Thierry
Meyssan*
Os
critérios que se utilizam habitualmente na política para explica os jogos de
poder não se aplicam à Argélia. Os seus dirigentes actuais são antes de mais
impostores que fabricaram de si próprios, um a seguir a outro, falsas
biografias para obter a consideração dos seus concidadãos. Passando de umas
para outras, conseguiram chegar ao topo do Estado. E, aí se mantêm por vontade
das grandes potências que fazem de conta que acreditam nas suas fábulas para
melhor os manipular.
Os
média (mídia-br) internacionais descobrem com estupefacção a realidade sobre o
Poder argelino que se esforçaram por dissimular até aqui. Este não é detido por
um clã, mas por vários entre os quais a figura do Presidente Bouteflika é o
ponto de equilíbrio.
No
Poder argelino, quem defende o quê?
Estes
clãs travam uma batalha feroz entre si, o que os impediu não apenas de designar
um sucessor para o Presidente cessante mas também um Primeiro-ministro.
Finalmente, designaram três : Noureddine Bedoui, assistido por Ramtane Lamamra,
ambos flanqueados por um terceiro, Lakhdar Brahimi.
Tratemos
de compreender bem a repartição de papéis:
-
Abdelaziz Bouteflika é um pequeno escroque que foi o secretário de Houari
Boumediene e soube, no decorrer do tempo, inventar para si um passado [1].
Desde há vinte anos, ele usurpa a função presidencial graças a uma série de
violações da Constituição e a eleições visivelmente manipuladas. Hospitalizado
na Suíça, por duas semanas, para «avaliações médicas periódicas»,
diagnosticaram-lhe «problemas neurológicos e respiratórios». Constatando que
era incapaz de dar o seu consentimento para os tratamentos, os médicos
perguntaram quem era o seu tutor legal para os autorizar. Como resposta,
repatriaram o moribundo incapaz sem o mostrar. Depois, difundiram na An
Nahar TV breves imagens suas, datadas de 18 de Outubro de 2017, que foram
apresentadas como filmadas a 11 de Março de 2019 [2].
Finalmente, difundiram uma nova carta, que lhe foi atribuída, para anunciar o
prolongamento sine die do seu mandato.
-
Noureddine Bedoui foi designado, pela pessoa que detém a pena presidencial,
como Primeiro-ministro. Até aqui, ele era Ministro do Interior e considerado
próximo de um dos irmãos do presidente cessante, Nacer Bouteflika. Foi ele quem
imaginou a possibilidade de atribuir um quinto mandato ao presidente inválido e
supostamente recolhera seis milhões de assinaturas para o apoiar. O seu papel é
o de fazer durar a ilusão presidencial.
-
Ramtane Lamamra foi nomeado Vice-primeiro-ministro. Era, até aqui, conselheiro
do Presidente inválido, quer dizer, na realidade um dos detentores do Poder em
seu lugar. Passa por representar os interesses da antiga potência colonial, a
França.
-
Lakhdar Brahimi foi nomeado Presidente da Conferência Nacional encarregada de
por em marcha a transição democrática, sempre anunciada e jamais iniciada. Este
aposentado (85 anos) foi chamado por causa da sua folha de serviços: ele
desempenhou um papel central na criação do actual sistema e representa os
interesses da nova potência colonial: os Estados Unidos.
Este
personagem de primeiro plano não é nada daquilo que afirma ser. Vindo de uma
família de colaboradores com o Ocupante francês, conseguiu fazer crer que
havia, pelo contrário, participado na libertação nacional.
• Em 1965, ele foi a última pessoa a receber Mehdi Ben Barka. Informou os Serviços Secretos marroquinos das suas intenções e facilitou, assim, o sequestro e assassinato do Secretário da Tricontinental.
• Em 1982, no quadro dos esforços argelino-marroco-sauditas, ele conclui os Acordos de Taif que põem fim à guerra civil libanesa em troca da instauração de um regime confessional, totalmente ingovernável, colocando de facto o país sob controle eterno das grandes potências regionais e internacionais.
• No fim de 1991, ele foi um dos 10 membros do Conselho Superior de Segurança argelino que destituiu o Presidente Chadli Bendjedid, anulou as eleições municipais e abriu a via a Abdelaziz Bouteflika para o Poder. [3].
• Em 2000, ele forçou a criação de um Serviço de Informações no seio da Administração das Nações Unidas [4].
• Em
• Em 2012, após a demissão de Kofi Annan do seu posto de mediador na Síria, ele foi nomeado, conjuntamente pela ONU e pela Liga Árabe, não como mediador mas como «representante especial». Longe de pôr em marcha o Plano de paz Lavrov-Annan, que havia sido aprovado pelo Conselho de Segurança, trabalha para aplicar o plano secreto do seu patrão, o número 2 das Nações Unidas, Jeffrey Feltman, para uma total e incondicional rendição da República Árabe Síria [6].
O
papel dos islamistas
Há
várias narrativas da Década Negra (1991-2002) durante a qual 60.000 a 150.000 pessoas
morreram. A única coisa certa, se analisarmos o longo período, é que as obras
sociais wahhabitas substituíram o Estado nas zonas rurais, que o terrorismo
islamista foi uma tentativa britânica para excluir a influência francesa, e que
o Exército salvou o país ao mesmo tempo que alguns militares se passaram para o
lado dos «degoladores».
Quando
tudo terminou, em 2004, o Presidente Bouteflika aliou-se pessoalmente aos
«cortadores de gargantas» (islamistas [7])
contra os «erradicadores» (militares). Ele apresentou-se como um velho soldado
capaz de fazer a paz com os seus inimigos. Na realidade, aliava-se aos
islamistas para reduzir o poder do Exército e dos Serviços de Segurança que o
haviam colocado no Poder.
-
Em 2013, Abdelaziz Bouteflika reestruturou o Departamento da Inteligência e da
Segurança, retirando-lhe uma grande parte das suas atribuições e meios e
colocando o General Mohamed Mediéne na aposentação.
- Em 2014, autorizou o braço armado da FIS, o AIS ---responsável por dezenas de milhares de mortes--- a organizar um campo de treino à vista de todos.
- Em 2016, fez com que o chefe do AIS, Madani Mezrag, fosse recebido por Ahmed Ouyahia (que ele nomeou pouco depois Primeiro-ministro) e anunciou que agora ele gozava de amnistia (anistia-br) e de imunidade.
- Em Março de 2019, o seu clã fez saltar Madani Mezrag para a frente do palco a fim de fazer pesar a ameaça de uma nova guerra civil sobre a população que se manifestava.
Neste
contexto, a nomeação de Lakhdar Brahimi faz todo o sentido. Quando estava
encarregue do dossier sírio na ONU e na Liga Árabe, ele bateu-se por uma
«solução política» que incluía a prisão do Presidente Bashar al-Assad e a sua
substituição por um professor da Sorbonne, Burhan. Ghalioun. Ora, este,
colaborador da National Endowment for Democracy (NED/CIA), muito embora
oficialmente partidário de uma Síria não-confessional, tinha sido o guionista
dos discursos de Abbassi Madani, o chefe do FIS, durante o seu exílio no Catar.
A
Argélia Independente construiu-se, primeiro, no secretismo inerente à luta de
libertação nacional. Depois esse secretismo foi mantido e usado por alguns para
construir uma lenda e atribuírem-se um papel glorioso. Esta mistificação,
repetida durante décadas, privou o povo da compreensão dos acontecimentos. Ela
permitiu-lhes tornarem-se indispensáveis jogando para isso, ao mesmo tempo, com
a ameaça (os «degoladores») e com a protecção (os «erradicadores»).
Prisioneiros da sua própria mistificação, são hoje forçados a submeterem-se à
chantagem da França e dos Estados Unidos.
Thierry Meyssan |
Voltaire.net.org | Tradução Alva
Na
imagem: Desde há uma vintena de anos, a maioria das biografias dos dirigentes
argelinos é falsificada. Todos reclamam ter-se batido pela libertação nacional
face à Ocupação francesa, mas raros são os que efectivamente o fizeram. Os
verdadeiros heróis foram afastados há muito tempo.
*
Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis
for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa
árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous
nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).
Notas:
[1] Bouteflika,
une imposture algérienne, Mohamed Benchicou, Le Matin, 2003.
[2]
« Le report des
élections algériennes et la bombe Brahimi », par Khalida
Bouredji, Réseau Voltaire, 15 mars 2019.
[3] Islam
and democracy : the failure of dialogue in Algeria, Frédéric Volpi, Pluto
Press, 2003 (p. 55 et suivantes).
[4]
« Rapport
du Groupe d’étude sur les opérations de paix de l’Organisation des Nations
Unies », Nations Unies A/55/305, ou S/2000/809.
[5]
« L’opium, la CIA
et l’administration Karzai », par Peter Dale Scott, Traduction Anthony
Spaggiari, Réseau Voltaire, 10 décembre 2010. « Le partenaire afghan de
Monti », par Manlio Dinucci, Traduction Marie-Ange Patrizio, Il
Manifesto (Italie), Réseau Voltaire, 9 novembre 2012.
[6]
“A Alemanha e a ONU
contra a Síria”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria)
, Rede Voltaire, 28 de Janeiro de 2016.
[7]
Nós distinguimos a religião muçulmana da sua manipulação política,
o islamismo, tal com é formulado pela Confraria dos Irmãos Muçulmanos.
NdaR.
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