unidos: a história do continente é assim pontuada por movimentos de desestabilização económica interna, com o objectivo de se opor às reivindicações populares e à democracia liberal: no México dos anos 1920, um dos aspectos da guerra dos Cristeros contra a Reforma Agrária é a execução de um boicote económico para reverter o governo revolucionário. No Chile, em 1973, um bloqueio económico interno, nomeadamente de produtos de primeira necessidade, visava o derrube do governo de Salvador Allende. As desestabilizações deste tipo pontuam desde 1999 a história da revolução bolivariana.
Retorno à Europa 

Entregar-se de pés e mãos atados a uma potência dominante, com menosprezo de um capitalismo nacional, quer actue a partir dos Estados Unidos, para a América Latina, ou da Alemanha, para a Europa, não faz senão arrastar nações já constituídas para uma situação de tipo colonial na qual as burguesias ex-nacionais voltam-se contra os seus povos. A ideia de "nacionalismo como causa social", conforme a expressão de Galeano, deverá portanto retomar seu caminho.

Este desvio pela América Latina revela de maneira empírica o erro fundamental dos ideólogos de esquerda que pretendem que a saída do capitalismo passaria pela destruição do Estado-nação.

O paradoxo actual é que as convicções europeias das classes verdadeiramente médias, que incluem as profissões intermediárias e os professores universitários, são muito superficiais. Contentando-se em estigmatizar, aquando de movimentos sociais ou nos seus programa políticos, o Presidente da República ou a Constituição da Vª República, elas mostram que não encaram a luta senão no quadro nacional. Trata-se de uma estratégia de evitamento da questão europeia ou simplesmente de uma incapacidade visceral em se projectar mentalmente fora das fronteiras nacionais para analisar os mecanismos de dominação? Parece em qualquer caso existir um sério "fosso teórico" sobre a questão da inserção das lutas nas relações internacionais. Mas sejamos optimistas. Não será preciso muita coisa para que as classes verdadeiramente médias se juntem às classes populares, numa rejeição comum do desmantelamento do Estado-nação.

24/Março/2018

1. Eduardo Galeano, Les veines ouvertes de l'Amérique latine, 1970, Pocket/Terre humaine, p. 330.
2. Ibid., p. 167.
3. John Kenneth Turner, "Mexico barbaro", 1911.
4. Eduardo Galeano, op. cit., p. 221.
5. Ibid., p. 289.
6. Ibid., p. 291.

[NR] "As veias abertas da América Latina" pode ser descarregado aqui .

[*] Historiador

O original encontra-se em www.les-crises.fr/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

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