Gil Évora | Expresso das Ilhar |
opinião
O maior partido da oposição,
através da sua presidente, Janira Hopffer Almada, e numa lógica sem
precedentes, tem procurado que eventuais conflitos que relevam de decisões
políticas, em vez de serem dirimidos nos espaços da política (Parlamento por
exemplo) ou no limite, pelo sufrágio directo, passem a ser resolvidos pelos
tribunais, expondo claramente o seu Partido à acusação pública de estar a
judicializar a política em Cabo Verde.
Nunca neste Cabo Verde
democrático, qualquer outro partido apresentara, tantas queixas contra medidas
de natureza legislativa tomadas ou pelo governo ou pelo parlamento. Janira
Almada, porventura na falta de argumentos políticos, lançou agora esta moda
nefasta, ao propor que sejam os tribunais a ajuizar sobre o mérito de medidas
que vão sendo tomadas, o que nos parece claramente enquadrar-se na lógica de
judicialização da política em Cabo Verde. A verdade é que passados quase 30
anos sobre a instalação da democracia, há gente que ainda não percebeu que a
independência e a separação de poderes em Cabo Verde foi e é condição basilar
do estado de direito e, como já dizia alguém, “ à política o que é da política
e à justiça o que é da justiça”. Não parece no entanto ser este o entendimento
da líder do PAICV tal a frequência com que tem-se socorrido dos tribunais
(SOFA, Mercado do Côco e agora Banca Furada) facto que, ao mesmo tempo banaliza
o acto judicial e empobrece a contribuição de um partido do arco da governação
que não merecia estar, por dá cá aquela palha, nas secretarias dos tribunais a
queixar-se de qualquer coisa ou de alguém, permanentemente.
Procurar as razões para o
insucesso da barragem de banca furada nos tribunais é das decisões das mais
estapafúrdias tomadas pela presidente do PAICV e com este acto revela não estar
à altura de politicamente debater esta questão que é essencialmente política e
cuja decisão havia sido tomada pelo governo a que pertencia. Procura assim
refúgio e conforto em supostos processos judiciais que já se sabe à partida vão
dar em nada.
Estamos perante a utilização de
truques e argumentos confusos para se fazer a oposição, quando na verdade
existe um campo vasto para se fazer a oposição política ao actual governo, mas
neste ritmo a sociedade civil vai confirmando que está patente a inexistência de
uma oposição com argumentos políticos para enfrentar o actual governo. O PAICV
sabe claramente fazer melhor e responder com mais firmeza aos questionamentos
da sociedade civil cabo-verdiana, teve sempre quadros qualificados, hoje muitos
deles afastados por esta presidência e decididamente não se pode querer uma
oposição que por nada vocifera estar contra quase tudo, sem colocar para o
debate alternativas para a avaliação dos cabo-verdianos.
Banca Furada: ataque ao
Governo de Ulisses ou acerto de contas com JMN?
Mas interessa saber quais são na
verdade as reais intenções de Janira com esta prática. Será que pretende mesmo
atacar o governo de Ulisses Correia e Silva como vem fazendo nem sempre de
forma assertiva ou, o seu objetivo é continuar a mostrar a sua oposição a
certos actos tomados pelo governo de José Maria Neves a que ela também
pertenceu. Porque numa ínfima hipótese de condenação, a actual líder não
deixaria de ter também responsabilidades políticas na decisão tomada em relação
à referida barragem e, a ter pernas para andar, este parece ser um processo em
que a queixosa corre sérios riscos de se transformar em testemunha ou mesmo
arguida. Mas para já, o mais importante para JHA parece ser barrar o caminho de
JMN à Presidência da Republica custe o que custar e, como diria uma actual
deputada tambarina por Santiago Sul “já está na hora deste PAICV se libertar
das amarras de JMN!”.
Contudo estas posições de JHA não
podem nem devem surpreender ninguém. Ainda no início do mandato, a actual líder
já dava mostras de uma musculação exacerbada, com muita ansiedade como se os
governos não fossem eleitos para toda a legislatura. Em verdade não é de hoje
que a presidente do PAICV, quer pelas declarações públicas, quer em questões
internas vem assumindo uma postura quizilenta ao invés das necessárias pontes
que pudessem permitir ao PAICV desempenhar com maior serenidade o seu papel de
maior partido da oposição.
À oposição tem faltado no meu
ponto de vista serenidade e rigor. A democracia caboverdeana é tão participada
e legítima quanto as melhores democracias, pelo que há “lições” consabidas em
matéria da promoção da estabilidade política . Os rankings afirmam que somos
uma democracia consolidada. E somo-lo de facto. Por isso, só devido a muita
imaturidade política da actual direcção do PAICV é que não se percebe que o
caminho para se regressar ao poder não pode ser o da crítica vã, que judicializa
a política, que critica e manda calar deputados e que grita sem consequências
maldizendo quase tudo o que mexe.
O PAICV pode e deve dar um
contributo relevante para a consolidação da nossa democracia, e este país
precisa de um PAICV forte e que ajude a equacionar os problemas e apresentar
alternativas, pois ser oposição é também ser capaz de construir uma narrativa
positiva sobre o País com ideias alternativas. Só que infelizmente aos olhos da
sociedade, a actual presidente do PAICV é praticamente uma força de bloqueio e
não mais que isso, recusando constantemente atitudes construtivas, pelo que
nunca conseguirá mostrar à sociedade estar preparada para levar o PAICV à
reconquista do poder.
A importância do PAICV como
oposição
Hoje, em pleno ano de 2019, se
quiséssemos fazer um balanço, contraditoriamente, teríamos de dizer que aquilo
que foram os compromissos assumidos em Congresso pela presidente do PAICV,
nenhum deles foi alcançado. A coesão interna continua a ser uma
miragem e estão aí sucessivos actos para o provar: processos disciplinares a
deputados, interferências grosseiras nas eleições internas, (o paradigmático
caso de Santiago Sul que culminou com o afastamento de Nelson Centeio), o
afastamento de vozes incômodas, a gestão desregrada do grupo parlamentar, e
mais recentemente a eleição para a JPAI-Praia, são apenas alguns maus exemplos
que protelam a mais do que necessária coesão interna.
O próprio processo que envolveu a
votação na generalidade da lei da regionalização, pôs a descoberto a preocupação
desta actual direcção em promover publicamente o linchamento moral de alguns
deputados que não se abstiveram ou que se ausentaram durante a apresentação do
diploma sobre a Regionalização. Os processos disciplinares instruídos com este
propósito tiveram um respaldo grande na sociedade caboverdeana, que entendeu o
acto como antidemocrático porque destoou da Constituição e das demais leis da
República.
Ignorando todo um passado de um
partido histórico esta liderança do PAICV tem adoptado uma postura dirigista e
uma estratégia de quase omnipresença em todas as esferas do partido,
contaminando decisões de estruturas intermédias, sem permitir ao partido e seus
militantes espaços de descompressão e de exercício livre de opinião.
A tática da vitimização e das supostas
guerras internas vai-lhe permitindo quase que uma re-legitimação permanente
junto dos militantes, ao mesmo tempo que a liberdade é dramatizada para poder
acenar com processos disciplinares em relação àqueles que pensam pela própria
cabeça.
E em boa verdade aquilo que devia
ser entendido como vitalidade democrática nos partidos modernos, tende a ser
substituído pelo culto de personalidade numa lógica dirigista que não pode ser
aturada nos tempos modernos que correm.
A necessidade de uma liderança
esclarecida e congregadora
Todo e qualquer partido, acho,
está sob um processo de adaptação e ajustamento às variáveis sociais e
políticas que emergem permanentemente na sociedade.
No nosso caso, onde o processo
democrático estrutural vem acontecendo e se consolidando nos últimos anos, onde
as dinâmicas sócio-politicas estão em ebulição permanente, esta necessidade de
adaptação é quase uma questão de sobrevivência política dos Partidos. Pelo que,
o que se exige nestes novos tempos são lideranças esclarecidas que, respeitando
os princípios dos Partidos, são igualmente capazes de os gerir em diálogo
permanente, quer entre os seus próprios membros, quer entre estes e a sociedade
no geral. Como dizia Churchill, há gente que muda de partido por causa dos
princípios e gente que muda de princípios por causa do partido. Quando se olha
para este PAICV interpelo-me se esta liderança, pelas atitudes e práticas que
vem tendo, acredita ser este PAICV o partido depositário dos princípios
defendidos por Cabral, onde a generosidade, o respeito e a camaradagem sempre
se revelaram aspectos importantes.
Muitas vezes fica-se com a
sensação de que esta direcção tem uma agenda própria que não coincide de todo
com a agenda global do PAICV, e vem tentando a todo o custo impor esta mesma
agenda ao colectivo daquele partido, mas sem sucesso.
Contudo, por mais que custe à
actual direcção do PAICV, é tempo de arrepiar caminho caso o partido pretenda
disputar as próximas eleições com dignidade e combatividade politica.
A gestão do Partido tem de
obrigatoriamente mudar, tem de ser menos ansiosa e menos inconsequente, e olhar
para o País com mais generosidade, abertura e responsabilidade, diferente desta
gestão actual do bota abaixo em que o PAICV parece estar contra tudo e contra
todos. Se de algum exemplo necessitássemos, as declarações de JHA em relação à
questão do Liceu da Várzea aí estão para provar o desnorte, a insensatez e a
falta de sentido de estado de uma líder. O que António Monteiro da UCID diz
Janira não pode repetir, pela simples razão de que o PAICV é um partido do arco
do poder, e isso basta!!
O Partido precisa de estar em
condições de assumir plenamente as suas responsabilidades de importante
protagonista da história de Cabo Verde e isso só poderá ser feito de outra
maneira, com outra ética, com outra grandeza e, provavelmente … com outra
liderança.
Texto originalmente publicado na
edição impressa do expresso das ilhas nº 911 de 15 de Maio de 2019.
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