Manuel Carvalho da Silva* | Jornal
de Notícias | opinião
Já ocupei este espaço com uma
abordagem do significado do uso das "contas certas" como bandeira
política.
O princípio das "contas
certas" - que à partida identifica um objetivo individual e coletivo
honroso e responsável - surge-nos, amiúde, manipulado a favor de teses que
pouco têm a ver com o bem comum. Os portugueses tiveram uma dura experiência no
século passado, quando Salazar transformou o equilíbrio orçamental num desígnio
nacional que se sobrepunha a tudo, inclusive ao desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Na passada semana o ministro
Mário Centeno e o Governo festejaram a obtenção de mais um recorde: um
excedente orçamental de 0,4% do PIB no primeiro trimestre de 2019. Será que
este resultado merece ser festejado? Numa pequena parte sim, no fundamental
não.
Valorize-se esforços pontuais
para redução dos encargos com a dívida e tudo o que possa significar dinamismo
da economia, mas não esqueçamos que há graves problemas estruturais por
resolver em múltiplos setores de atividade, públicos e privados. Entretanto, a
situação muito difícil do setor da saúde e de outros serviços públicos não se
resolve com meias-verdades ou manipulações na interpretação de números. Mário
Centeno sabe que entre os valores orçamentados e os executados na saúde, como
noutras áreas, há enormes distâncias; e o que conta para resolver problemas é o
que em cada serviço se consegue executar a partir dos meios humanos e
financeiros disponibilizados.
Precisamos de políticas
financeiras prudentes, mas não cegas. De um Ministério das Finanças cauteloso,
mas não estrangulador. Contas certas não é sinónimo de orçamento excedentário.
Contas certas são as que garantem, com equilíbrio, a resposta aos problemas e
necessidades fundamentais das populações e desenvolvimento do país. Uma estratégia
de contenção orçamental subjugada aos critérios do Programa de Estabilidade e a
imposições mais que duvidosas da União Europeia pode, no imediato, ser
associada ao apaziguamento dos mercados e das agências de rating, mas comporta
riscos e perigos de longo prazo que até agora o Governo não quis reconhecer,
apesar de serem bem visíveis e dolorosos.
Não se insista na tese de que a
ação do Governo conquistou no plano internacional uma credibilidade "sem
paralelo na história recente de Portugal", pois há contradições nos
elogios e os resultados obtidos tiveram importantes causas externas. Não se
convença os portugueses de que estamos a criar uma importante
"almofada" que nos protegerá em caso de nova crise generalizada.
Desde logo, ela está a sair cara de mais ao atrofiar serviços fundamentais e,
uma crise generalizada dos serviços públicos fomentaria descontentamento
generalizado dos cidadãos e protestos desfiliados potencialmente perigosos nos
planos social e político. Além disso, uma crise forte destruiria a pretensa
almofada em três tempos.
O que pode ajudar a proteger-nos
são políticas que persistentemente testem os limites impostos pela União
Europeia e a forma de lidar com a dívida, a utilização de todos os recursos
para investimento, reforço da estrutura económica e a melhoria da matriz de
desenvolvimento do país. Estes objetivos só são possíveis com robustez e
eficácia do Estado.
Com prudência mal formulada
estaremos condenados.
*Investigador e professor
universitário
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