sexta-feira, 29 de junho de 2018

São Tomé | Um Diálogo entre Bêbados que Poderia Assassinar o Primeiro-ministro


Adelino Cardoso Cassandra | Téla Nón | opinião

Quem olha, com criticismo desejável e tentativa de compreensão dos fenómenos políticos e sociais que se sucedem, uns aos outros, na nossa terra, nos últimos tempos, só pode ficar com a sensação que, cada dia que passa, as coisas pioram e ganham contornos de irreversibilidade. O autoritarismo aumentou e com ele, as perseguições políticas, a censura, a falsidade, a bufaria e outros males que têm contribuído para sufocar a nossa embrionária democracia.

Vivemos, neste momento, num país onde impera o terror e a manigância. As pessoas estão, neste momento: mais desconfiadas; evitam aproximar-se das outras; têm receio de partilhar ideias ou projetos; fogem de um simples ato de socialização banal; arranjam mecanismos ou códigos de conduta que repelem tentativas de aproximação; olham para todos os lados, com um detalhe microscópico, antes de responderem a uma abordagem simpática alheia; etc. Ainda ontem, estive a falar com um grande amigo meu, que esteve no país, recentemente, e confirmou todos estes receios e comportamentos.

A pergunta que se pode fazer, neste momento, é a seguinte: o que é que mudou, recentemente, no país, ao ponto de estar a condicionar o comportamento das pessoas neste e outros âmbitos?

Enquanto a democracia é o contexto ideal para a estabilidade das relações sociais e políticas entre os cidadãos porque, atempadamente, todos conhecem as regras de jogo que a conformam; um contexto de emergência de um projeto político que permite o controlo autoritário sobre a vida pública e privada dos cidadãos, como aquele que estamos a viver, momentaneamente, no país, pelo contrário, suscita o medo, a indisponibilidade para reflexão e socialização com os outros, a desconfiança e, até, a preocupação excessiva com aquilo que se escreve ou diz num círculo de amigos.

É isto que está a mudar o comportamento das pessoas, momentaneamente, em S.Tomé e Príncipe, sobretudo daquelas que dependem, direta ou indiretamente, do poder instalado, decorrente do propósito de reconfiguração da arquitetura do nosso Estado, em que o presidente da república já nada vale, a Assembleia Nacional passou a ser, para além de um centro de representação com competências para produção legislativa e de fiscalização, um autêntico Tribunal Especial que julga e decidi casos como o da cervejeira Rosema, a mando do primeiro-ministro, e o ministério público passou a ser o braço armado do governo.

A nossa segurança, como entidade comunitária está, neste momento, muito doente. Estamos a atravessar um momento de (des) democratização acelerada, como eu tenho vindo a denunciar em múltiplos artigos anteriores, que está a abalar os pilares do regime, trazendo consigo a manifestação de atos de criminalidade incomuns na nossa terra, tendo como consequência a lesão de bens jurídicos individuais, mas, sobretudo, de bens jurídicos coletivos.

Neste contexto, quem garante o respeito pelas liberdades individuais dos cidadãos se os próprios juízes do Supremo Tribunal de Justiça são severamente castigados, por motivos relacionados com o cumprimento das suas funções?

É neste clima de terror instalado no país que o senhor primeiro-ministro aparece-nos na televisão dele, em comício, sem qualquer contraditório, como seria de esperar, num registo usual de vitimização, a informar-nos que ele foi o principal alvo de um processo, aparentemente abortado, de assassinato, cujo objetivo era a subversão da ordem constitucional vigente para que a oposição pudesse ganhar as próximas eleições.

Neste seu registo vitimizador, o senhor primeiro-ministro declarou, ainda, que ele estava na posse de meios de provas bastante fortes, relacionados com a referida intentona, e que na mesma participariam algumas pessoas, incluindo estrangeiros, bem identificadas.

No mesmo dia que o senhor primeiro-ministro fez o seu comício e perante a dúvida e incredulidade geral, tendo em conta a cascata de acontecimentos, de caráter autoritário, que se vive no país, promovidos pelo próprio poder instalado, que o senhor primeiro-ministro é o máximo representante, apareceu nas redes sociais um registo áudio, cujos promotores da sua difusão prometiam-nos, que, no conteúdo do mesmo, existiria, inequivocamente, toda a prova sobre os factos que o senhor primeiro-ministro nos declarara no seu comício na TVS.

Deixei tudo o que tinha para fazer e fui ouvir, com toda a atenção desejável, o tal registo áudio que, nos diziam, continha toda a prova do suposto assassinato premeditado contra a pessoa do senhor primeiro-ministro, Patrice Trovoada, com objetivo de subversão do regime constitucional vigente.

Ouvi o tal registo áudio uma vez e juro que não descortinei, no conteúdo do mesmo, de forma perentória, nenhum elemento de prova, compaginável com as fortes declarações prestadas pelo senhor primeiro-ministro, na sua TVS, que denunciassem, inequivocamente, a existência e veracidade do facto relatado.

Pensei, com toda a sinceridade, que estava a utilizar um registo áudio, diferente daquele que me aconselharam a ouvir, onde não estava o conteúdo da referida prova. Telefonei a um amigo e colega que, prontamente, me informou que o registo era mesmo aquele que eu ouvira anteriormente e, no entanto, por precaução, enviou-me um outro exemplar do referido registo áudio. Fui ouvir, de novo, com toda a atenção o tal registo áudio.

Para espanto meu, tratava-se, efetivamente, do mesmo registo áudio que eu já tinha ouvido anteriormente. Aquilo, perdoem-me as pessoas que estavam envolvidas naquele processo, simbolicamente, mas parecia um diálogo entre bêbados, típico das nossas tascas, onde um deles, mais bêbado do que o outro, monopolizou este mesmo diálogo, e tentava convencer o outro, menos bêbado, a beber mais uns copos de vinho. Todo o diálogo, estabelecido no referido registo áudio, e até algumas interjeições, reiteradamente expressas por um dos intervenientes, passou-se, neste registo simbólico referenciado que pode ser comparado a um diálogo entre bêbados.

Um plano de ação para assassinar um primeiro-ministro, tendo, ainda, um contexto temporal curto e pré-determinado, para a sua realização, não se faz daquela forma, típica de taberna: com suposições; com um linguajar de convencimento de eventuais parceiros, sobre o método a seguir, pouco ou nada assertivo ou, até, especulativo; sem identificação clara de meios e responsáveis por todas as atividades que, eventualmente, permitiriam a sua materialização; sob monopólio discursivo vindo sobretudo de um dos intervenientes que, por sinal, não é aquele que é catalogado como o seu cérebro ou principal responsável, estando este, aparentemente, a ser impingido da bondade ou importância da iniciativa em causa e, consequentemente, a ser, objectiva ou subjectivamente, induzido a participar no referido diálogo.

Além de tudo isso, um plano de assassinato do primeiro-ministro não se faz, sem um substrato organizativo pré-elaborado, tendo em conta o contexto temporal curto para a sua materialização (o primeiro-ministro seria assassinado aonde, quando, quem o faria, onde é que os executores do plano se posicionavam para cumprirem a sua função, qual o papel de agentes estrangeiros nesta trama, etc).

Tendo em conta, o clima de terror que se instalou no país, decorrente do processo de (des) democratização acelerada que estamos a viver, onde sobressai perseguições políticas, a censura, o ódio, a falsidade, a bufaria, a incentivação de comportamento denunciante e outros tiques pidescos, bem como o conteúdo insólito do referido registo áudio, apresentado como prova do hipotético crime, de que fiz referência anteriormente e, sobretudo, a disponibilidade e prontidão do senhor primeiro-ministro para aparecer na sua TVS e fazer logo um comício sobre o facto em causa, num registo exemplar de vitimização, sem sequer esperar pela intervenção do poder judicial para explicação pública do caso em concreto, não posso excluir, também, neste contexto analítico, a hipótese de se tratar de uma trama, urdida pelo próprio poder instalado, para perseguir e prender os opositores políticos.

Tendo em conta tudo aquilo que tem acontecido, hoje em dia, em S.Tomé e Príncipe, onde até os juízes do Supremo Tribunal de Justiça são perseguidos, humilhados e exonerados compulsivamente, é perfeitamente normal que, com recursos a “agentes provocadores”, sob tutela governamental, os opositores políticos sejam estimulados ou induzidos a cometerem ou participarem num crime, verbalizando, ou não, a sua disposição para o referido efeito, estando, contudo, sob controlo de uma ou mais fontes de provas, como é o caso deste registo áudio, que servirão como eventual garantia ou prova, exibida publicamente, como troféu político, para uma campanha de vitimização que já começou. Em qualquer livro sobre o populismo esta receita está lá explícita e, até, dá resultados, algumas vezes. Só isso pode explicar a ida do senhor primeiro-ministro ao comício na TVS, quando o caso ainda estava, aparentemente, sob inquérito judicial.

Quem faz o que o atual poder já fez, atropelando tudo e todos, em prol do controlo autoritário sobre a vida pública e privada dos cidadãos, desprezando os princípios basilares de um Estado de Direito Democrático, não obstante as observações de instituições internacionais como a União dos Advogados de Língua Portuguesa, a União Internacional dos Juízes de Língua Portuguesa, do pai da nossa Constituição, professor Jorge Miranda e demais instituições, nacionais e internacionais, está em condições de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para a materialização do seu objetivo maior, criando, com tal, condições para a destruição dos seus principais adversários políticos.

Não posso excluir a hipótese de que, Gaudêncio Costa poderá estar a ser, neste momento, mais uma vítima, como foram os juízes do S.T.J, do que um potencial criminoso, tendo em conta todos os pressupostos referenciados anteriormente. E mantenho esta posição até que o senhor primeiro-ministro me demonstre, na sua TVS, como já fez anteriormente, através de outros meios ou elementos de prova, de que a referida intentona, de facto, existiu, e foi planeada, de forma voluntária, pelos protagonistas referenciados.

Da mesma forma que o senhor primeiro-ministro apareceu, de forma voluntária na TVS, a acusar um adversário político de ter planos de o querer assassinar, fazendo toda a radiografia do referido crime, é ele, e não o Tribunal, neste caso, que tem o ónus da prova, ou seja, que tem a obrigação de provar tal facto, também num comício na TVS, com novos elementos de provas, porque os que ele apresentou, até hoje, são escassos e não me convenceram.

É que tudo, neste processo e noutros, direta ou indirectamente relacionados, os acontecimentos e procedimentos denunciam muitas estranhezas e levantam muitas preocupações e interrogações.

Pode, por exemplo, a investigação criminal, neste âmbito, estar sob alçada das forças de defesa e segurança e, posteriormente, ser transferida para a polícia judiciária já com os elementos de prova produzidos e identificados?

Em que condições foram produzidos os elementos de prova que constam do referido processo, designadamente o referido registo áudio?

Em que categoria e enquadramento organizativo, no nosso ordenamento jurídico, podemos incluir o agente que produziu a referida prova?

Que meios, utilizou o referido agente, para a produção dos elementos da referida prova que, eventualmente, não tenha colocado em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos envolvidos?

Se, de facto, houve a intervenção, neste processo, de um “agente provocador” que induziu o senhor Gaudêncio Costa a cogitar, em associação com outros envolvidos, cometer o referido crime, não estaremos em presença de um crime, ainda maior, cometido por outrem, que colocou em causa a liberdade de vontade e de decisão do referido cidadão?
Estaremos todos em liberdade e segurança se, de facto, a investigação criminal passou a ser feita, neste momento periclitante da nossa vida coletiva, por entidades que desconhecemos, sem enquadramento legal neste âmbito, como sejam as forças de defesa e segurança?

Por que razão não é o ministério público, como órgão que deve dirigir qualquer investigação criminal, a nos explicar, através de comunicados ou outros meios alternativos, os contornos da referida investigação mas sim, o primeiro-ministro, em comício, através da TVS?

Por que razão, perante acusações anteriores graves, produzidas por um cidadão nacional, relacionadas com a materialização de um crime idêntico no nosso país, cujo nome do primeiro-ministro aparecia como protagonista, o ministério público, aparentemente, recusou agir e, agora, aparece num processo similar querendo recorrer da decisão do juíz que decidiu mandar em liberdade, sob termo de identidade e residência o cidadão Gaudêncio Costa?

A resposta a estas e outras questões é que deveriam servir de referência e motivação para uma eventual reforma da justiça na nossa terra porque, de facto, configuram reais preocupações do contexto comunitário com o rumo que o país está a tomar e, sobretudo, preocupações quotidianas das pessoas que procuram a referida Justiça para a resolução dos seus problemas. A reforma de Justiça não pode servir, consciente ou inconscientemente, para ajudar na subversão do regime e no controlo autoritário, do poder vigente, sobre a vida pública e privada dos cidadãos.

*Adelino Cardoso Cassandra, na foto.

Principal partido da oposição são-tomense "condena e distancia-se" de atos contra Estado de direito


Reações em São Tomé sobre uma alegada tentativa de assassinar Patrice Trovoada: Tristeza, repúdio, condenação e distanciamento de atos contra o Estado de direito.

Os suspeitos de uma alegada "tentativa de subversão da ordem constitucional, através do assassinato premeditado" do primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, Patrice Trovoada,Gaudêncio Costa, deputado e membro da direção do MLSTP/PSD e o sargento Ajax Managem foram ouvidos na sexta-feira (22.06) em tribunal. Entretanto, os dois detidos já foram libertados e sujeitos à medida de coação de termo de identidade e residência. Ontem tinham sido acusados pelo ministro da Defesa e Administração Interna, Arlindo Ramos, da autoria do plano de golpe de Estado. Ramos mencionou ainda a existência e cúmplices estrangeiros, sem, no entanto, avançar pormenores.

MLSTP condena

O principal partido da oposição são-tomense emitiu um comunicado no qual "condena e distancia-se de atos que põem em causa o Estado de direito democrático, subversão da ordem constitucional e de atentado à vida".

O coordenador do principal partido da oposição, Américo Barros, recordou que os governos do MLSTP/PSD foram vítimas de vários atentados, com dois golpes de Estado consumados, e afirmou: "O MLSTP/PSD manifesta estranheza e total desconhecimento dos factos de que é acusado Gaudêncio Costa, razão pela qual exorta às autoridades a respeitar o princípio de presunção de inocência e evitar julgamentos na praça pública, e exige a exibição de provas que sustentam a acusação no referido caso".

A ocasião foi aproveitada para criticar a atuação do Ministério Público.

"O MLSTP/PSD lamenta profundamente o tratamento desigual e discriminatório da Procuradoria-Geral da República em relação a casos que dizem respeito a militantes e dirigentes do ADI", o partido Acção Democrática no poder.

ADI manifesta "tristeza e repúdio"

Por seu turno, o secretário-geral do ADI, Levy Nazaré, manifestou "tristeza e repúdio" pelo alegado "plano para assassinar o primeiro-ministro" Patrice Trovoada. Já ontem, em declarações aos jornalistas, Levy Nazaré salientou que o MLSTP-PSD nada tinha a ver com alegada tentativa de assassinar Patrice Trovoada.

"É bom que se diga que não é o partido político, o MLSTP, que é uma instituição, um adversário que nós respeitamos", frisando tratar-se de "algumas pessoas" dentro desse partido que podem estar envolvidas na alegada conspiração.

Levy Nazaré disse esperar que a Justiça "apure toda a verdade e que se responsabilize todas essas pessoas", apelando ao povo, particularmente os militantes do seu partido, para estarem "tranquilos, calmos, sereno e vigilantes, mas não deixando de fazer a sua vida normal".

Dúvidas

A notícia da tentativa de golpe de Estado divulgada pelo Governo foi recebida com ceticismo por analistas e observadores, tendo em conta o contexto atual: o Governo enfrenta várias dificuldades e a popularidade de Patrice Trovoada caiu consideravelmente.

Deodato Capela, responsável do Centro de Integridade Pública (CIP) disse em entrevista à DW que "ao ler o texto, fiquei em dúvida. Ontem foi dia 21 e o comunicado tinha data de 20, pareceu-me uma confusão. O Centro de Integridade Pública, por ser uma instituição da sociedade civil, tentou ver primeiro se a detenção do político tinha razão de ser. Uma vez que estamos a dois meses das eleições, pode-se dizer que isto é um bocado dúbio".

Ao referir-se às últimas medidas tomadas pelo executivo, Capela destacou que o Governo está com muitos problemas: "Nestes dois últimos dias houve aumento do preço de combustível. O custo de vida está alto..."

Além disso no passado dia 21 de junho caducou o prazo que um grupo de militares tinha dado ao primeiro-ministro para resolver determinados problemas nos quartéis. O responsável do CIP salienta que "tudo isso a acontecer na mesma altura. Qualquer cidadão mais ou menos atento pode perceber que há aí indícios de criar bodes expiatórios, para escamotear o verdadeiro problema ou desviar o foco de atenção para outra situação".

Enquanto isso os cidadãos continuam a fazer a sua vida normal. Não se viu qualquer reforço de segurança em edifícios públicos ou estratégicos, como por exemplo, o gabinete do chefe do Governo, o palácio presidencial ou as sedes dos órgãos de comunicação social estatais.

Juvenal Rodrigues (São Tomé) | Deutsche Welle

Na foto: Patrice Trovoada, atual PM

DA ANEXAÇÃO À LIBERTAÇÃO DE CABINDA


Portanto, não nasci em Cabinda. E talvez por isso esteja numa posição de imparcialidade, digamos, para falar sobre o território por não ter relação de pertença geográfica, mas também sei que por não a ter me é igualmente cara abordar a questão.

Sedrick de Carvalho | Folha 8 | opinião

Para exemplificar a minha posição com uma situação semelhante, actual e próxima de onde estamos, imaginemos um jovem madrileno a defender publicamente um estatuto diferente para Catalunha. Podemos antever o tratamento que receberia, por exemplo, do governo de Mariano Rajoy quando comparamos ao que deu às pessoas que foram votar no referendo.

Espero que o novo governo espanhol, cujo primeiro-ministro representa uma geração mais nova e próxima da minha, tenha outra postura.

E aquela repressão não é comparável à repressão angolana.

E por falar em geração…

Pepetela, no seu célebre «Geração da Utopia», fala, desapontado, que o rumo que o país levava não era o que a sua geração havia combinado durante a luta pela independência. É uma obra ficcional, sei, mas tem sido mais fácil encontrar a verdade nessas obras.

E há muito tempo que me tenho questionado o seguinte: Mas o que afinal foi combinado? Qual foi o acordo? E onde está esse acordo?

Saber o que foi combinado de facto é importante para percebermos o que motivava os lutadores pela nossa independência, pois só assim saberemos se realmente estavam dispostos a construir um país. E para fazer um país é preciso ter um projecto de construção do país, escrito, flexível na estratégia mas inflexível no objectivo, como dizia Nelson Mandela.

Dentre os três movimentos de libertação nacional, apenas a UNITA aponta ao seu “Projecto de Mwangai” para afirmar que sempre teve um projecto para Angola, projecto que, entretanto, nunca vi, mesmo pedindo.

Falo sobre o projecto de construção do país porque, ao existir, saberíamos o que os lutadores pela independência pensaram em específico para Cabinda. Mas se não há, pelo menos sabemos que Cabindas fizeram parte dos três movimentos e, por essa via, talvez se pensasse estar definido um projecto para Cabinda.

Talvez estivesse combinado verbalmente. Maybe! Mas para construção de um país é indispensável ter o combinado por escrito, apesar de nem os escritos serem respeitados, como todos sabemos.

Se existisse um projecto de construção do país, onde, se calhar, começaria pela definição do nome, então necessariamente Cabinda deveria ter um estatuto diferente. Mas não só Cabinda.

Na véspera da Conferência de Berlim deu-se a Corrida aos Tratados para se assegurar os territórios na mesa de retalho do continente africano. Para além dos três tratados celebrados por personalidades Cabindas com Portugal – nomeadamente tratado de Chinfuma, Chicamba e o Simulambuco -, a Lunda também realizou um tratado de protectorado em 1885, e pouco depois o Moxico também.

Friso esses tratados para destacar o que num projecto de construção de país deveria constar: o modelo de Estado – se o unitário ou o federado.

Entretanto o país continua a somar, e passados 43 anos desde a independência temos Cabinda em três fases, as mesmas que Angola.

1.ª Independência Nacional – Agostinho Neto

Iniciada em 1975, a primeira fase é o início da problemática Cabinda, com o Acordo de Alvor a não respeitar o tratado de Simulambuco e tão-pouco a própria Constituição portuguesa à altura que dizia claramente, no n.º 2 do artigo 1.º, que Cabinda, à igualdade de Moçambique e Angola, só para citar, era território português.

O importante era a descolonização, compreendo, mas em seguida não se fez nenhuma reflexão – pelo menos não publicamente – sobre esse erro descolonizador, nem sobre tantos outros. Imediatamente Agostinho Neto mergulha em vários conflitos para afirmação do poder do MPLA perante os outros partidos e dele mesmo internamente, com purgas sangrentas até hoje por se explicar e que penso termos nesta sala algumas vítimas directas.

Todo o sangue que corria não dava espaço sequer para se falar colectivamente sobre Cabinda.

2.ª Guerra Civil e Pós-Guerra Civil – José Eduardo dos Santos

A morte de Agostinho Neto abre a segunda fase para Cabinda, desta vez tendo José Eduardo dos Santos como o interlocutor imediato. Mas rapidamente o espaço é preenchido com a violência típica duma guerra civil.

Com o fim da guerra em 2002, ficou incontornavelmente clara a necessidade de resolver-se a questão Cabinda. Porém, o regime angolano optou por agir como lhe é característico – com o monopólio da violência de Estado -, ao perseguir a verdadeira sociedade civil Cabinda, da qual fazem parte as três personalidades que nos honram com a sua participação aqui, e a FLEC-FAC, substituídos por um Fórum Cabindês para o Diálogo chefiado pelo hoje militante do MPLA Bento Bembe. Em 2006 é celebrado entre o Executivo e o Fórum o denominado Memorando de Entendimento para a Paz e Reconciliação na Província de Cabinda, que estabelece um Estatuto Especial para o enclave. Entretanto, nem esse acordo está a ser respeitado, e o Fórum não reivindica o seu cumprimento. E assim chegamos à terceira fase.

3.ª Pós-José Eduardo dos Santos – João Lourenço

Encontramo-nos nesta fase. É uma etapa completamente diferente das anteriores, pois João Lourenço – e, claro, o sempre MPLA – não tem guerra para justificar o silenciamento de Cabinda. E mais ainda porque temos perdido, enquanto Estado, várias oportunidades para idealizar o destino do país em vários aspectos, como, neste caso, o modelo de organização territorial.

É aqui onde entra a minha posição sobre o que penso ser conveniente para Cabinda e Angola. Mas primeiro digo o seguinte: Não nasci em Cabinda, como frisei, pelo que a minha opinião é só mesmo isso, mas acresce o facto de que os Cabindas têm voz principal sobre o seu destino.

Dito isto… Penso que o ideal para Cabinda é torná-la uma região autónoma, à igualdade dos Açores e Madeira, preservando o Estado unitário plasmado na actual Constituição de Angola. Essa é uma resolução a médio prazo, em que as autarquias poderão servir também para apaziguar o ímpeto separatista das regiões Lunda e Moxico.

A longo prazo, antevejo uma necessária criação de um Estado federal.

Porquê Estado federal? Porque não?

Nota: Texto apresentado na mesa-redonda organizada pelo CEI-IUL, Plataforma de Reflexão Angola e Núcleo de Estudantes Africano, no ISCTE, no dia 21 de Junho, em Lisboa, subordinada ao tema «Cabinda nas suas diversas perspectivas».

Guiné-Bissau | "Apoios às legislativas guineenses garantidos se a data for mantida", diz ONU


O novo representante da ONU em Bissau afirmou que a comunidade internacional pode aumentar os apoios financeiros para a realização das legislativas se a data do escrutínio for mantida a 18 de novembro.

O novo representante do secretário-geral das Nações Unidas na Guiné-Bissau, o brasileiro José Viegas Filho, anunciou este sábado (23.06) a mobilização internacional para apoiar financeiramente as eleições legislativas, previstas para 18 de novembro, caso seja mantida a data da votação.

"Quando ganharmos suficiente demonstração de firmeza por parte dos partidos políticos, por parte das instituições deste país, o dinheiro certamente chegará para que nós tenhamos as eleições realizadas", defendeu Viegas Filho, que disse sentir "uma conjuntura favorável” em relação ao país.

José Viegas Filho observou que "o problema do momento" são os equipamentos de registo de eleitores para os quais, disse, já existem contribuições da ONU, de países e de instituições internacionais. O diplomata afirmou ter confiança de que se for necessário os apoios serão aumentados nesse sentido.

O representante sublinhou igualmente ser "urgente encaminhar" o processo eleitoral e ainda uma demonstração de determinação das autoridades guineenses, da própria ONU e da comunidade internacional na vontade de realização de eleições legislativas na data prevista.

Condições

Com as eleições realizadas em novembro e com a estabilidade política recuperada, Viegas Filho acredita que estarão criadas todas as condições para que a Guiné-Bissau volte a receber, da comunidade internacional, uma nova ajuda financeira, "talvez tão intensa" como aquela anunciada, mas ainda não disponibilizada, no âmbito do programa Terra Ranka, disse.

Numa mesa redonda em março de 2015, realizada na Bélgica, a comunidade internacional prometeu 1,5 mil milhões dólares para financiar o programa de desenvolvimento da Guiné-Bissau, Terra Ranka.

Viegas Filho avisou que as esperanças atuais em relação às eleições legislativas, previstas para 18 de novembro, não podem ser defraudadas. "Se estas esperanças não se confirmarem, em novembro, será extremamente difícil para mim, provocar um apoio da comunidade internacional em favor deste país", declarou o diplomata da ONU.

"Ambiente favorável para o combate às drogas"

Além de falar sobre as eleições guineenses, José Viegas Filho também defendeu que na Guiné-Bissau há condições favoráveis para o combate ao tráfico de droga e salientou que este crime "é um problema mundial, extremamente difícil" de combater, mas que no caso guineense talvez haja esperança.

"Eu acredito que o facto de a Guiné-Bissau ser um país relativamente pequeno, uma população relativamente pequena e ser um país de trânsito, muito mais do que um país do consumo, possam existir mais condições favoráveis para um efetivo combate ao tráfico", considerou Viegas Filho, que ainda não se reuniu com o representante da agência da ONU para a Droga e o Crime Organizado (ONUDC) para o país.

Mas, das descrições telefónicas que tem recebido do encarregado da ONUDC para Guiné-Bissau, mas residente no Senegal, há esforços a serem feitos, notou Viegas Filho.

Lusa | Deutsche Welle

Guiné-Bissau | A Avenida João Bernardo Vieira (Nino) e os quinhentos milhões “voaram”?

O nosso S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV se autodenunciou ao evocar a questão do cheque de 500'000'000,00 (quinhentos milhões) de F CFA’s na sua entrevista do balanço dos seus 4 anos do exercício do poder presidencial

Abdulai Keita* | opinião

Muitos cidadãos bissau-guineenses e além viram o ato no dia 02 de Junho de 2016. O nosso S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV, a entregar publicamente um cheque, na Presidência da República, segundo as infos então transmitidas pelos órgãos da comunicação social com pompas e tambores, no valor de 500’000’000,00 (quinhentos milhões) de F CFA’s (=763’358,78 EUR à 655,00 F CFA/EUR) a então seu recém-nomeado Premiê Baciro Djá. Nomeado, antes, no dia 26 de Maio deste mesmo ano. Afirmando na ocasião, sempre segundo as mesmas fontes, de tratar-se de uma doação da Agência de Cooperação Guiné-Bissau/Senegal, que, pelas suas diretivas próprias ia ser destinada à construção, em Bissau, da “Avenida João Bernardo Vieira (Nino) ”. A Avenida que ia ligar a Praça dos Heróis Nacionais no centro da cidade à zona industrial de Bolola. Este então seu novo So Premiê Baciro tendo-o seguido para logo acrescentar, de que, esse elenco que ia liderar e que ia ser investido naquele dia mesmo, ia evidentemente “começar a trabalhar a partir dessa obra” (a dita “Avenida”).  

O ato todavia naquele preciso momento, no meu olhar, estava manchado de um “pequeno” vício. Em tudo, não se tinha dignado a esclarecer aos cidadãos bissauenses e além, visto o tal modo de norma procedimental adotado naquela transação, sobre a questão de, a quem é que a tal doação se destinava direta e originalmente; a nosso S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV, pessoalmente, ou ao Estado da República da Guiné-Bissau.
        
Foi o porquê deste ato ter-me levado logo a colocar-me uma série de questões que, para mim, ainda continuam atuais, agora acrescida de mais outra, após este ates aludido ato de entrevista, a saber:

(1) Pode o Gerente de uma Agencia Mista do Estado da Guiné-Bissau e um outro, neste caso o do Senegal, portanto uma Instituição estatal, proceder à doação de tanta soma de dinheiro “cash” (em cheque), assim, tão simplesmente, a alguém; a nosso Estado, ou a nosso S. Exa. So Presi, ou via este, a uma ou outra entidade estatal?

(2) Como é que se gere os fundos e se costuma levantar as importantes somas de dinheiro naquela Agencia Mista?

(3) Será este gesto, neste quadro, um gesto legal ou um a considerar como a tentativa de uma camuflada sedução (tráfico de influências; aliciamento; corrupção) ao encontro do nosso S. Exa. So Presi? E no fundo, no fundo, partindo de quem?

(4) E para já, quanto é que o Gerente levantou de facto, em relação a esta operação nos cofres daquela Agencia, apenas esta soma doada a So Presi (ou a outra entidade)?

(5) Porque é que o nosso So Presi não o mandou ir depositar a tal soma de tanto dinheiro (em cheque) no tesouro, logo imediatamente, como isso se deve pelos imperativos procedimentais segundo ele mesmo (“o dinheiro do Estado no Cofre do Estado”)?

(6) E de outro lado, porque é que o nosso S. Exa. So Presi, por sua vez, também decidiu entregar assim, “cash” (em cheque), esta mesma soma e toda, a So Premiê Baciro, sem a diretiva deste mandar deposita-la imediatamente no tesouro como se deve, mesmo pensando no objetivo então anunciado da sua utilização posterior para a construção da tal dita Avenida?

(7) E, após tudo isso, ia o So Premiê, pela iniciativa própria, mandar depositar este dinheiro (cheque) no tesouro (“cofre de Estado”) ou não, na sua totalidade?

(8) Mas ainda, com efeito, e à partida de tudo, a construção desta "Avenida João Bernardo Vieira – Nino”, encontrava-se já prevista no Orçamento Geral de Estado do Executivo do So Premiê Baciro? Previsto para que montante?

(9) E, como tanto o Programa deste Governo e assim como seu Orçamento Geral de Estado, a que tudo indicava, iam ser difícil a serem aprovados devidamente pela ANP, e se isso não viesse acontecer, em que pé é que tudo iria ficar? Etc. etc.

E agora, até a presente data (23.06.2018), não se viu nada da construção desta "Avenida João Bernardo Vieira - Nino"… Nada mesmo! Puto!

(1) O que é que se fez com esta importante soma de dinheiro então, entretanto?

(2) Com efeito e para já, este cheque com esta importante soma de dinheiro, após ter sido entregue a So Premiê Baciro, porque é que este, por iniciativa própria, não o mandou depositar no tesouro?

(3) E ainda, não sendo assim, foi logo então, ou não foi depositado numa conta bancaria e de quem, no qual banco? Etc.

Eis diferentes aspetos deste assunto colocados, segundo a mim, desde à partida deste affaire e atualmente, ainda devendo ser esclarecidos em todo o primeiro lugar. E que podem e devem ser esclarecidos.

Ora, em vez disso, primeiro veio So Ex Premiê Baciro três meses atrás e agora segue também aí o nosso S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV, nesta antes citada sua entrevista gravada no dia 13 de Junho de 2018 e publicada mais tarde, sobre o balanço dos seus 4 anos do exercício do poder presidencial; os dois a fazer-nos o Pingue-pongue de “entreguei-lhe/não me devolveu” o cheque de 500’000’000,00 (quinhentos milhões) de F CFA’s. Deixando assim o mundo todo sem saber em que pé é que se está agora nisso.

Que a leitora/o leitor me desculpe, mas ora bolas pa, o que é isso?! Que banalização da gestão da coisa pública e das instituições do Estado?! E que descrédito de alguém, no posto do Presidente da República, tendo feito dos géneros da matéria aqui em pauta, a sua; a palavra de ordem, a diretiva para a governação dos fundos do Estado (do povo), ou seja, o seu grande slogan; essa fórmula grande de, “DINHEIRO DO ESTADO NO COFRE DO ESTADO”.

Eis, é por tudo isso é que, na realidade, e bem visto, o que fez e disse o nosso S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV nesta tal referida sua entrevista do balanço dos seus 4 anos do exercício do poder presidencial, referindo-se a este assunto é pura e simplesmente um ato de autodenuncia. Uma autodenuncia, para já e sobretudo se tudo vir ficar assim, de terem os dois, ele e Baciro, desviado esta soma em cumplicidade conjunta. E nesse conluio, sendo o Gerente, o ator aliciante (corruptor) de partida; aliciante dos dois e o cúmplice instigador de toda a operação, caso que tenha agido fora das normas procedimentais da sua instituição e além. Em todo o caso, em tudo, coisa claríssima de A a Z para a justiça.

Brincadeira pa. Falou-se tanto e fala-se ainda sempre tanto do “DINHEIRO DO ESTADO NO COFRE DO ESTADO” e depois isso. Sem vergonha. Grande troça do Estado bissau-guineense e pura falta de respeito para com todos os cidadãos bissau-guineenses (Mulheres e Homens). Mas acima de tudo, uma irresponsabilidade política gritante sem igual no mais alto nível dos escalões do nosso Estado. Será que estes três implicados diretamente nesse affaire não vêm e nem sentem isso tudo. Se interroga!

Bom, por enquanto é assim. Mas que todavia se saiba e que saibam bem! O povo bissau-guineense não é burro e muito menos lixo. Um modo de liderança assente no rigor, na disciplina e no respeito irrestrito das normas e Leis da República há de voltar neste país, a Guiné-Bissau. Isso será, sem falta, tal como foi no passado, no “tempo de Cabral”, como costuma dizer o povo.

Obrigado.
Pela honestidade intelectual.
Por uma Guiné-Bissau de Homem Novo (Mulheres e Homens), íntegro, idóneo e, pensador com a sua própria cabeça. Incorruptível!
Que reine o bom senso.  
Amizade.
A. Keita*

*Pesquisador Independente e Sociólogo (DEA/ED) | E-mail: abikeita@yahoo.fr

“Olhe que não, olhe que não!”, Sr. Presidente


Quem me lê que eleja um conceito de democracia. No que me toca, não satisfaz o que ouvi do Senhor Presidente da República e o que li nos meus dicionários, porque a democracia não se esgota no uso do voto, nem se restringe à intervenção dos representantes eleitos.

Vítor Ranito | AbrilAbril | opinião

Considerações «vindas do coração» já as ouvi em diálogo com amigos. Nessas circunstâncias, a falta de rigor dos termos usados, as adjectivações desajustadas, serão compreendidas como deficiência habitual na oratória caseira. 

Mas um alto dignitário, perante jornalistas, microfones e objectivas da televisão, para mais sendo professor catedrático, deve necessariamente pensar com o cérebro e controlar o que lhe dita o «coração». Mesmo que, nele, bata do lado direito.

Em concreto, entendo que o Presidente da República desenvolve as suas responsabilidades em nome de uma entidade complexa, a totalidade dos portugueses, tenham-lhe dado o voto ou não, um povo que integra diferentes gerações, diversas camadas e classes sociais, desiguais graus de informação, formação e cultura, e uma pluralidade de opções político-ideológicas. 

Por isso, nas suas intervenções dirigidas a essa massa multifacetada de povo, é de esperar do Presidente que opte por uma atitude de equilíbrio, distanciando-se de privilegiar os gostos e interesses dos seus amigos e apoiantes partidários – equilíbrio que não usou quando considerou Carlucci um importante construtor da democracia em Portugal. 

Procurarei aqui não repetir, acerca do tema, as considerações indignadas de muitos outros conhecedores da acção dessa escola de formação e intervenção democrática, a CIA, que Carlucci serviu e dirigiu. A verdade é que Carlucci veio mandado para o nosso país para organizar e orientar o processo destinado a (tal como o socialista Gonelha em relação à Intersindical) «quebrar a espinha à Revolução de Abril». 

A verdade é que esse processo foi integrado por uma componente propagandística baseada em boatos que estimulam preconceitos, incendeiam ódios e quebram a coesão do povo; na propagação de falsidades que fomentam a agressividade; na recuperação dos antigos alvos que o fascismo salazarista tinha perseguido e tentado abater – esse processo provocou mais de 300 atentados bombistas e quase 200 assaltos e incêndios, num total de 566 actos terroristas, que atingiram por 160 vezes o PCP, por 53 vezes o MDP, por 32 vezes outros partidos de esquerda, por 16 vezes o PS, e também 40 órgãos de comunicação social e instituições culturais, 31 sindicatos e 19 estruturas militares. 

Será democrata, será vulto da nossa democracia – a democracia plasmada na Constituição da República Portuguesa – quem orientou materialmente e em parte financiou organizações e actos terroristas, bem como grupos de caceteiros contratados e pagos por alguns patrões do Norte para perseguirem e agredirem activistas sindicais nas empresas? 

A verdade é que tais métodos são claras expressões da prática cianesca, posta ao serviço de uma determinada ideia de democracia, a verdadeira democracia, única legítima, a democracia exemplar para todo o Universo, na concepção das diferentes Administrações e, agora, de Donald Trump – a democracia que permite ao patronato forçá-la a ficar do lado de fora do portão das empresas – eis a democracia que agrada ao capital. 

Tudo faz lembrar, em tempos e situações políticas diferentes, as perseguições e as costumeiras vítimas dos torcionários da PIDE, os mesmos interesses de classe protegidos pelo fascismo, enfim a velha ordem tipo salazarista.

Dirão alguns que estou a utilizar a tal «cassete»... Chamem-lhe o que quiserem, mas eu, que nunca tive sorte ao jogo, aceito apostar singelo contra dobrado em como, perguntados sobre o antigo director da CIA e ex-embaixador dos EUA em Lisboa, os dirigentes patronais responderão:  

 – Um democrata, claro! 

E, contudo, Carlucci era homem da máxima confiança política do seu chefe, o Secretário de Estado Henry Kissinger, cujos críticos acusam de ser responsável por crimes de guerra, politico americano que disponibilizou meios humanos, materiais e financeiros para incentivar o massacre das oposições democráticas e o derrube de governos legítimos, do Zaire ao Camboja e à América do Sul, onde foi cúmplice dos fascistas de Pinochet contra o regime de Salvador Allende, democraticamente eleito. 

E foi este «democrata» norte-americano nobelizado [!] Henry Kissinger, quem deu luz verde à invasão de Timor Leste pela Indonésia, donde resultaram cerca de duas dezenas de anos de violência e mais de 100.000 mortes, civis e militares, como saberá Marcelo Rebelo de Sousa. 

Mário Soares, conhecendo bem com quem emparelhava, tinha Frank Carlucci como seu especial amigo. Aliás, Soares, com a arrogância frequente nos ganhadores, não escondeu ter recebido aconselhamentos e orientações desse especial amigo; nem negou o financiamento da Administração Americana para criar condições de regresso e retoma do poder por gente como Ricardo Espírito Santo e outros que tais, para a luta contra a influência dos militares revolucionários de Abril e dos suspeitos de apoiarem os comunistas em particular.  

Em minha opinião, daqui só podemos concluir pela conveniência de, em tempo oportuno, se avaliar com objectividade o mito erguido em torno de Mário Soares e de se aprofundar a compreensão do carinho com que a direita evoca o seu protagonismo político no pós-25 de Abril. Útil será, ainda, corrigir as significações lexicais do vocábulo democracia. 

Entretanto, aquela que é a opinião legítima do cidadão Marcelo Rebelo de Sousa não deve ser usada pelo Presidente da República em oposição a quem, justa e fundamentadamente critica a imposição dos chamados interesses dos EUA a outros Estados soberanos.   

O Presidente deveria ponderar a existência no país, até entre os seus eleitores, de muita gente que recusa a altivez com que os norte-americanos propagandeiam a ideia «do estilo de vida americano». Deveria ter tido em conta que ainda mais gente conhece e repudia as actividades e os métodos da CIA.   

E não se acuse a esquerda nacional de propagandear as agressões estadunidenses no estrangeiro, porque a mais sistemática divulgação de tais agressões, a mais insistente caracterização da CIA enquanto ninho de torturadores e assassinos, tem origem no cinema holiodesco de série B, que hegemoniza a distribuição fílmica no país. 

Descontados nesses filmes eventuais exageros da ficção, só em delírio se acreditará que a CIA forme democratas e aplique os seus ilimitados meios para ajudar Governos «do povo, pelo povo, para o povo», conforme a conhecida definição de Abraham Lincoln.

Constata-se que a aplicação do termo democracia evoluiu com as circunstâncias políticas e sociais das diferentes épocas. Terá surgido na Grécia Antiga, em meados do século V de antes da nossa era, para designar a forma de governo ali praticada.

Na ideia de Aristóteles, podiam ser três as formas de governo: o «governo de um» (monarquia), o «governo de alguns» (aristocracia) e o «governo de muitos» (politeia), cujas expressões degradadas seriam, respectivamente, a «tirania», a «oligarquia», a «democracia».

Contudo, de «um» a «muitos» ficava excluída a participação da grande maioria composta dos residentes, constituída por mulheres, estrangeiros e escravos, aos quais estavam vedados direitos de cidadania: estes eram reservados apenas aos proprietários de terras, maiores de 18 anos, filhos de pais atenienses. 

Em busca de uma definição contemporânea, li no Dicionário Ilustrado Lello Universal: «Democracia: Governo em que o povo exerce a soberania popular (que exagero! digo eu); classes populares».

Significação semelhante encontrei na 8.ª edição do Dicionário Complementar da Língua Portuguesa, de Augusto Moreno. Já o Dicionário de Português, 3.ª edição, da Porto Editora, e o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, editado pelo Círculo de Leitores, acrescentam à definição anterior a consideração da representação da vontade dos cidadãos através do sufrágio universal.

Pelo seu lado, as formações político-partidárias elaboram o conceito reflectindo a existência de diferentes interesses de classe (que, no entanto, algumas se recusam a reconhecer) e a perspectiva de sistema social e político que defendem. 

Para a democracia-cristã, a democracia deve mostrar-se ligada aos ensinamentos e princípios cristãos, visando uma sociedade onde a generalidade dos cidadãos consiga alcançar a propriedade privada – obviamente com repúdio do comunismo.

Na evolução da formulação social-democrata foi sendo esquecida a herança histórica do reformismo de tipo lassaliano, foi-se distanciando do marxismo, abandonou a ideia de ruptura com o sistema social e político capitalista, e enveredou pelo uso enfático da identificação com o designado «socialismo democrático» – ou seja, os ideólogos da social-democracia vêm resvalando sobre a direita e consolidando o gosto pelas alianças prioritárias com as formações representativas dos interesses do capital. 

Por sua vez, os comunistas, que se mantêm firmes na defesa dos interesses de classe dos trabalhadores, na perspectiva da edificação de uma sociedade sem explorados nem exploradores, defendem que a democracia deve integrar quatro vertentes inseparáveis – a política, a económica, a social e a cultural.

Quem me lê que eleja um conceito de democracia. No que me toca, não satisfaz o que ouvi do Senhor Presidente da República e o que li nos meus dicionários, porque a democracia não se esgota no uso do voto, nem se restringe à intervenção dos representantes eleitos.

O conteúdo constitucional parece-me uma boa referência para a construção de uma mais correcta definição de democracia. Mau grado a incomodidade do poder dominante, outros tipos de intervenção dos cidadãos integram a substância do carácter democrático de um Estado.

Sendo isso uma realidade, filólogos deveriam empenhar-se na eliminação do primarismo e da plasticidade da actual definição comum do vocábulo em causa, pelo menos admitindo as diferenças de acepções que espelham os interesses de classes conflituantes na sociedade. 

Foto: DN.pt

Portugal | “Troika” de partidos trava contribuição sobre grandes lucros com pequenos salários

O PS, o PSD e o CDS-PP chumbaram a proposta do PCP para ampliação das fontes de financiamento da Segurança Social, através de uma contribuição sobre os lucros das empresas.

Os três partidos alinharam-se, mais uma vez, no voto contra uma proposta da bancada comunista. O PCP pretendia chamar as empresas que conseguem mais lucros empregando menos trabalhadores para prestarem uma contribuição adicional para o sistema público de Segurança Social.

A nova contribuição incidiria sobre o Valor Acrescentado Líquido das empresas, o que significa que, enquanto para a generalidade das pequenas e médias empresas não resultaria num aumento de encargos, permitiria ir buscar recursos a empresas com lucros elevados e cuja massa salarial é mais reduzida, como no sector financeiro.

No encerramento do debate, o líder parlamentar comunista, João Oliveira, lembrou a afirmação de João Galamba de que existe uma divisão no Parlamento, desafiando a bancada do PS a assumir de que lado está.

À direita, imperou a mistificação em torno do que efectivamente constava da proposta. Tanto o PSD como o CDS-PP anunciaram um aumento da tributação sobre as empresas em 10,5%, quando a proposta previa que desse valor fossem descontadas as contribuições sobre a massa salarial.

O projecto foi chumbado com os votos a favor do BE, do PCP e do PEV, a abstenção do deputado do PAN e o voto contra do PS, do PSD e do CDS-PP·

AbrilAbril

Racismo tripeiro | A INSEGURANÇA NOS STCP É SÓ PARA OS "PRETOS DE MERDA"?


O racismo e a xenofobia estão presentes na sociedade portuguesa e é algo que está empedernido por entre grande parte da população. O mito de que os portugueses não são racistas nem xenófobos esbarra no dito comum que dizem naturalmente "vai para o teu país" e no "estes pretos de merda". É comum ouvir isto. Não há mais lugar para o racismo e xenofobia dos portugueses se esconder. Desde tenra idade que os portugueses (ditos brancos) aprendem a ser racistas. Por esse motivo o trabalho tem de começar por aí, não só com as crianças mas principalmente com os pais, com as famílias. Enquanto assim não acontecer, nada feito. (PG)

Administração Interna abre investigação à PSP na agressão a jovem colombiana no Porto

Eduardo Cabrita diz que “não tolerará fenómenos de violência nem manifestações de cariz racista ou xenófobo”

Inspeção Geral da Administração Interna abriu um processo administrativo com o objetivo de esclarecer a atuação da PSP no caso da jovem mulher colombiana que foi insultada e agredida no Porto por um vigilante da 2045, empresa de segurança privada que presta serviços à STCP. A informação foi divulgada nesta quinta-feira através de um comunicado do Ministério da Administração Interna, em que se garante que Eduardo Cabrita “não tolerará fenómenos de violência nem manifestações de cariz racista ou xenófobo”.

O comunicado surge na sequência das diversas questões suscitadas hoje na Assembleia da República pelos diversos grupos parlamentares e recorda que “estão em processo legislativo as alterações à Lei da Segurança Privada”.

O caso sucedeu por volta das cinco horas da manhã do passado domingo, quando Nicol Quinayas, de 21 anos, que aguardava pelo autocarro da linha 800 na paragem do Bolhão, no Porto, foi impedida de entrar no veículo de transporte público. Antes de agredir com violência a mulher, o fiscal da STCP exclamou: “Aqui não entras, preta de merda”. A jovem, acompanhada por duas amigas, foi atacada com socos e teve de ser transportada para o Hospital Santo António, apresentando um traumatismo facial. O ofensor terá ainda gritado: “estes pretos não aprendem”.

Na tarde desta quinta-feira, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, considerou estar-se perante "uma situação absolutamente inaceitável em Portugal". Questionado sobre o requerimento que os deputados do PS eleitos pelo Porto entregaram na Assembleia da República, em que lhe exigem explicações sobre estas agressões de caráter racista à jovem de origem colombiana, Matos Fernandes indicou que a empresa Serviços de Transporte Coletivo do Porto "já não está sob" sua "tutela". "A gestão da STCP foi entregue à Área Metropolitana" do Porto "e às autarquias que hoje exploram" a empresa, esclareceu o ministro do Ambiente.

Contudo, João Pedro Matos Fernandes reconheceu que, "ainda que longinquamente, há um contrato de serviço público" respeitante à empresa assinado pelos ministérios do Ambiente e das Finanças, pelo que solicitou esclarecimentos à STCP. "Antes dessa notícia", sobre a entrega do requerimento no parlamento, "já tinha escrito duas cartas", indicou o ministro, explicando que uma foi dirigida ao ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, para que o seu colega do Governo o mantivesse "informado daquilo que foi sendo feito". A outra carta foi enviada "à STCP, não a determinar nada porque o poder de tutela não é meu", mas para "ter a certeza de que já foi aberto um inquérito e a pedir para que, com a maior brevidade possível, me fossem transmitidas as conclusões desse inquérito", acrescentou.

O requerimento dos deputados do PS/Porto - encabeçado por Renato Sampaio e Isabel Santos - foi dirigido ao ministro João Pedro Matos Fernandes com a justificação de que este tem a tutela da STCP. Também a constitucionalista e deputada socialista Isabel Moreira entregou outro requerimento, dirigido ao ministro da Administração Interna, para apurar qual foi a atuação dos agentes da PSP neste caso de agressões à jovem colombiana.

Expresso

Vítimas pedem 327 mil euros a 17 polícias acusados de agressões na Cova da Moura


Indemnização visa cobrir danos patrimoniais e não patrimoniais, incluindo despesas relativas a tratamentos, reparações de danos e deslocações

Seis jovens da Cova da Moura, concelho da Amadora, alegadamente agredidos e alvo de insultos racistas por parte de 17 polícias da Esquadra de Alfragide, reclamam em tribunal uma indemnização aos arguidos superior a 327.000 euros.

No Pedido de Indemnização Civil (PIC) -- apresentado em conjunto -, a que a agência Lusa teve acesso nesta quinta-feira, os seis jovens pedem que os arguidos sejam condenados a pagar, entre todos, uma indemnização total de 327.000 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, incluindo despesas relativas a tratamentos, reparações de danos e deslocações.

O valor pedido é justificado com a tipologia de crimes de que os arguidos estão acusados, "todos tendo por base motivos de origem étnica e sendo praticados por agentes de segurança pública a quem cabe a maior missão de proteção dos cidadãos".

Os agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) respondem por denúncia caluniosa, injúria, ofensa à integridade física e falsidade de testemunho, num caso que remonta a 05 de fevereiro de 2015, por supostas agressões a seis jovens, na Cova da Moura e no interior da Esquadra de Alfragide.

Os arguidos, que começaram a ser julgados em 22 maio, no Tribunal de Sintra, estão também acusados dos crimes de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, de sequestro, de omissão de auxílio e de falsificação de documento.

Em julgamento, todos os 17 arguidos prestaram declarações para negar os crimes os factos ilícitos descritos na acusação do Ministério Público (MP). Na última sessão foi ouvido a primeiro dos jovens, que confirmou as agressões e os insultos racistas alegadamente praticados pelos polícias, que foram impedidos pelo tribunal de assistirem ao depoimento.

Nessa sessão, realizada na terça-feira, o procurador do MP pediu que as seis vítimas, que se constituíram assistentes no processo, e duas das testemunhas, fossem inquiridas na ausência dos arguidos na sala de audiências, com base no estatuto das vítimas de criminalidade violenta, consideradas especialmente vulneráveis.

A próxima sessão ficou agendada para as 13:45 de 10 de julho, com a inquirição de duas testemunhas. Segundo a acusação do Ministério Público (MP), os elementos da PSP, à data dos factos a prestar serviço na Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Amadora, espancaram, ofenderam a integridade física e trataram de forma vexatória, humilhante e degradante as seis vítimas, além de incitarem à discriminação, ao ódio e à violência por causa da raça.

Na acusação, o MP considera que os agentes agiram com ódio racial, de forma desumana, cruel e tiveram prazer em causar sofrimento. A acusação refere que, além das agressões, os jovens foram alvo de frases xenófobas e racistas, alegadamente ditas pelos arguidos durante o período de detenção nas esquadras de Alfragide e da Damaia, bem como no trajeto para o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, onde pernoitaram "deitados no chão" e algemados.

Lusa | em Expresso

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