Deltan foi estrela de encontro
com bancos e investidores organizado pela XP 'com compromisso de confidencialidade'
Banqueiros de J.P. Morgan,
Goldman Sachs e Deutsche Bank foram convidados para conversar com Deltan – e
Fux – em eventos secretos
Andrew Fishman, Leandro Demori | The
Intercept_Brasil
O procurador Deltan Dallagnol foi o
destaque de um evento secreto com representantes dos bancos e investidores mais
influentes do Brasil e do exterior. O encontro foi organizado pela XP
Investimentos em junho de 2018.
A representante da XP que contactou o coordenador da força-tarefa
da Lava Jato prometeu que o bate-papo seria “privado, com compromisso de
confidencialidade”, e destacou que já havia feito um evento parecido com o
ministro do Supremo Luiz Fux: “não saiu nenhuma nota na imprensa”, garantiu.
Dallagnol aceitou e pediu que a
XP conversasse com a agência que organiza os eventos pagos do procurador, a
Star Palestras, que acabou coordenando a contratação. O Intercept já
revelou, com base nos chats secretos da Lava Jato, que Deltan Dallagnol disse
ter faturado quase R$ 400 mil com palestras e livros em 2018. Entre as
empresas que pagaram pela presença do procurador, está uma investigada pela própria Lava Jato. No caso da XP,
não está claro se a ida do procurador foi remunerada.
Dallagnol e seus colegas
discutiram, no Telegram, o potencial risco para suas imagens ao se sentarem com
banqueiros, mas acabaram decidindo que valia a pena. “Achamos que há risco sim,
mas que o risco tá bem pago rs”, escreveu Dallagnol em um chat privado com seu
colega na força-tarefa, o procurador Roberson Pozzobon, em fevereiro de 2018.
Pozzobon pediu um tempo: “Mas de fato é nessa questao dos bancos que a coisa é
mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois”.
Reuniões secretas com banqueiros
já provocaram polêmicas com vários políticos e funcionários públicos em outros
países. Nos EUA, por exemplo, a recusa de Hillary Clinton em publicar transcrições de seus discursos remunerados para bancos de investimento de
Wall Street — e o timing de doações feitas a sua fundação filantrópica — se tornou
uma linha de ataque forte e recorrente contra sua campanha fracassada pela presidência em 2016. Eventualmente,
algumas das transcrições foram vazadas e publicadas pelo WikiLeaks. A prática
de palestras remuneradas é vedada por entidades como o Departamento de Justiça
dos EUA e o Tribunal Penal Internacional.
Os detalhes sobre o evento com
Dallagnol, realizado no dia 13 de junho de 2018 no escritório da XP, em São
Paulo, são relatados em conversas privadas que fazem parte do pacote de
mensagens que começamos a revelar no último dia 9 de junho. O material reúne
conversas mantidas pelos procuradores da Lava Jato em vários grupos do
aplicativo Telegram desde 2014.
O Intercept, junto com a
Folha de S. Paulo, revelou este mês um plano de Dallagnol para lucrar com
palestras junto com Roberson Pozzobon, contando com a ajuda de suas esposas.
“Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de
aproveitar nosso networking e visibilidade”, falou Dallagnol em um chat com sua
esposa.
O CONVITE DA XP INVESTIMENTOS chegou
a Dallagnol via Débora Santos, que se apresenta como “consultora/ analista de
política e Judiciário” da empresa. No começo da conversa, ela diz que é esposa
de Eduardo Pelella, que era o chefe de gabinete e braço direito de Rodrigo
Janot quando Procurador-Geral da República. Antes de trabalhar na XP, Santos
era assessora particular do Ministro Edson Fachin, relator
da Lava Jato no STF.
“Queria te convidar para um bate
papo com investidores brasileiros e estrangeiros aqui em SP”, escreveu Santos.
Dallagnol explicou que já tinha um evento agendado com a XP e pediu para Santos
entrar em contato com sua secretária, mas mostrou mais interesse após a
consultora explicar a natureza do evento. “Seria um público mais seleto. CEOs e
tesoureiros dos grandes bancos brasileiros e internacionais”, ela detalhou. “Me
passa uma lista de quem são?”, pediu Dallagnol.
17 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 18:04:57 – JP
Morgan Morgan Stanley Barclays Nomura Goldman Sachs Merrill Lynch Cresit Suisse
Deutsche Bank Citibank BNP Paribas Natixis Societe Generale Standard Chartered
State Street Macquarie Capital UBS Toronto Dominion Bank Royal Bank of Scotland
Itaú Bradesco Verde Santander
Santos – 18:06:17 – Esses
seriam os convidados. Nem todos comparecem.
Santos – 18:06:36 – Você
deve estar agendado para o Expert, uma conferência grande que realizamos em
setembro.
Santos – 18:07:42 – Esse
bate-papo é privado, com compromisso de confidencialidade, onde o convidado
fica à vontade para fazer análises e emitir pareceres sobre os temas em um
ambiente mais controlado.
Santos – 18:08:17 – Semana
passada recebemos o presidente do TSE, ministro Fux, por exemplo e não saiu
nenhuma nota na imprensa.
Santos – 18:09:25 – Nem
sobre a presença dele na XP.
Santos – 18:09:43 – Assim,
já aconteceu com vários personagens importantes do cenário nacional, como você.
XP e Dallagnol não confirmaram os
participantes do evento para o Intercept, mas na lista de convidados havia
bancos que já foram investigados pela Lava Jato. Depois da
explicação do evento, os dois discutiram a logística e a data:
17 de maio de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 23:06:04 – Mas
me esclarece melhor: Vcs têm encontros regulares sem data definida? Ou querem
fazer um encontro específico com alguma pauta? O ideal seria eu participar de
um encontro que já exista…
18 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 10:33:53 – Fazemos
econtros regulares com atores do mercado para fazer análises conjunturis sobre
temas da atualidade. Estamos na fase de ciclo de encontros sobre Lava Jato e
Eleições, por isso estivemos com o ministro Fux, na semana passada, e estamos
negociando data com os ministros Barroso e Alexandre de Morais tb.
Santos – 10:34:49 – Além de
integrantes do Judiciário, estivemos nas últimas semanas com algumas lideranças
políticas e cientistas políticos.
Santos – 10:35:33 – A
reunião com vc se coloca nesse contexto do ciclo de debates sobre eleições,
lava jato e conjuntura política em 2018.
Santos – 11:24:14 – A
principal diferença entre a conferencia que vc fará em setembro e dessa reunião
privada é o tipo de público. Na conferencia ampliada, é um público heteregeneo
que compreende o cenário mais amplo, sem aprofundamentos, meio que o que já
está nos jornais. O público dessas reuniões privadas é mais qualificado, se
aprofunda em conceitos de debates.
O ministro Fux não respondeu ao
Intercept. Já os ministros Barroso e Moraes negaram ter participado em eventos
do tipo.
Quatro dias depois, Dallagnol
perguntou sobre um possível cachê.
22 de maio de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 23:08:33 – Débora,
a ida dos Ministros é remunerada como palestra?
Dallagnol – 23:09:01 – Os
encontros são convocados então tendo em vista um convidado específico, certo?
Débora Santos – 23:42:49 – Sim,
fazem parte de um projeto que vem sendo desenvolvido ao longo do ano, mas são
convocadas rodadas para cada convidado
Santos – 23:44:40 – Temos
como hábito respeitar a privacidade dos nossos convidados
Dallagnol – 23:55:23 – Opa
entendo perfeitamente.
Dallagnol – 23:55:44 – Debora
vou pedir para a SUPRIMIDO que me ajuda com essas palestras para falar com
Vc.
23 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 00:01:15 – Tudo
bem.
Àquela altura, o procurador já
sabia muito bem seu valor no mercado de palestras. Em várias conversas
anteriores, Dallagnol discutiu a remuneração de outras figuras públicas – ele
queria estabelecer seu próprio preço. Em um documento intitulado “Projeto palestras.docx”,
criado em dezembro de 2015 e editado pela última vez em fevereiro de 2016,
Dallagnol anotou três conversas relevantes:
Sobre as palestras pagas:
– SUPRIMIDO do Markets Group: Com certeza, Dr Dallagnol. Na verdade, quase todas as autoridades cobram para dar palestra. O Joaquim Barbosa, por exemplo, cobra 70 mil reais por palestra. O FHC, 360 mil. Se eles cobram, é porque tem quem pague. Pedro Malan, Mailson da Nobrega… Por ai vai. Empresas como a minha não pagam palestrantes, pois organizar conferências é a nossa atividade-fim. Mas sei que investment banks costumam trazer palestrantes de peso para falar para investidores e costumam pagar por isso.
– SUPRIMIDO da Star: FHC cobraria cento e poucos mil; Joaquim Barbosa, 99 mil. Ricardo Amorim, 34.600. Uma iniciante que está com ela, 6 mil.
– Orlando: colega do MP que participou do CDC viajou fazendo muitas palestras, cobrando por isso.
A XP se recusou a confirmar a
existência do evento secreto ou de pagamentos a Dallagnol por sua participação.
A Star Palestras, que agencia os eventos do procurador, respondeu que os dados
sobre clientes são privados e “por isso não fornecemos informações”. Ainda
afirmou que “se conduz em sua atividade segundo a lei e a ética”.
Mas é certo que o evento secreto
aconteceu. Com a aprovação da XP, Dallagnol levou um integrante da
Transparência Internacional. A organização, que se descreve como “dedicada à
luta contra a corrupção”, juntou-se aos procuradores da força-tarefa para criar
as “Novas Medidas contra a Corrupção”, e confirmou que Guilherme Donega,
consultor do Programa de Integridade em Mercados Emergentes, esteve presente e
falou sobre a iniciativa.
Perguntado sobre o conflito ético
de reuniões privadas de procuradores – possivelmente remuneradas – com bancos,
a Transparência Internacional respondeu que “devem ser evitadas atividades de
qualquer tipo – mesmo as privadas – que possam comprometer a integridade,
equidade e imparcialidade necessárias à função que exercem”. “Em caso de
dúvida, recomenda-se que esta seja levada a um órgão competente para um parecer
prévio”, acrescentou a entidade, que informou ainda que Donega não foi
remunerado por sua participação. (continua)
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