Portanto, não nasci em Cabinda. E
talvez por isso esteja numa posição de imparcialidade, digamos, para falar
sobre o território por não ter relação de pertença geográfica, mas também sei
que por não a ter me é igualmente cara abordar a questão.
Sedrick de Carvalho | Folha 8 |
opinião
Para exemplificar a minha posição
com uma situação semelhante, actual e próxima de onde estamos, imaginemos um
jovem madrileno a defender publicamente um estatuto diferente para Catalunha.
Podemos antever o tratamento que receberia, por exemplo, do governo de Mariano
Rajoy quando comparamos ao que deu às pessoas que foram votar no referendo.
Espero que o novo governo
espanhol, cujo primeiro-ministro representa uma geração mais nova e próxima da
minha, tenha outra postura.
E aquela repressão não é
comparável à repressão angolana.
E por falar em geração…
Pepetela, no seu célebre «Geração
da Utopia», fala, desapontado, que o rumo que o país levava não era o que a sua
geração havia combinado durante a luta pela independência. É uma obra ficcional,
sei, mas tem sido mais fácil encontrar a verdade nessas obras.
E há muito tempo que me tenho
questionado o seguinte: Mas o que afinal foi combinado? Qual foi o acordo? E
onde está esse acordo?
Saber o que foi combinado de
facto é importante para percebermos o que motivava os lutadores pela nossa
independência, pois só assim saberemos se realmente estavam dispostos a
construir um país. E para fazer um país é preciso ter um projecto de construção
do país, escrito, flexível na estratégia mas inflexível no objectivo, como
dizia Nelson Mandela.
Dentre os três movimentos de
libertação nacional, apenas a UNITA aponta ao seu “Projecto de Mwangai” para
afirmar que sempre teve um projecto para Angola, projecto que, entretanto,
nunca vi, mesmo pedindo.
Falo sobre o projecto de
construção do país porque, ao existir, saberíamos o que os lutadores pela
independência pensaram em específico para Cabinda. Mas se não há, pelo menos
sabemos que Cabindas fizeram parte dos três movimentos e, por essa via, talvez
se pensasse estar definido um projecto para Cabinda.
Talvez estivesse combinado
verbalmente. Maybe! Mas para construção de um país é indispensável ter o
combinado por escrito, apesar de nem os escritos serem respeitados, como todos
sabemos.
Se existisse um projecto de
construção do país, onde, se calhar, começaria pela definição do nome, então
necessariamente Cabinda deveria ter um estatuto diferente. Mas não só Cabinda.
Na véspera da Conferência de
Berlim deu-se a Corrida aos Tratados para se assegurar os territórios na mesa
de retalho do continente africano. Para além dos três tratados celebrados por
personalidades Cabindas com Portugal – nomeadamente tratado de Chinfuma,
Chicamba e o Simulambuco -, a Lunda também realizou um tratado de protectorado
em 1885, e pouco depois o Moxico também.
Friso esses tratados para
destacar o que num projecto de construção de país deveria constar: o modelo de
Estado – se o unitário ou o federado.
Entretanto o país continua a
somar, e passados 43 anos desde a independência temos Cabinda em três fases, as
mesmas que Angola.
1.ª Independência Nacional –
Agostinho Neto
Iniciada em 1975, a primeira fase
é o início da problemática Cabinda, com o Acordo de Alvor a não respeitar o
tratado de Simulambuco e tão-pouco a própria Constituição portuguesa à altura
que dizia claramente, no n.º 2 do artigo 1.º, que Cabinda, à igualdade de
Moçambique e Angola, só para citar, era território português.
O importante era a
descolonização, compreendo, mas em seguida não se fez nenhuma reflexão – pelo
menos não publicamente – sobre esse erro descolonizador, nem sobre tantos
outros. Imediatamente Agostinho Neto mergulha em vários conflitos para
afirmação do poder do MPLA perante os outros partidos e dele mesmo
internamente, com purgas sangrentas até hoje por se explicar e que penso termos
nesta sala algumas vítimas directas.
Todo o sangue que corria não dava
espaço sequer para se falar colectivamente sobre Cabinda.
2.ª Guerra Civil e Pós-Guerra
Civil – José Eduardo dos Santos
A morte de Agostinho Neto abre a
segunda fase para Cabinda, desta vez tendo José Eduardo dos Santos como o
interlocutor imediato. Mas rapidamente o espaço é preenchido com a violência
típica duma guerra civil.
Com o fim da guerra em 2002,
ficou incontornavelmente clara a necessidade de resolver-se a questão Cabinda.
Porém, o regime angolano optou por agir como lhe é característico – com o
monopólio da violência de Estado -, ao perseguir a verdadeira sociedade civil
Cabinda, da qual fazem parte as três personalidades que nos honram com a sua
participação aqui, e a FLEC-FAC, substituídos por um Fórum Cabindês para o
Diálogo chefiado pelo hoje militante do MPLA Bento Bembe. Em 2006 é celebrado
entre o Executivo e o Fórum o denominado Memorando de Entendimento para a Paz e
Reconciliação na Província de Cabinda, que estabelece um Estatuto Especial para
o enclave. Entretanto, nem esse acordo está a ser respeitado, e o Fórum não
reivindica o seu cumprimento. E assim chegamos à terceira fase.
3.ª Pós-José Eduardo dos Santos –
João Lourenço
Encontramo-nos nesta fase. É uma
etapa completamente diferente das anteriores, pois João Lourenço – e, claro, o
sempre MPLA – não tem guerra para justificar o silenciamento de Cabinda. E mais
ainda porque temos perdido, enquanto Estado, várias oportunidades para
idealizar o destino do país em vários aspectos, como, neste caso, o modelo de
organização territorial.
É aqui onde entra a minha posição
sobre o que penso ser conveniente para Cabinda e Angola. Mas primeiro digo o
seguinte: Não nasci em Cabinda, como frisei, pelo que a minha opinião é só
mesmo isso, mas acresce o facto de que os Cabindas têm voz principal sobre o
seu destino.
Dito isto… Penso que o ideal para
Cabinda é torná-la uma região autónoma, à igualdade dos Açores e Madeira,
preservando o Estado unitário plasmado na actual Constituição de Angola. Essa é
uma resolução a médio prazo, em que as autarquias poderão servir também para
apaziguar o ímpeto separatista das regiões Lunda e Moxico.
A longo prazo, antevejo uma
necessária criação de um Estado federal.
Porquê Estado federal? Porque não?
Nota: Texto apresentado na
mesa-redonda organizada pelo CEI-IUL, Plataforma de Reflexão Angola e Núcleo de
Estudantes Africano, no ISCTE, no dia 21 de Junho, em Lisboa, subordinada ao
tema «Cabinda nas suas diversas perspectivas».
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