Ex-assessor
de Donald Trump quer realizar cursos educacionais para criar uma vanguarda
política populista de direita capaz de lançar uma "cruzada" na
Europa. A DW visitou o convento isolado ao sul de Roma.
Para
muitos, a decisão de viver num mosteiro do século 13 totalmente abandonado no
topo de uma montanha num país estrangeiro, sem recepção de celular e com apenas
um zelador – um monge octogenário acompanhado de 19 gatos ferozes – não seria
uma escolha óbvia de estilo de vida.
Acrescente
a isso protestos regulares de moradores locais e outros ativistas que querem
sua saída – e podem surgir alguns arrependimentos.
Mas
não é o caso de Benjamin Harnwell, de 43 anos, um ex-assistente parlamentar
britânico e católico convertido que no ano passado se mudou para a isolada
Certosa di Trisulti: um antigo monastério da ordem dos cartuxos agora em posse
dos monges cistercienses. O monastério está localizado acima da cidade de
Collepardo, duas horas de carro a sudeste de Roma.
Harnwell
foi denominado por Steve Bannon como chefe de uma futura "escola de
gladiadores para guerreiros culturais" da extrema direita – um homem que
diz ter conseguido o emprego dos seus sonhos. "Isso realmente soa brega,
mas eu digo que Deus me deu algo para fazer aqui e eu tenho que fazer
isso", afirma Harnwell.
No
ano passado, apoiado por Bannon, ex-estrategista chefe de Donald Trump, o
ultraconservador Instituto para a Dignidade Humana (DHI), de Harnwell, venceu
uma licitação pública para ocupar o monastério por 19 anos a um aluguel anual
de 100 mil euros.
"Steve
[Bannon] está constantemente dizendo que a coisa que precisamos entender sobre
a classe de pessoas que dirigem o Ocidente é que elas são grosseiramente
incompetentes", afirma Harnwell, sentado numa sala mal iluminada, gélida e
pouco mobiliada num canto distante no vasto complexo do monastério.
"Nós
presumimos que essas pessoas são ótimas estadistas porque se vestem de forma
inteligente, penteiam bem os cabelos e fazem uso da linguagem oficialmente
aprovada." O próprio Harnwell penteia o cabelo e se veste de forma muito
parecida com Bannon – como muitos já apontaram.
Reunidos
pelo catolicismo conservador, pela hostilidade à União Europeia (UE) e pelo
apoio aos movimentos nacionalistas, os dois homens desfrutam de um pleno – mas
não exatamente equilibrado – bromance.
Harnwell
classifica Bannon de "um dos grandes seres humanos que caminham atualmente
na face do planeta". Bannon, que não fala italiano, atribui a Harnwell a
dúbia distinção de ser "o cara mais inteligente em Roma".
Quando
questionado sobres os valores do Instituto de Dignidade Humana, Harnwell cita o
primeiro capítulo do Gênesis na Bíblia, "que o homem é feito à imagem e à
semelhança de Deus e cada pessoa sem exceção [...] é de valor infinito".
E
quanto a pena de morte? "Veja, o DHI não tem uma opinião sobre a pena
capital. Eu pessoalmente não me oponho à pena capital",
responde Harnwell. E casamento? "Entre um homem e uma mulher",
diz. E divórcio? "Não é um conceito compatível com o conceito de casamento
sacramental."
E
quanto aos três divórcios de Bannon? "Tecnicamente isso não é
verdade", continua Harnwell com uma risada. "Até onde eu sei, o
primeiro casamento dele foi anulado, o segundo terminou em divórcio e eu não
conheço o status do terceiro."
Mas
não é importante que um assim chamado defensor de valores cristãos
conservadores viva de acordo com esses valores? "Nenhum de nós é
perfeito", contrapõe Harnwell. Ele diz que, embora acredite que Bannon
esteja vivendo uma vida em conformidade com os ensinamento da Igreja, "não
teve essa conversa com ele".
Juntamente
com a defesa da tradição judaico-cristã, a outra causa principal de Harnwell é
se opor ao que ele chama de "senso militante e ideológico de um sistema
sem fronteiras".
Harnwell
cita um estudo do Pew Research Center que, segundo ele, mostra um cenário
catastrófico em que dois terços dos africanos – 800 milhões de pessoas –
planejam se mudar à Europa ou aos EUA nos próximos anos.
(Posteriormente,
após a reportagem da DW não conseguir encontrar o estudo e mandar um e-mail
para Harnwell, ele enviou uma matéria do site ultraconservador Breitbart
News, fundado por Bannon. O texto inclui um link para um estudo do Pew Research
Center que mostra que um milhão de africanos foram para a UE de 2010 a 2017 e 400 mil para
os EUA de 2010 a
2016. Após nova troca de e-mails, Harnwell rebaixou sua estimativa para
400 milhões.)
Harnwell
conduz a reportagem da DW pelos magníficos jardins do monastério, do refeitório
repleto de luz natural, depois mostra as joias de um claustro inspirado em
outro em Roma concebido por Michelangelo.
De
uma janela, ele avista um grupo de peregrinos mais velhos que passam por um
caminho da montanha. Até pouco tempo atrás, os visitantes do monastério
consistiam principalmente de peregrinos aposentados que fazem a viagem até o
local a partir das comunas vizinhas de Castelli Romani no oitavo dia de cada
mês para visitar o pequeno santuário de Madonna delle Cese.
Harnwell
diz que adora caminhar, mas não teve tempo. "O que você tem feito?",
perguntou a reportagem. "Agora você está começando a soar como
Steve", responde Harnwell.
Passamos
por um corredor ladeado de antigas celas de monges, bonitas em sua
simplicidade, mas que precisam de obras para acomodar futuros alunos.
Apesar
das ambições para um centro de treinamento de vanguarda, é impossível deixar de
notar que os planos aparentam ser vagos, que o monastério está meio adormecido
e que as conexões com partidos políticos ainda são insignificantes.
Os
cursos, diz Harnwell, serão "revelados com grande aclamação" em
uma data posterior. Ele afirma que nunca conheceu e não precisa conhecer o
político populista de direita Matteo Salvini, ministro do Interior e
vice-premiê da Itália, porque ele "pode apoiá-lo nas montanhas".
Além
dos peregrinos idosos, o único outro convidado presente é uma organista de fala
mansa do Reino Unido que nos acompanha durante a entrevista. Ela está em seu
último dia de uma estadia de duas semana no monastério para "propósitos
religiosos".
A
mulher diz que depois de assistir a vídeos no Youtube que supostamente mostram
gangues de homens muçulmanos estuprando mulheres na Alemanha e na Suécia, ela
está profundamente preocupada com todos os migrantes solteiros que chegaram à
Europa e apavorada pelas suas duas filhas adultas. Ela afirma gostar do que
Bannon tem a dizer.
O
passeio termina com um olhar dentro da extraordinária farmácia onde monges
fizeram centenas de remédios à base de plantas. Do lado de fora do salão de
entrada, o zelador conta estar perplexo com toda a atenção que o monastério –
por tanto tempo ignorado – tem atraído ultimamente.
"Quando
eles colocaram o anúncio, ninguém estava interessado", diz ele. "A
única outra pessoa que visitou o local foi Massimiliano Muzzi, que veio aqui
vestido de monge e disse que era bispo. Descobriu-se que se tratava de uma
calúnia e ele foi preso por milhões de euros de fraude."
Harnwell
tem que encerrar a conversa. Ele tem e-mails esperando e dezenas de pedidos de
entrevista para lidar.
"Isso
não tem nada a ver comigo. Simplesmente acontece por eu estar ligado ao homem
do momento", diz ele. "Antes, eu não conseguia nem atrair a atenção
da imprensa local. Agora, a imprensa internacional vem aqui para pegar cada
palavra que digo."
Megan
Williams | Deutsche Welle
Imagem:
O antigo monastério da ordem dos cartuxos pode se tornar base da criação de uma
vanguarda política populista /DW – M. Williams
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