domingo, 21 de abril de 2019

Portugal | Sonho sénior, mas só para alguns...


Ana Gomes* | Jornal de Notícias | opinião

Desde 2009 que Portugal tem um regime fiscal especial, dito para Residentes Não Habituais, que visa "atrair para Portugal profissionais não residentes qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how, bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro".

A ideia é simples: aqueles que tenham rendimentos provenientes do estrangeiro podem requerer uma isenção total do pagamento de impostos sobre o rendimento singular (IRS) por um período de 10 anos, enquanto os cidadãos com rendimentos recebidos em Portugal, mas que não tenham residido em Portugal nos últimos cinco anos, beneficiam de uma taxa fixa de 20 por cento de IRS.

Os pensionistas estrangeiros ganham verdadeiramente a lotaria ao ser-lhes concedida isenção total de IRS para as suas pensões provenientes do exterior, pelo mesmo período. Pior: tendo em conta os acordos de dupla tributação celebrados por Portugal, na prática, estes pensionistas (muitos franceses, suecos, finlandeses, italianos, etc....) acabam por não pagar impostos em lado nenhum. Um verdadeiro "sonho sénior"!



Mas pode perguntar-se: serão estes pensionistas todos artistas, prémios Nobel, intelectuais de renome? Temos hoje, a residir em Portugal, a nata científica e cultural do Mundo? À data de 14 de fevereiro de 2019, o número total de beneficiários deste programa cifrava-se nos 27 367 residentes. Desses 27 367, uns surpreendentes 25 227 eram caracterizados como "sem atividade de elevado valor acrescentado", o que inclui pensionistas. Estes números contrastam em absoluto com o número de arquitetos (15), professores universitários (48) ou cirurgiões (1) que são tidos como "atividades de elevado valor acrescentado". Parece que a nata ficou lá fora, afinal...

Este esquema é indigno e discriminatório para pensionistas portugueses e estrangeiros que pagam os seus impostos.

Acresce que enquanto os nossos reformados sofriam cortes nas pensões no tempo da troika, sucessivos governos foram mantendo esta borla indecente a favor de pensionistas estrangeiros ou portugueses expatriados.

Mas parece que finalmente a Finlândia descobriu a marosca - pois isto é um verdadeiro esquema de "tax dumping" (batota fiscal) - e já se fartou, rompendo com o acordo bilateral. E a Suécia pensa seguir o mesmo caminho. E com razão: os seus pensionistas recebem contribuições daqueles que trabalham no seu país e depois Portugal, funcionando como verdadeiro paraíso fiscal sénior, vem isentá-los de quaisquer obrigações. É simplesmente imoral.

Mário Centeno, confrontado, acabou por admitir que as regras terão de mudar. Veremos até quando : por enquanto prossegue o sonho sénior de quase 10 000 pensionistas privilegiados, à custa de todos os portugueses que pagam os seus impostos.

*Eurodeputada

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