HOJE JÁ É TARDE DEMAIS
Martinho Júnior, Luanda
EM SAUDAÇÃO AO 25 DE MAIO, DIA DE
ÁFRICA, QUANDO HÁ 56 ANOS, EM GRANDE PARTE EM FUNÇÃO DA LUTA DE LIBERTAÇÃO, SE
CRIOU A ENTÃO “OUA”, ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA (https://www.officeholidays.com/countries/africa/african_unity_day.php)!
No Cunene, de há pouco mais de
100 anos a esta parte, estão-se jogando algumas das sagas mais decisivas do
povo angolano e da África Austral.
Quando fundaram a cidade de
Moçâmedes, (em 1855 Moçâmedes foi elevada à categoria de vila), os horizontes
continentais do colonialismo português no sudoeste angolano não iam além do rio
Cunene, pela via da Huila e não por via do paralelo da nova localidade.
Essa inoperância em relação ao
interior era um indicador que os processos coloniais ainda não haviam
despertado suficientemente para o fenómeno da importância da água interior do
continente africano, algo que aliás nem com a Conferência de Berlim haveria de
ocorrer.
Na Conferência de Berlim, em que
o chanceler Bismarck foi anfitrião, o que seria lógico na partilha de África
seria a Prússia ficar com a parte mais suculenta, a matriz da água num continente
em que existiam os maiores desertos quentes do globo e não foi isso que
aconteceu…
Não só não aconteceu assim como
entregaram o Congo, praticamente de bandeja, à cabeça coroada da Bélgica, o Rei
Leopoldo II, um senhor feudal que iria em poucos anos mostrar seu bárbaro
despotismo genocida, similar aliás aos próprios prussianos…
Impedidos de expansionismo nas
Américas, as potências coloniais europeias aplicaram a partir da Conferência de
Berlim, uma saga expansionista em África que adoptou o critério dos genocídios
que acompanharam a tipologia da expansão nas Américas, com uma questão prévia:
a escravatura (e o tráfico de escravos transatlântico para as Américas) que em
África havia durado mais de 4 séculos, em nome da “civilização
judaico-cristã ocidental”!
No fundo a Conferência de Berlim
foi não só uma conferência de genocidas: foi uma conferência de poderosos
europeus, emanação de suas elites e oligarquias, ignorantes entre ignorantes em
relação às conjunturas africanas e ávidos de poder colonial, sangue e rapina!
Foi no ambiente colonial em
expansão na 2ª metade do século XIX que as disputas entre colonialismo
português e prussiano chegariam ao Cunene, terra de pastores cuanhamas e
ovambos que garantiam a transumância do seu gado de chimpaka em chimpaka,
desequilibrando o secular ambiente humano local e atrasando África na sua
necessidade de domínio próprio e consciente sobre a água interior.
Hoje já é tarde demais, por que o
possível esforço de luta contemporânea, o esforço angolano de hoje, só pôde ser
realizado depois de vencido o colonialismo, depois de vencido o “apartheid”,
depois de vencidas algumas de suas sequelas e ganhando consciência crítica e de
vanguarda face ao capitalismo neoliberal que tem sido inculcado em África
formatando mentalidades nas elites servis, quando tudo se deveria ter iniciado
em tempo oportuno precisamente há pouco mais de 100 anos!
Também por esta razão tenho
considerado que Angola tem apenas (sobre)vivido (?) em “séculos de
solidão”!
03- Em 1849, poucos anos depois
da construção da fortaleza de São Fernando na baía que antes fora chamada de
Angra dos Negros (identificação que tinha a ver com o embarque de escravos) a
pequena localidade passou a ser chamada de Mossâmedes, em honra ao Barão do
mesmo nome que havia decidido a implantação humana na costa do sudoeste de
Angola.
A localidade, um caso único para
Angola colonizada, veio a integrar três pequenos contingentes migratórios
provenientes da cidade do Recife no Brasil e com o reforço populacional passa à
categoria de vila, a cidade que é hoje capital da Província do Namibe,
encravada entre o deserto do Namibe (o mais antigo do mundo) e o mar (https://torredahistoriaiberica.blogspot.com/2010/08/fundacao-de-mocamedes-namibe-no-sul-de.html).
A vila, circundada por um
cinturão de hortas nos vales do Bero (que foi por alguns desses povoadores
considerado de Nilo de Moçâmedes) e do Giraul, iria permitir a criação dum
ponto de apoio na costa apto para se prepararem as acções de penetração no interior
a partir duma nova linha de acção a sul do ainda por definir território
angolano sob domínio do colonialismo português.
Conforme escreveu René Pélissier
a página 177 da “História das campanhas em Angola – I” (https://www.amazon.com/Hist%C3%B3ria-Campanhas-Angola-1845-1941-Portuguese/dp/9723326965), “a
fronteira do que em Abril de 1849 passou a ser o distrito de Moçâmedes sofreu,
durante o período que estamos a considerar, uma evolução paralela àquela que
registou o distrito de Luanda: um impulso expansionista iniciado em 1856 iria
afundar-se em dificuldades levantadas pela manutenção de guarnições ao longo de
mais de 500 km
numa região que, excepto na costa e no planalto da Huila, era insalubre.
Em contrapartida, se o avanço
inicial para o Cunene e a região dos Ovambos foi de pouca dura, houve um
elemento capital na política portuguesa do sul, se é que se pode chamar
política ao que não passava de uma sucessão de medidas tomadas uma a uma.
Sob o ponto de vista económico o
sul de Angola oferecia, decerto, perspectivas aliciantes a comerciantes natos
como os portugueses; mas o interesse que ele apresentava estava, antes de mais,
nas suas possibilidades de receber uma população rural branca que se dedicasse
mais à agricultura, à pesca e à criação de gado do que ao grande comércio
internacional.
A imagem das colónias brancas,
agrícolas ou piscícolas, perseguia já nessa época as autoridades de Lisboa e de
Luanda que julgavam ter encontrado nas partes salubres do sul o terreno de uma
regeneração colonial, de um micro-Brasil em gestação”…
As autoridades coloniais
portuguesas, nas linhas de expansão para o interior, tinham desde logo,
integradas nas motivações de conquista, a visão da necessidade do controlo da
água interior e do espaço vital, o que por si significava ter de vencer todas
as resistências que viessem a encontrar pelo caminho.
O acesso à água era indispensável
para a conquista, mas também para os primeiros assentamentos humanos dela redundantes,
nas pretensões de fazer agricultura e criação de gado, pelo que o expansionismo
implicou uma autêntica guerra da água, numa intensa luta pela sobrevivência
entre interesses contraditórios.
A leste da penetração colonial
portuguesa no sudoeste, com apoio das fortalezas da costa, o poder colonial
esbatia-se no “aquém” Cunene (ocidente do Cunene) só superado pela
conquista em regime de expansão a partir de 1907, há apenas 112 anos!...
Com a fundação de Moçâmedes, o
colonialismo português evitou penetrar num dos desertos mais antigos do globo (http://m.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/mobile/noticias/lazer-e-cultura/2013/7/32/Mitos-deserto-rota-Atlantico,a9792a80-1b5c-4d93-aefe-291d39ee8b0b.html?version=mobile)
e para progredir para leste, teve de ocupar a ocidente do rio Cunene, para
disputar com os prussianos a leste, durante a Iª Guerra Mundial, na direcção
das “terras do fim do mundo”!
04- No Sudoeste Africano, colónia
da Prússia, passava-se depois da Conferência de Berlim algo semelhante: o poder
colonial prussiano esmagava a resistência herero e nama numa conquista brutal
pelo espaço vital (o primeiro grande genocídio do século XX – https://paginaglobal.blogspot.com/2018/09/os-crimes-compensam.html)
e junto ao lago Etosha (na língua ovambo, trata-se do grande lago branco), no
norte do território, fundava uma fortaleza em Namutoni, que servia de garantia
a esse domínio, ressalvado aliás pelo Parque no seu entorno (https://www.britannica.com/place/Etosha-Pan).
O lago Etosha (https://whc.unesco.org/en/tentativelists/6095/)
foi conhecido pela primeira vez por europeus em 1851 (Sir Francis Galton e
Charles Anderson), quando o colonialismo português estava empenhado em fundar
Moçâmedes…
A fortaleza prussiana de Namutoni
foi construída em 1901, destruída em 1904 pelos guerreiros Ondonga (https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Namutoni)
e reconstruída no traçado que subsiste entre 1905 e 1907.
Essa fortaleza foi indispensável
para os prussianos, no território do Sudoeste Africano, vencerem a simultânea
resistência cuanhama-ovambo, precisamente na mesma altura da progressão
colonial portuguesa a leste do rio Cunene…
Formado sobre uma placa tectónica
o lago Etosha antes recebia as águas do Cunene (até há 16.000 anos), mas
posteriormente o fluxo desse rio mudou de direcção e o lago passou a ser
alimentado pela bacia subterrânea do Cuvelai e por pequenos cursos efémeros
como o Ekuma, o Oshigambo e Omurambo Ovambo (https://www.etoshanationalpark.org/etosha-pan).
Se os processos coloniais
luso-prussianos foram praticamente simultâneos no seu desenvolvimento e
conquista do interior, o destino histórico e antropológico de Angola e da
Namíbia ficaram indelevelmente associados desde então, algo que permite
soluções comuns para as questões que se prendem ao controlo e gestão da água
interior, agora mais que nunca, pois torna-se inadiável avançar no sentido do
desenvolvimento sustentável e recuperando o tempo perdido durante os domínios
coloniais e logo de seguida do “apartheid” tal como de suas sequelas.
O que se conseguir realizar na e
a partir da região central das grandes nascentes em Angola (http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/01/acordar-o-homem-angolano.html),
afectando todo o triângulo sul do quadrilátero angolano e todo o norte da
Namíbia (cujo centro se pode considerar o lago Etosha), será determinante,
sobretudo nas bacias do Cunene, do Cubango e do Cuando, tal como na bacia
subterrânea do Cuvelai.
Determinante também será para o
combate à seca, em Angola na Província do Cunene e na Namíbia na Ovambolândia!
Quando tenho chamado a atenção
para imediatamente se controlar as grandes nascentes da região central
angolana, planalto do Bié (http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/04/colocar-nossas-pernas-titubeantes-no.html),
avalio quanto é tarde demais para se recuperar um atraso imposto pelos
colonialismos português e prussiano, assim como pelo “apartheid”, não só
um atraso que leva pouco mais de 100 anos, mas também o atraso da falta de
consciência sobre a conjugação dos fenómenos que estão a conduzir à expansão da
desertificação na África Austral afectando já todo o sul de Angola, por que a
mentalidade que prevalece foi a “semeada” pelo processo colonial e
pela antropologia africana dos ancestrais e é urgente, em nome das futuras
gerações, romper-se definitivamente com esse passado que abre espaço a uma luta
sobre brasas!
Martinho Júnior - Luanda, 15 de Maio de 2019
Imagens:
01- Formações geológicas em torno
de Moçâmedes;
02- Fotografia antiga do fulcro
da vila de Moçâmedes;
03- O fugidio órix, um dos
maiores antílopes, é uma espécie original do deserto do Namibe (espécie com
risco de extinção);
04- A fortaleza de Namutoni construída
junto ao lago etosha pelo colonialismo prussiano (alemão);
05- O lago Etosha, anomalia da
natureza no norte do deserto do Namibe, recebe água subterrânea da bacia do
Cuvelai.
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