sábado, 27 de julho de 2019

Brasil | Lavajato: ‘O RISCO TÁ BEM PAGO RS’ - conversas secretas


Deltan foi estrela de encontro com bancos e investidores organizado pela XP 'com compromisso de confidencialidade'

Banqueiros de J.P. Morgan, Goldman Sachs e Deutsche Bank foram convidados para conversar com Deltan – e Fux – em eventos secretos

Andrew FishmanLeandro Demori | The Intercept_Brasil

O procurador Deltan Dallagnol foi o destaque de um evento secreto com representantes dos bancos e investidores mais influentes do Brasil e do exterior. O encontro foi organizado pela XP Investimentos em junho de 2018. A representante da XP que contactou o coordenador da força-tarefa da Lava Jato prometeu que o bate-papo seria “privado, com compromisso de confidencialidade”, e destacou que já havia feito um evento parecido com o ministro do Supremo Luiz Fux: “não saiu nenhuma nota na imprensa”, garantiu.

Dallagnol aceitou e pediu que a XP conversasse com a agência que organiza os eventos pagos do procurador, a Star Palestras, que acabou coordenando a contratação. O Intercept já revelou, com base nos chats secretos da Lava Jato, que Deltan Dallagnol disse ter faturado quase R$ 400 mil com palestras e livros em 2018. Entre as empresas que pagaram pela presença do procurador, está uma investigada pela própria Lava Jato. No caso da XP, não está claro se a ida do procurador foi remunerada.

Dallagnol e seus colegas discutiram, no Telegram, o potencial risco para suas imagens ao se sentarem com banqueiros, mas acabaram decidindo que valia a pena. “Achamos que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs”, escreveu Dallagnol em um chat privado com seu colega na força-tarefa, o procurador Roberson Pozzobon, em fevereiro de 2018. Pozzobon pediu um tempo: “Mas de fato é nessa questao dos bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois”.

Reuniões secretas com banqueiros já provocaram polêmicas com vários políticos e funcionários públicos em outros países. Nos EUA, por exemplo, a recusa de Hillary Clinton em publicar transcrições de seus discursos remunerados para bancos de investimento de Wall Street — e o timing de doações feitas a sua fundação filantrópica — se tornou uma linha de ataque forte e recorrente contra sua campanha fracassada pela presidência em 2016. Eventualmente, algumas das transcrições foram vazadas e publicadas pelo WikiLeaks. A prática de palestras remuneradas é vedada por entidades como o Departamento de Justiça dos EUA e o Tribunal Penal Internacional.

Os detalhes sobre o evento com Dallagnol, realizado no dia 13 de junho de 2018 no escritório da XP, em São Paulo, são relatados em conversas privadas que fazem parte do pacote de mensagens que começamos a revelar no último dia 9 de junho. O material reúne conversas mantidas pelos procuradores da Lava Jato em vários grupos do aplicativo Telegram desde 2014.

O Intercept, junto com a Folha de S. Paulo, revelou este mês um plano de Dallagnol para lucrar com palestras junto com Roberson Pozzobon, contando com a ajuda de suas esposas. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, falou Dallagnol em um chat com sua esposa.

‘NÃO SAIU NENHUMA NOTA NA IMPRENSA’

O CONVITE DA XP INVESTIMENTOS chegou a Dallagnol via Débora Santos, que se apresenta como “consultora/ analista de política e Judiciário” da empresa. No começo da conversa, ela diz que é esposa de Eduardo Pelella, que era o chefe de gabinete e braço direito de Rodrigo Janot quando Procurador-Geral da República. Antes de trabalhar na XP, Santos era assessora particular do Ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.

“Queria te convidar para um bate papo com investidores brasileiros e estrangeiros aqui em SP”, escreveu Santos. Dallagnol explicou que já tinha um evento agendado com a XP e pediu para Santos entrar em contato com sua secretária, mas mostrou mais interesse após a consultora explicar a natureza do evento. “Seria um público mais seleto. CEOs e tesoureiros dos grandes bancos brasileiros e internacionais”, ela detalhou. “Me passa uma lista de quem são?”, pediu Dallagnol.

17 de maio de 2018 – Chat privado

Débora Santos – 18:04:57 – JP Morgan Morgan Stanley Barclays Nomura Goldman Sachs Merrill Lynch Cresit Suisse Deutsche Bank Citibank BNP Paribas Natixis Societe Generale Standard Chartered State Street Macquarie Capital UBS Toronto Dominion Bank Royal Bank of Scotland Itaú Bradesco Verde Santander

Santos – 18:06:17 – Esses seriam os convidados. Nem todos comparecem.

Santos – 18:06:36 – Você deve estar agendado para o Expert, uma conferência grande que realizamos em setembro.

Santos – 18:07:42 – Esse bate-papo é privado, com compromisso de confidencialidade, onde o convidado fica à vontade para fazer análises e emitir pareceres sobre os temas em um ambiente mais controlado.

Santos – 18:08:17 – Semana passada recebemos o presidente do TSE, ministro Fux, por exemplo e não saiu nenhuma nota na imprensa.

Santos – 18:09:25 – Nem sobre a presença dele na XP.

Santos – 18:09:43 – Assim, já aconteceu com vários personagens importantes do cenário nacional, como você.

XP e Dallagnol não confirmaram os participantes do evento para o Intercept, mas na lista de convidados havia bancos que já foram investigados pela Lava Jato. Depois da explicação do evento, os dois discutiram a logística e a data:

17 de maio de 2018 – Chat privado

Deltan Dallagnol – 23:06:04 – Mas me esclarece melhor: Vcs têm encontros regulares sem data definida? Ou querem fazer um encontro específico com alguma pauta? O ideal seria eu participar de um encontro que já exista…

18 de maio de 2018 – Chat privado

Débora Santos – 10:33:53 – Fazemos econtros regulares com atores do mercado para fazer análises conjunturis sobre temas da atualidade. Estamos na fase de ciclo de encontros sobre Lava Jato e Eleições, por isso estivemos com o ministro Fux, na semana passada, e estamos negociando data com os ministros Barroso e Alexandre de Morais tb.

Santos – 10:34:49 – Além de integrantes do Judiciário, estivemos nas últimas semanas com algumas lideranças políticas e cientistas políticos.

Santos – 10:35:33 – A reunião com vc se coloca nesse contexto do ciclo de debates sobre eleições, lava jato e conjuntura política em 2018.

Santos – 11:24:14 – A principal diferença entre a conferencia que vc fará em setembro e dessa reunião privada é o tipo de público. Na conferencia ampliada, é um público heteregeneo que compreende o cenário mais amplo, sem aprofundamentos, meio que o que já está nos jornais. O público dessas reuniões privadas é mais qualificado, se aprofunda em conceitos de debates.

O ministro Fux não respondeu ao Intercept. Já os ministros Barroso e Moraes negaram ter participado em eventos do tipo.

Quatro dias depois, Dallagnol perguntou sobre um possível cachê.

22 de maio de 2018 – Chat privado

Deltan Dallagnol – 23:08:33 – Débora, a ida dos Ministros é remunerada como palestra?

Dallagnol – 23:09:01 – Os encontros são convocados então tendo em vista um convidado específico, certo?

Débora Santos – 23:42:49 – Sim, fazem parte de um projeto que vem sendo desenvolvido ao longo do ano, mas são convocadas rodadas para cada convidado

Santos – 23:44:40 – Temos como hábito respeitar a privacidade dos nossos convidados

Dallagnol – 23:55:23 – Opa entendo perfeitamente.

Dallagnol – 23:55:44 – Debora vou pedir para a SUPRIMIDO que me ajuda com essas palestras para falar com Vc.

23 de maio de 2018 – Chat privado

Débora Santos – 00:01:15 – Tudo bem.

Àquela altura, o procurador já sabia muito bem seu valor no mercado de palestras. Em várias conversas anteriores, Dallagnol discutiu a remuneração de outras figuras públicas – ele queria estabelecer seu próprio preço. Em um documento intitulado “Projeto palestras.docx”, criado em dezembro de 2015 e editado pela última vez em fevereiro de 2016, Dallagnol anotou três conversas relevantes:

Sobre as palestras pagas:

– SUPRIMIDO do Markets Group: Com certeza, Dr Dallagnol. Na verdade, quase todas as autoridades cobram para dar palestra. O Joaquim Barbosa, por exemplo, cobra 70 mil reais por palestra. O FHC, 360 mil. Se eles cobram, é porque tem quem pague. Pedro Malan, Mailson da Nobrega… Por ai vai. Empresas como a minha não pagam palestrantes, pois organizar conferências é a nossa atividade-fim. Mas sei que investment banks costumam trazer palestrantes de peso para falar para investidores e costumam pagar por isso.

– SUPRIMIDO da Star: FHC cobraria cento e poucos mil; Joaquim Barbosa, 99 mil. Ricardo Amorim, 34.600. Uma iniciante que está com ela, 6 mil.

– Orlando: colega do MP que participou do CDC viajou fazendo muitas palestras, cobrando por isso.

A XP se recusou a confirmar a existência do evento secreto ou de pagamentos a Dallagnol por sua participação. A Star Palestras, que agencia os eventos do procurador, respondeu que os dados sobre clientes são privados e “por isso não fornecemos informações”. Ainda afirmou que “se conduz em sua atividade segundo a lei e a ética”.

Mas é certo que o evento secreto aconteceu. Com a aprovação da XP, Dallagnol levou um integrante da Transparência Internacional. A organização, que se descreve como “dedicada à luta contra a corrupção”, juntou-se aos procuradores da força-tarefa para criar as “Novas Medidas contra a Corrupção”, e confirmou que Guilherme Donega, consultor do Programa de Integridade em Mercados Emergentes, esteve presente e falou sobre a iniciativa.

Perguntado sobre o conflito ético de reuniões privadas de procuradores – possivelmente remuneradas – com bancos, a Transparência Internacional respondeu que “devem ser evitadas atividades de qualquer tipo – mesmo as privadas – que possam comprometer a integridade, equidade e imparcialidade necessárias à função que exercem”. “Em caso de dúvida, recomenda-se que esta seja levada a um órgão competente para um parecer prévio”, acrescentou a entidade, que informou ainda que Donega não foi remunerado por sua participação. (continua)

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