Zambézia, Tete e Manica são outras vítimas do ciclone “Idai”. Há surtos de cólera e paludismo
As atenções do mundo
concentram-se na cidade da Beira e nas vilas de Nhamatanda e Buzi, na província
de Sofala, mas a pior crise humanitária provocada pela passagem do ciclone
“Idai” pode estar a ocorrer nas províncias circundantes de Tete, Manica e Zambézia.
Além de diarreias e casos de cólera, há registo de surtos de febres, tosse
convulsa e de paludismo. As condições de acolhimento das vítimas da tempestade
podem não evitar o surgimento de outras doenças como a pneumonia e a
tuberculose.
“O ciclone ‘Idai’ não passou
apenas pela Beira. Devastou também as províncias da Zambézia, Manica e Tete. Na
Zambézia, tive a oportunidade de visitar alguns bairros da capital, Quelimane,
e centros de acolhimento no distrito de Nicoadala. A situação é muito crítica”,
diz ao Expresso Arão Valoi, da WaterAid.
“As vítimas do ciclone recebem
apenas um copo de arroz e outro de feijão, por família — independentemente do
agregado — e um bidão de 20
litros de óleo para o total de 2113 pessoas acolhidas no
centro de Namitangurine”, salienta o responsável pela comunicação desta ONG
inglesa. Valoi insiste para que Governo moçambicano, sociedade civil,
organizações humanitárias e o auxílio internacional não concentrem esforços
apenas na cidade da Beira e na província de Sofala, “porque há zonas piores,
esquecidas”.
Na periferia da cidade de
Quelimane não houve até agora qualquer intervenção efetiva para apoiar as
populações cujas casas estão submersas pelas águas das chuvas. Nos bairros de
Manhewa e Janeiro há situações que precisam de intervenção urgente, sob pena de
“eclosão de doenças de origem hídrica, tendo em conta que o fecalismo a céu
aberto — os sanitários foram engolidos pela água — tornou-se prática
frequente”, acrescenta Arão Valoi.
Situação idêntica é relatada por
Inácio Armando, repórter voluntário da Rádio Comunitária de Nhamatanda, na
província de Sofala. “A alimentação e a água distribuídas não chegam para
todos”. E as pessoas consomem água imprópria, dos poços. Água que pode estar
misturada com fezes e outras impurezas, dado que as latrinas desabaram e toda a
sujidade foi arrastada para a água”. Uma situação que está na origem do surto
de diarreias e de casos de cólera que eclodiu nos centros de acolhimento de
Sofala, Manica, Tete e Zambézia. “No centro de Metochira (Nhamatanda, Sofala) o
problema é muito sério”, disse. E o cenário poderá ser bem pior em zonas como
Nhampoca, onde só se chega de helicóptero.
As condições de habitação e de
higiene são outros dos maiores problemas dos centros de acolhimento da região
centro de Moçambique.
VINTE FAMÍLIAS NUMA TENDA
Na Zambézia, por exemplo, são
acomodadas, por cada tenda, dezenas de famílias, cada um com seus hábitos. As
poucas latrinas ali montadas tornam-se insuficientes para satisfazer as
necessidades fisiológicas dos refugiados. Esta é a situação que se vive nos
centros de acolhimento de Namitangurine (2113 pessoas de 470 famílias) e
Dugudiua (822 pessoas de 203 famílias) que albergam quase 3000 pessoas em
apenas 71 tendas. Ou seja, cada tenda é partilhada por entre 10 e 20 famílias.
Regina Afonso, Angelina Pedro e
Emília Malelanane relatam ao Expresso por telefone a ocorrência de surtos de
doenças várias nos centros onde estão albergadas, aumentando o risco de
contágio de pneumonia, cólera e até de tuberculose. “Os sanitários improvisados
são mal usados. Há pessoas que defecam e urinam fora e as crianças,
principalmente, podem pisar e contrair várias doenças”, diz Regina.
Marcos Amaral, dirigente do
Centro de Coordenação de ONG Para a Higiene, Água e Saneamento (CECOHAS), corrobora
as descrições feitas e salienta que falta apoio efetivo a muita gente. Mais: as
latrinas das escolas que acolhem vítimas do ciclone “estão cheias, o que cria
outro problema de saúde pública”. No posto de saúde instalado no local já foram
diagnosticados mais de 250 casos de tosse convulsa e perto de 350 casos de
paludismo, anunciaram esta quarta-feira as autoridades provinciais. Um idoso
que partilhava a tenda com nove famílias — cerca de 30 pessoas — foi
transferido para um hospital, mas acabou por morrer vítima de pneumonia.
DURO REGRESSO A CASA
Nas regiões de Buzi e Nhamatanda,
as pessoas começaram a regressar às suas casas, não obstante a ameaça de
doenças e a falta de condições. Américo Brondalo, residente em Buzi, depois de
mais de uma semana refugiado da água regressou à sua residência. O que
encontrou foi uma casa parcialmente destruída, mas em condições de ser habitada
mediante um retoque aqui e acolá. Nos últimos dois dias, quarta e quinta-feira,
Américo dedicou-se a remover a lama e a limpar os destroços para reiniciar a
vida.
“A situação está caótica. Neste
momento estamos a arrumar a casa, a tirar a lama. É uma situação bastante
complicada”, explicou por telefone ao Expresso com uma voz bastante cansada,
própria de uma pessoa desesperada com o que está a viver.
Grande parte das vítimas de Buzi
foram evacuadas para os centros de acolhimento da Beira e de Guara-Guara, a 30 quilómetros da
vila sede de Buzi.
O ciclone tropical “Idai” passou
pelo centro do Moçambique há quase duas semanas, deixando um rasto de
destruição e cerca de 500 mortos, mais de três dezenas terão sido enterradas em
valas comuns no posto administrativo de Dombe, no distrito de Sussungenga, na
província de Manica. Só entre quarta e a sexta-feira subiram de 5 para 271 os
casos de cólera confirmados. Até ao fecho desta edição as autoridades
confirmaram cinco mortes devido à doença.
Lázaro Mabunda | Expresso | Foto:
Mike Hutchings/Reuters
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