O historiador congolês
Jean-Michel Mabeko-Tali considera que a "bicefalia" em Angola entre o
Presidente João Lourenço e o líder do MPLA, Eduardo dos Santos "pode ser
perigosa", porque cria "riscos de chantagem política".
O autor do livro "Guerrilhas
e Lutas Sociais - O MPLA Perante si Próprio -- 1960/1977", a publicar em
breve pela editora portuguesa Mercado de Letras, lembrou que é o "partido
Estado" quem tem a última palavra "sobre tudo o que diga respeito às
decisões fundamentais" do país.
"A forma como foi designado
o sistema político e governativo angolano, em que é o partido que governa o
país, o MPLA, é que tem a mão e a última palavra sobre tudo o que diga respeito
às decisões políticas fundamentais que norteiam o rumo do país, o que não
permite acomodar a atual dualidade de poderes", considerou o historiador
numa entrevista à agência de notícias Lusa este domingo (07.04).
Segundo Mabeko-Tali, atualmente
professor na universidade norte-americana de Howard, em Washington, a situação
de dois poderes paralelos e quase concorrentes, um na direção do Estado (com o
Presidente João Lourenço), outro com a direção política do país (de Eduardo dos
Santos) "pode ser perigosa" para o atual chefe de Estado.
João Lourenço em posição de
"subalternização"
A situação "acaba por
colocar o chefe de Estado numa posição de subalternização politicamente
incómoda e de riscos de chantagem política, ou simplesmente de bloqueio por
parte de quem tenha o poder de decisão política na mão. E não vale a pena
andarmos a fazer comparações com outros países para dizer que não há riscos de
colisão cimeira", sublinhou.
Para o doutorado em História
(1996) pela Universidade Paris VII Denis Dedorot e mestre em Estudos Africanos,
a prova de que, apesar da mudança, é a liderança do MPLA quem tem a última
palavra política", passa pelo facto de Eduardo dos Santos se manter
"agarrado à direção do partido" mesmo depois de ter prometido que
iria abandonar a vida política.
Eduardo dos Santos "sabe bem
o poder de bloqueio que tem na mão face ao poder executivo do João Lourenço. Se
este poder político fosse irrisório, [o líder do MPLA] não estaria a fazer o
finca-pé atual, ao ponto de pôr em risco a sua própria herança política",
salientou o historiador, natural do Congo Kinshasa.
"A verdade é que há muitos
interesses em jogo no que à família [de Eduardo dos Santos] diz respeito, e que
justificam este finca-pé. O que, em termos políticos, coloca o chefe do
Executivo numa situação deveras embaraçosa e frágil. Ao eternizar-se esta
situação, o próprio MPLA correria o risco de perder algumas penas em termos
políticos e de uma popularidade que já vem sendo beliscada nos últimos anos",
sustentou.
Exonerações combinadas?
Questionado sobre se as
exonerações de João Lourenço teriam sido combinadas com Eduardo dos Santos,
Mabeko-Tali afirmou não saber. "Não sei dizer se houve ou não 'combinação
inicial', se partirmos da suposição que o antigo chefe de Estado escolhera o
seu sucessor com base numa certa confiança quanto à capacidade deste de
salvaguardar os interesses da antiga família presidencial. Há, no entanto,
necessidade de se acreditar que o sucessor possui uma visão própria, uma
vontade própria de imprimir um cunho que seja só seu na direção do país",
comentou.
"Qualquer observador da vida
sociopolítica de Angola sabia que João Lourenço não poderia, de forma alguma,
levar de maneira cabal os primeiros meses, ou mesmo anos, do seu consulado se
não tivesse controlo económico sobre duas entidades empresariais e financeiras
chave para a economia e a vida económica de Angola: a Sonangol e o Fundo
Soberano de Angola", acrescentou.
Para Mabeko-Tali, Eduardo dos
Santos, ao nomear a sua própria filha, Isabel dos Santos, para a Sonangol,
colocou "um problema bicudo" ao seu sucessor, "uma autêntica
mina anti-governativa".
"Devemos acreditar que João
Lourenço vem com uma visão própria, que lhe fez ver onde estava o seu interesse
como Presidente da República e executor do programa de Governo pelo qual ele
foi eleito. E, em termos de recursos humanos, não há nenhum chefe de Estado que
chegue ao poder sem ter um elenco seu, que lhe é devoto e de total
confiança", sustentou.
"Isto implica
necessariamente uma certa limpeza em casa do que restava do antigo inquilino,
mesmo que, por uma questão de equilíbrio, haja algum compromisso no sentido de
não limpar tudo do passado, e que haja que acomodar alguns quadros do elenco do
antigo chefe de Estado", conclui Mabeko-Tali.
Lusa | em Deutsche Welle
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