Ana Gomes* | Jornal de Notícias |
opinião
Desde 2009 que Portugal tem um
regime fiscal especial, dito para Residentes Não Habituais, que visa
"atrair para Portugal profissionais não residentes qualificados em
atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial
ou know-how, bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro".
A ideia é simples: aqueles que
tenham rendimentos provenientes do estrangeiro podem requerer uma isenção total
do pagamento de impostos sobre o rendimento singular (IRS) por um período de 10
anos, enquanto os cidadãos com rendimentos recebidos em Portugal, mas que não
tenham residido em Portugal nos últimos cinco anos, beneficiam de uma taxa fixa
de 20 por cento de IRS.
Os pensionistas estrangeiros
ganham verdadeiramente a lotaria ao ser-lhes concedida isenção total de IRS
para as suas pensões provenientes do exterior, pelo mesmo período. Pior: tendo
em conta os acordos de dupla tributação celebrados por Portugal, na prática,
estes pensionistas (muitos franceses, suecos, finlandeses, italianos, etc....)
acabam por não pagar impostos em lado nenhum. Um verdadeiro "sonho
sénior"!
Mas pode perguntar-se: serão
estes pensionistas todos artistas, prémios Nobel, intelectuais de renome? Temos
hoje, a residir em Portugal, a nata científica e cultural do Mundo? À data de
14 de fevereiro de 2019, o número total de beneficiários deste programa
cifrava-se nos 27 367 residentes. Desses 27 367, uns surpreendentes 25 227 eram
caracterizados como "sem atividade de elevado valor acrescentado", o
que inclui pensionistas. Estes números contrastam em absoluto com o número de
arquitetos (15), professores universitários (48) ou cirurgiões (1) que são
tidos como "atividades de elevado valor acrescentado". Parece que a
nata ficou lá fora, afinal...
Este esquema é indigno e
discriminatório para pensionistas portugueses e estrangeiros que pagam os seus
impostos.
Acresce que enquanto os nossos
reformados sofriam cortes nas pensões no tempo da troika, sucessivos governos
foram mantendo esta borla indecente a favor de pensionistas estrangeiros ou
portugueses expatriados.
Mas parece que finalmente a
Finlândia descobriu a marosca - pois isto é um verdadeiro esquema de "tax
dumping" (batota fiscal) - e já se fartou, rompendo com o acordo
bilateral. E a Suécia pensa seguir o mesmo caminho. E com razão: os seus
pensionistas recebem contribuições daqueles que trabalham no seu país e depois
Portugal, funcionando como verdadeiro paraíso fiscal sénior, vem isentá-los de
quaisquer obrigações. É simplesmente imoral.
Mário Centeno, confrontado,
acabou por admitir que as regras terão de mudar. Veremos até quando : por
enquanto prossegue o sonho sénior de quase 10 000 pensionistas privilegiados, à
custa de todos os portugueses que pagam os seus impostos.
*Eurodeputada
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