Jovens brasileiros desconhecem as
atrocidades da ditadura
Leneide Duarte-Plon | Carta Maior
A política deliberada de
organização do esquecimento posta em prática pelos militares para apagar as
marcas dos crimes da ditadura foi muito eficaz.
A prova mais recente é a eleição de um ex-militar defensor da tortura e de torturadores notórios, com disseminação de mentiras para formatação de cérebros por whatsapp.
Mas ela vem de longa data, essa organização do esquecimento. Ela vem da anistia, imposta pelos militares, mas dissimuladaem negociação. Essa
anistia foi implantada para organizar uma amnésia generalizada das futuras
gerações.
Estarrecida, ouvi em Paris, este ano, um jovem cineasta brasileiro perguntar:
«Mas eles também torturavam padres durante a ditadura?»
A ditadura brasileira foi a mais eficaz na organização do esquecimento. O povo argentino e o povo chileno puderam instaurar processos e julgar responsáveis por crimes de tortura e desaparecimento forçado, considerados imprescritíveis. Mas a ditadura brasileira instaurou, ao contrário, a amnésia generalizada.
Assim, um ex-torturado pode cruzar na rua com seu torturador. As ruas, praças, avenidas e pontes ainda homenageiam generais que organizaram o terrorismo de Estado e morreram em completa impunidade.
A prova mais recente é a eleição de um ex-militar defensor da tortura e de torturadores notórios, com disseminação de mentiras para formatação de cérebros por whatsapp.
Mas ela vem de longa data, essa organização do esquecimento. Ela vem da anistia, imposta pelos militares, mas dissimulada
Estarrecida, ouvi em Paris, este ano, um jovem cineasta brasileiro perguntar:
«Mas eles também torturavam padres durante a ditadura?»
A ditadura brasileira foi a mais eficaz na organização do esquecimento. O povo argentino e o povo chileno puderam instaurar processos e julgar responsáveis por crimes de tortura e desaparecimento forçado, considerados imprescritíveis. Mas a ditadura brasileira instaurou, ao contrário, a amnésia generalizada.
Assim, um ex-torturado pode cruzar na rua com seu torturador. As ruas, praças, avenidas e pontes ainda homenageiam generais que organizaram o terrorismo de Estado e morreram em completa impunidade.
O lançamento em Paris do filme «Le silence des autres», documentário hispano-americano de Almudna Carracedo e Robert Bahar, suscitou matérias sobre a dor dos sobreviventes do franquismo que viram seus pais e mães assassinados e os assassinos anistiados em nome da unidade nacional.
«A Espanha foi convencida a renunciar à sua memória, em nome da democracia. A lei de anistia de 1977 se apresentava como uma medida de reconciliação, mas beneficiava apenas aos partidários da ditadura. Os republicanos já tinham sido punidos, por morte, prisão ou exílio. É preciso entender a cólera de um ex-dirigente estudantil por viver a alguns quarteirões de seu torturador ou o desespero da velhinha que sabe onde está enterrado seu pai, em uma fossa comum, mas nunca conseguiu a autorização de lhe dar uma verdadeira sepultura», escreveu esta semana no jornal «Le Monde» o crítico Thomas Sotinel sobre o filme.
O terrorismo de Estado
Sim, a ditadura brasileira torturou padres e um deles, Tito de Alencar, se suicidou na França em 1974, pois não podia mais viver atormentado dia e noite pelas ameaças de seus torturadores nas horas de sono e de vigília. Clarisse Meireles e eu reconstituímos sua vida no livro «Um homem torturado - Nos passos de frei Tito de Alencar», lançado em 2014 pela Civilização Brasileira.
Outro, padre Antônio Henrique Pereira Neto, coordenador da Pastoral da Arquidiocese de Olinda e Recife, um dos assessores do arcebispo dom Helder Câmara, foi sequestrado dia 26 de junho de 1968 pelo Comando de Caça aos Comunistas-CCC,
Era um recado indireto ao arcebispo de Olinda e Recife. Dom Helder não se acovardou. Denunciou no mundo inteiro a tortura, as prisões políticas e os desaparecimentos políticos do regime militar. Por sua luta pelos direitos humanos foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 1970, 1971, 1972 e 1973.
A história de padre Antônio Henrique e de Tito de Alencar e todas as outras atrocidades do terrorismo de Estado implantado durante a ditadura de 1964 devem ser contadas a cada nova geração. Os livros de História são a melhor arma contra a repetição da barbárie, quando não são reescritos pelos que idolatram torturadores.
Mas é necessário reconhecer que a esquerda não fez o necessário trabalho de memória para que as novas gerações conhecessem o terrorismo de Estado da ditadura.
A tentativa desse paradoxal governo militar de viés ditatorial eleito nas urnas de «monitorar» o sínodo dos bispos sobre a Amazônia, que vai se reunir em Roma em outubro, é mais um capítulo da luta pelo controle e neutralização da ala mais progressista e engajada da Igreja Católica, a CNBB, que o capitão-presidente qualificou de «ala podre da igreja».
Este ano ainda, a Igreja Católica pode vir a beatificar Dom Helder Câmara, execrado e censurado pela ditadura, que por quatro anos seguidos se empenhou em uma campanha sórdida de bastidores para que ele não recebesse o Prêmio Nobel da Paz.
Essa história foi levantada por um dossiê da Comissão Dom Helder Câmara da Memória e Verdade de Pernambuco. O dossiê se intitula «Prêmio Nobel da Paz: A atuação da ditadura militar brasileira contra a indicação de Dom Helder Câmara». Comentei em detalhes o assunto em texto a ser publicado na revista Carta Capital.
Será que o Nobel da Paz será influenciado este ano por pressões dos ignaros que dirigem o Brasil, no sentido de impedir a atribuição do prêmio a Lula?
Resposta em outubro de 2019.
Créditos da foto: Frei Tito de
Alencar Lima (Reprodução/Arquivo Nacional)
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