sexta-feira, 29 de junho de 2018

DA ANEXAÇÃO À LIBERTAÇÃO DE CABINDA


Portanto, não nasci em Cabinda. E talvez por isso esteja numa posição de imparcialidade, digamos, para falar sobre o território por não ter relação de pertença geográfica, mas também sei que por não a ter me é igualmente cara abordar a questão.

Sedrick de Carvalho | Folha 8 | opinião

Para exemplificar a minha posição com uma situação semelhante, actual e próxima de onde estamos, imaginemos um jovem madrileno a defender publicamente um estatuto diferente para Catalunha. Podemos antever o tratamento que receberia, por exemplo, do governo de Mariano Rajoy quando comparamos ao que deu às pessoas que foram votar no referendo.

Espero que o novo governo espanhol, cujo primeiro-ministro representa uma geração mais nova e próxima da minha, tenha outra postura.

E aquela repressão não é comparável à repressão angolana.

E por falar em geração…

Pepetela, no seu célebre «Geração da Utopia», fala, desapontado, que o rumo que o país levava não era o que a sua geração havia combinado durante a luta pela independência. É uma obra ficcional, sei, mas tem sido mais fácil encontrar a verdade nessas obras.

E há muito tempo que me tenho questionado o seguinte: Mas o que afinal foi combinado? Qual foi o acordo? E onde está esse acordo?

Saber o que foi combinado de facto é importante para percebermos o que motivava os lutadores pela nossa independência, pois só assim saberemos se realmente estavam dispostos a construir um país. E para fazer um país é preciso ter um projecto de construção do país, escrito, flexível na estratégia mas inflexível no objectivo, como dizia Nelson Mandela.

Dentre os três movimentos de libertação nacional, apenas a UNITA aponta ao seu “Projecto de Mwangai” para afirmar que sempre teve um projecto para Angola, projecto que, entretanto, nunca vi, mesmo pedindo.

Falo sobre o projecto de construção do país porque, ao existir, saberíamos o que os lutadores pela independência pensaram em específico para Cabinda. Mas se não há, pelo menos sabemos que Cabindas fizeram parte dos três movimentos e, por essa via, talvez se pensasse estar definido um projecto para Cabinda.

Talvez estivesse combinado verbalmente. Maybe! Mas para construção de um país é indispensável ter o combinado por escrito, apesar de nem os escritos serem respeitados, como todos sabemos.

Se existisse um projecto de construção do país, onde, se calhar, começaria pela definição do nome, então necessariamente Cabinda deveria ter um estatuto diferente. Mas não só Cabinda.

Na véspera da Conferência de Berlim deu-se a Corrida aos Tratados para se assegurar os territórios na mesa de retalho do continente africano. Para além dos três tratados celebrados por personalidades Cabindas com Portugal – nomeadamente tratado de Chinfuma, Chicamba e o Simulambuco -, a Lunda também realizou um tratado de protectorado em 1885, e pouco depois o Moxico também.

Friso esses tratados para destacar o que num projecto de construção de país deveria constar: o modelo de Estado – se o unitário ou o federado.

Entretanto o país continua a somar, e passados 43 anos desde a independência temos Cabinda em três fases, as mesmas que Angola.

1.ª Independência Nacional – Agostinho Neto

Iniciada em 1975, a primeira fase é o início da problemática Cabinda, com o Acordo de Alvor a não respeitar o tratado de Simulambuco e tão-pouco a própria Constituição portuguesa à altura que dizia claramente, no n.º 2 do artigo 1.º, que Cabinda, à igualdade de Moçambique e Angola, só para citar, era território português.

O importante era a descolonização, compreendo, mas em seguida não se fez nenhuma reflexão – pelo menos não publicamente – sobre esse erro descolonizador, nem sobre tantos outros. Imediatamente Agostinho Neto mergulha em vários conflitos para afirmação do poder do MPLA perante os outros partidos e dele mesmo internamente, com purgas sangrentas até hoje por se explicar e que penso termos nesta sala algumas vítimas directas.

Todo o sangue que corria não dava espaço sequer para se falar colectivamente sobre Cabinda.

2.ª Guerra Civil e Pós-Guerra Civil – José Eduardo dos Santos

A morte de Agostinho Neto abre a segunda fase para Cabinda, desta vez tendo José Eduardo dos Santos como o interlocutor imediato. Mas rapidamente o espaço é preenchido com a violência típica duma guerra civil.

Com o fim da guerra em 2002, ficou incontornavelmente clara a necessidade de resolver-se a questão Cabinda. Porém, o regime angolano optou por agir como lhe é característico – com o monopólio da violência de Estado -, ao perseguir a verdadeira sociedade civil Cabinda, da qual fazem parte as três personalidades que nos honram com a sua participação aqui, e a FLEC-FAC, substituídos por um Fórum Cabindês para o Diálogo chefiado pelo hoje militante do MPLA Bento Bembe. Em 2006 é celebrado entre o Executivo e o Fórum o denominado Memorando de Entendimento para a Paz e Reconciliação na Província de Cabinda, que estabelece um Estatuto Especial para o enclave. Entretanto, nem esse acordo está a ser respeitado, e o Fórum não reivindica o seu cumprimento. E assim chegamos à terceira fase.

3.ª Pós-José Eduardo dos Santos – João Lourenço

Encontramo-nos nesta fase. É uma etapa completamente diferente das anteriores, pois João Lourenço – e, claro, o sempre MPLA – não tem guerra para justificar o silenciamento de Cabinda. E mais ainda porque temos perdido, enquanto Estado, várias oportunidades para idealizar o destino do país em vários aspectos, como, neste caso, o modelo de organização territorial.

É aqui onde entra a minha posição sobre o que penso ser conveniente para Cabinda e Angola. Mas primeiro digo o seguinte: Não nasci em Cabinda, como frisei, pelo que a minha opinião é só mesmo isso, mas acresce o facto de que os Cabindas têm voz principal sobre o seu destino.

Dito isto… Penso que o ideal para Cabinda é torná-la uma região autónoma, à igualdade dos Açores e Madeira, preservando o Estado unitário plasmado na actual Constituição de Angola. Essa é uma resolução a médio prazo, em que as autarquias poderão servir também para apaziguar o ímpeto separatista das regiões Lunda e Moxico.

A longo prazo, antevejo uma necessária criação de um Estado federal.

Porquê Estado federal? Porque não?

Nota: Texto apresentado na mesa-redonda organizada pelo CEI-IUL, Plataforma de Reflexão Angola e Núcleo de Estudantes Africano, no ISCTE, no dia 21 de Junho, em Lisboa, subordinada ao tema «Cabinda nas suas diversas perspectivas».

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