Que pensam sobre a força – as
armas da Europa – os deputados europeus que acabaram de tomar posse em
Estrasburgo?
Carlos de Matos
Gomes | Jornal Tornado | opinião
Em o “Príncipe”, Maquiavel
escreveu que é impossível existirem boas leis se antes destas não existirem
boas armas.
Luís XIV, o rei Sol, mandou
inscrever na boca dos seus canhões a frase latina: Ultima Ratio Regum –
o último argumento dos reis.
Mao Tse Tung, o chefe da
revolução que está na origem da China potência mundial de hoje, proclamou que o
poder está na ponta da espingarda.
Que pensam sobre a força – as
armas da Europa – os deputados europeus que acabaram de tomar posse em
Estrasburgo?
Estes deputados vão representar
os cidadãos da União Europeia num jogo de forças mundial. Vão negociar tratados
de comércio, valores de moedas, acessos a mercados de matérias-primas e de
produtos manufacturados, vão lutar por recursos essenciais, mas escassos, por
direitos de tráfego de pessoas e bens. Pensam estes deputados participar nesta
guerra e nas suas batalhas de mãos nuas e sorrisos cândidos?
Algum deputado aqui em Portugal
ou em qualquer estado europeu, falou destes assuntos? Ouvi-os e li-os em várias
línguas a exigirem “fundos”. Os cidadãos europeus estão, pelo que parece,
embevecidos com a conversa da treta e da teta.
Onde está a força – as tais boas
armas de que falava Maquiavel – para a União Europeia impor as boas leis, as
boas políticas, para defender os interesses dos europeus no mundo? – Algum dos
deputados que hoje debutam em Estrasburgo é capaz de explicar aos seus
eleitores?
Ter boas armas para um Estado se
afirmar autonomamente no xadrez da política internacional implica hoje o
domínio de três vectores. Muito resumidamente e em linguagem simples: um
sistema de informações (tecnologias da informação – recolha, tratamento e
armazenamento de dados) próprio, um sistema aeroespacial com satélites de
várias configurações para comunicações, leitura da superfície terrestre, luta
entre satélites e, por fim um sistema de armas nucleares, de destruição massiva
ou contra alvos precisos, que possibilite o seu lançamento a partir de
plataformas terrestres, aéreas, marítimas e espaciais.
Algum deputado europeu referiu o
assunto do armamento, das “boas armas” para a União Europeia ter um papel nos
conflitos do mundo?
Ninguém gosta das popularmente
designadas de “bombas atómicas”, mas elas existem, já foram utilizadas e não
podem ser “desinventadas”. Temos de viver (se conseguirmos) com elas.
A tensão causada pelo programa
nuclear do Irão e os salamaleques que o presidente da Coreia do Norte tem
merecido das superpotências reinantes, por parte dos dirigentes dos EUA, da
Rússia e da China provam que só a posse da “bomba atómica” e da capacidade
tecnológica de a usar garante a sobrevivência desses estados e dos seus
dirigentes.
Os chefes religiosos do Irão e o
chefe da Coreia do Norte, com as respectivas cortes, aprenderam a lição de
Saddam Hussein e de Khadafi: estes dois não tinham as tais armas de destruição
massiva de que eram acusados e tramaram-se por isso, um enforcado e o outro
empalado.
Para os ayatolah de
Teerão e para Kim Jong-un em Pyongyang as “bombas atómicas” são o mesmo que o
colete de explosivos dos bombistas suicidas: com elas ninguém se atreve a
atacá-los. São o seu seguro de vida. Mas são também um bilhete para as grandes
récitas mundiais. Equipados com “bombas atómicas” eles podem dar-se ao luxo de
só negociar com quem possua armas nucleares!
Goste-se ou não, quem não possui
armas nucleares e a tecnologia para ameaçar credivelmente com a sua utilização
é e será um Estado dependente de um outro que as possua. Será um Estado
suserano, que subsiste em condições de aparente autonomia, mas rende vassalagem
ou paga tributo a um estado soberano.
Algum deputado europeu falou
desta condição de menoridade da União Europeia e a defendeu, ou se propôs
alterar a situação?
A União Europeia não dispõe de um
sistema autónomo de gestão de dados, não dispõe de um sistema aeroespacial
autónomo e não dispõe de armas nucleares credíveis (a force de frappe francesa são
dinky toys para satisfazer o ego nacional e as armas nucleares inglesas
fazem parte da panóplia americana).
Algum deputado europeu abordou o
assunto de a União Europeia vir a ser em ponto grande aquilo que a Cuba de
Fulgêncio Batista foi para os Estados Unidos em ponto pequeno? Um bordel, uma
estância para tráficos dos grandes gângsteres, um espaço sujeito à lei do mais
forte?
A questão central da União
Europeia é a de saber se esta quer ser um grande espaço político no mundo,
sentar-se à mesma mesa com os Estados Unidos, a Rússia, a China, porventura a
Índia, ou se quer sentar-se na mesa dos serviçais, dos dependentes de hálito
pestífero, como o Brasil de Bolsonaro, as Filipinas de Duterte, Israel (que
possui cerca de 100 ogivas nucleares) de Netanyahu, a Arábia Saudita do
esquartejador, a Ucrânia sabe-se lá de quem…
A questão da União Europeia é ser
um dos grandes no mundo, ou ser um dos subordinados, um protectorado. Qual a
opção dos deputados europeus? O que faz um ministro dos negócios estrangeiros
da UE (agora um espanhol) sem força para negociar, sem força para escolher
aliados, sem força para recusar ultimatos e dicktats de potências
imperiais? Fala baixinho, mexe-se sem causar perturbações, mete o rabo entre as
pernas. Será o papel do senhor Borrell, que substituiu a senhora Mogherini no
cargo com o pomposo título de Alto Representante da União Europeia para os
Negócios Estrangeiros e Política de Segurança! Equipado com uma fisga de ir aos
pardais. Se o PAN deixar.
Ser um dos grandes actores da
política mundial – e a União Europeia deve (devia) ter essa ambição – implica
possuir armas nucleares e todos os sistemas associados para as produzir e
lançar. É desagradável? Mas é mais perigoso para a defesa dos princípios da
liberdade e do bem-estar que usufruímos na Europa, apesar das limitações, estar
à mercê de quem nos cobra o imposto para nos garantir a segurança, como fazem
as organizações mafiosas aos comerciantes indefesos.
A independência da União Europeia
neste mundo dividido em coutadas implica ter a coragem de se afirmar tão
disposto a utilizar a força quanto os seus parceiros e concorrentes se afirmam.
Algum deputado referiu o assunto?
O que se tem visto da parte dos
dirigentes europeus é a barganha por lugares ditos de topo para os seus homens
e mulheres de mão. Uma luta ridícula e suicida pelos melhores camarotes de um
desarmado navio de comércio enquanto os barcos de piratas rondam com os canhões
apontados!
A história de Portugal, mas
também a da Inglaterra e a da Holanda revelam que antes do comerciante vai o
soldado, o navio, o canhão. Que não há comércio sem uma armada, nem povos
livres sem uma arma de dissuasão, ou de imposição de vontade. Na Europa é uma
lição com meio milénio, pelo menos. A “Peregrinação”, de Fernão Mendes Pinto, é
um compêndio de como foram os canhões dos navios de Afonso de Albuquerque que
garantiram à Europa e a Portugal o comércio das especiarias do Oriente. O que
fizemos com a riqueza obtida é outra história.
Nenhum deputado europeu referiu a
questão central da força da Europa no mundo armado em que vivemos. Temos um
parlamento europeu de anjos e arcanjos, de querubins e querubinas (é um assunto
importante, de género) que lutam por um pequeno altar para fazer uns negócios.
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