sábado, 2 de fevereiro de 2019

Donald Trump foi forçado a desistir?


Thierry Meyssan*

Renunciou o Presidente Donald Trump a mudar a política norte-americana? Submeteu-se ele à anterior classe dirigente do seu país? No decurso dos dois últimos meses, a sua Administração parece ter reorientado o AfriCom, o CentCom e o SouthCom. O primeiro comando militar do Pentágono teria sido autorizado a dar batalha aos projectos chineses no continente africano; o segundo teria sido envolvido na via da divisão do Médio-Oriente Alargado entre árabes e persas, e o terceiro no da destruição das estruturas estatais da Bacia das Caraíbas. Desde já estas novas missões acompanham-se de um retorno dos neoconservadores.

Desde as eleições intercalares, a 6 de Novembro de 2018, o Presidente Trump enfrenta uma pressão extremamente forte. As administrações federais foram fechadas a 22 de Dezembro (shutdown), por causa da oposição parlamentar ao projecto de orçamento que incluísse o financiamento de um Muro na fronteira mexicana. A crise só chegou ao seu final 35 dias mais tarde, a 25 de Janeiro de 2019. O Presidente Trump inclinou-se temporariamente perante as exigências do Partido Democrata. Segundo a S & P Global Ratings, o “shutdown” teria custado mais US $ 6 mil milhões (bilhões-br), ou seja um custo mais pesado que o Muro que seria suposto ter poupado [1].

Durante este período, a Administração Trump multiplicou os sinais de abandono da sua política Externa e de Defesa e apoio ao imperialismo norte-americano. Dado o modo de governança do promotor imobiliário, é possível que essa reviravolta completa seja apenas aparente e destinada a ser posta em causa a 15 de Fevereiro, a data do fim do acordo sobre o orçamento. Seja como for, de momento, inúmeros elementos levam a pensar que Donald Trump teria renunciado a promover a mudança que havia prometido.

- A 13 de Dezembro de 2018, na Heritage Foundation, o Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, expôs a nova estratégia dos EUA em África [2]:

• (1) desenvolver o comércio,
• (2) lutar contra o terrorismo islâmico,
• (3) vigiar a utilização da ajuda norte-americana.

Nada de muito novo, salvo que os objectivos comerciais foram longamente expostos já não como uma rivalidade face às antigas potências coloniais (França e Reino Unido), mas, antes, como um violento combate contra a China e a Rússia.

- A 20 de Dezembro, o Secretário de Defesa, o General James Mattis, enviou uma carta pública de demissão ao Presidente Trump [3]. Contrariamente ao que dizia a imprensa, ele concordava com a retirada de tropas da Síria, mas inquietava-se com a mensagem dada aos Aliados da Coligação anti-Daesh e, partindo daí, do possível fim da liderança norte-americana [4]. Considerando que não havia lição a receber em público, Trump demitiu imediatamente Mattis sem o deixar manter o exercício das suas funções durante o tempo de lhe encontrar um sucessor.

Todavia, cedendo aos seus críticos, o Presidente Trump voltou atrás e admitia que a retirada das tropas seria mais longa que o previsto.

- A 3 de Janeiro de 2019, na abertura da 116ª sessão do Congresso, o representante Democrata Eliot Engels, e o Senador Republicano Marco Rubio apresentavam duas propostas de lei (H.R. 31 [5] e S. 1 [6]) incluindo uma passagem quase idêntica visando lançar sanções que impedem a reconstrução da Síria. Em seguida, Engels (já autor do Syria Accountability Act de 2003) foi eleito Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) da Câmara, enquanto James Rich foi eleito para a Comissão equivalente do Senado. Este último juntou-se imediatamente à proposta de lei contra a Síria.

Os dois textos argumentam que a República Árabe da Síria, e não os jiadistas, teria torturado as vítimas fotografadas no «relatório César», o que justificaria o bloqueio à reconstrução do país. O texto do Senado vai mais longe apoiando, por isso, a ajuda militar a Israel, na altura em que o Estado Hebreu admitiu conduzir uma intensa campanha de bombardeamentos à Síria.

- A 10 de Janeiro de 2019, o Secretário de Estado Mike Pompeo apresentava a nova estratégia para o Médio-Oriente Alargado durante uma conferência na Universidade americana do Cairo [7]. Tratava-se: 

• (1) de lutar contra o terrorismo islâmico,
• (2) de lutar contra o Irão e seus aliados,
• (3) de se retirar militarmente da região em proveito de uma «OTAN» israelo-árabe.

No entanto, para além de que dividir a região entre árabes e persas é ainda mais perigoso do que a situação actual, parece improvável conseguir criar uma aliança militar israelo-árabe apoiando-se em governos que já colaboram secretamente, é certo, mas contra a opinião das populações. Simultaneamente, o Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, punha de pé uma organização terrorista internacional contra o Irão, incluindo elementos árabes sunitas do Daesh (E.I.) e de Mujaideens do Povo [8].

- No mesmo dia, 10 de Janeiro, o Secretário de Estado, Mike Pompeo, tornava pública uma declaração contra a Venezuela dando o sinal a Juan Guaido para se autoproclamar presidente interino [9]. Seguia-se a crise constitucional que se conhece.

Enquanto a imprensa ocidental e os Venezuelanos interpretavam o conflito como pondo em questão o governo bolivariano, nós anunciamos, um pouco antes dos acontecimentos, que o Pentágono ia aplicar à Bacia do Caraíbas a mesma estratégia que aplicou anteriormente aos Grandes Lagos Africanos e depois ao Médio-Oriente Alargado [10]. Após longos debates em privado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo adoptava a mesma posição [11]. Nomeadamente, Moscovo declarava : «A criação deliberada, e claramente bem orquestrada, de um duplo Poder e de um centro de decisão alternativo na Venezuela abre a via para o caos e a erosão do Estado venezuelano».

- A 22 de Janeiro, o Partido Democrata fez adoptar pela Câmara dos Representantes uma lei interditando o Presidente Trump de se retirar da OTAN [12]. O texto fora redigido em co-autoria por Eliot Engels.

Muito embora esta lei não tenha sido discutida durante a campanha para as eleições intercalares, ela foi considerada pelo Partido Democrata como sendo prioritária em relação aos seus compromissos com o Obamacare. Eliot Engels havia co-redigido, com o Secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, uma coluna de opinião, em Julho de 2018, em prol da Aliança [13].

- A 26 de Janeiro, Mike Pompeo anunciou que o neoconservador Elliott Abrams seria o seu enviado especial para a Venezuela. Ora, Abrams foi o candidato dos imperialistas à Secretaria de Estado há dois anos atrás. O seu nome permanece associado às piores acções secretas dos Estados Unidos na América Latina durante a Guerra Fria.

O neoconservadorismo é uma forma de trotskismo, portanto ideologicamente de extrema-esquerda, que se aliou ao aparelho de Estado dos EUA durante a Administração Reagan. Os seus partidários não cessaram de bascular da esquerda para a direita e vice-versa a cada alternância política. Contudo, eles opuseram-se à eleição de Donald Trump, ao qual agora, no entanto, se juntam.

Houve, pois, um reenquadramento do Africom, do CentCom e do SouthCom, autorizando-os, aos três, a defender já não os interesses do Povo norte-americano, mas, sim os das corporações transnacionais e de Israel. Sempre associados a esta política, os neoconservadores, ou pelo menos um dos mais ilustres de entre eles, estão de volta.

Estes elementos tendem a atestar que o Partido Republicano e a Administração Trump mudam de política radicalmente e regressam —à excepção da recusa em deixar organizações terroristas administrar Estados— à política do Partido Democrata, do Presidente Barack Obama e de Hillary Clinton: o imperialismo militar ao serviço das corporações transnacionais.

Esta renúncia parece ter sido anotada pelos principais doadores do Partido Republicano. Assim, os irmãos Koch acabam de anunciar que não apoiarão a reeleição de Donald Trump [14].


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[2] “Remarks by John R. Bolton on the The Trump Administration’s New Africa Strategy”, by John Bolton, Voltaire Network, 13 December 2018.
[3] “Resignation letter from James Mattis”, by James Mattis, Voltaire Network, 20 December 2018.
[4] “Os Estados Unidos recusam bater-se para os financeiros transnacionais”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 25 de Dezembro de 2018.
[5] “Caesar Syria Civilian Protection Act of 2019”, Eliot Engels, US House of Representatives, January 3, 2019.
[6] “Strengthening America’s Security in the Middle East Act of 2019”, Marco Rubio, US Senate, January 3, 2019.
[7] “Mike Pompeo’s Remarks at the American University in Cairo”, by Mike Pompeo, Voltaire Network, 10 January 2019. .
[8] “A utilização do terrorismo segundo John Bolton”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Janeiro de 2019.
[9] “US Actions Against Venezuela’s Corrupt Regime”, by Mike Pompeo, Voltaire Network, 10 January 2019.
[10] “Os Estados Unidos preparam uma guerra entre Latino-americanos”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 18 de Dezembro de 2018.
[11] “Russian Foreign Ministry statement on the developments in Venezuela”, Voltaire Network, 24 January 2019.
[12] “House aims to prevent Trump from withdrawing from NATO”, Karoun Demirjian, Washington Post, January 22, 2019.
[13] “President Trump, you need NATO more than ever”, Eliot L. Engel & Anders Fogh Rasmussen, CNN, July 10, 2018.
[14] “Koch network tells donors it plans to stay out of 2020 race, once again declining to back Trump”, Josh Dawsey and Michelle Ye Hee Lee, The Washington Post, January 24, 2019.

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