Duas entidades que se destacaram
na luta contra ditadura, mas se calaram diante do golpe e do bolsonarismo,
assumem cada vez mais seu papel para defender os direitos no país. Por isso,
tornam-se principal alvo de represálias do governo
Lola Leal, no Rede Brasil Atual | em Outras Palavras
De um lado da Avenida Paulista,
próximas às grades do Parque Trianon, duas fileiras de soldados do batalhão de
choque da Policia Militar, com seus indefectíveis escudos e cassetetes
intimidavam, como sempre, os que ali passavam. Do outro lado, junto ao Masp um
caminhão de som ampliava as vozes dos que discursavam contra o atual governo e
suas barbaridades. No meio, com as pistas da avenida fechada para veículos,
entre os manifestantes destacava-se um grupo de cerca de 10 pessoas portando
crachás da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Eram integrantes da Comissão de
Direitos Humanos da Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil.
Dois mundos separados pela
avenida. A repressão truculenta de um lado, a defesa da dignidade humana de
outro. Movidos apenas pelo compromisso com essa proteção, advogados e advogadas
estão presentes, de forma discreta e anônima, em quase todos atos de rua
prontos para enfrentar, apenas com os seus crachás, a hostilidade e, muitas
vezes, a violência policial.
Não foram poucas as vezes que os
integrantes da OAB acompanharam nas delegacias de polícia pessoas detidas nas
manifestações. Foram essas presenças que evitaram arbítrios ainda maiores do
que a própria detenção em si. É um trabalho voluntário e praticamente anônimo, mas
imprescindível, para garantir nas ruas o mínimo de Estado de direito que resta
no país.
A OAB teve um papel político
importante na luta contra a ditadura de 64, embora a tenha apoiado em seu
início. Redimiu-se ao se integrar à luta pela redemocratização do país e, em
consequência, tornou-se alvo de represálias. O episódio mais dramático resultou
na morte da funcionária da entidade, Lyda Monteiro da Silva, em 1980, vítima de
uma carta-bomba endereçada ao então presidente da OAB, Eduardo Seabra Fagundes.
Hoje, em meio ao esgarçamento da
ordem democrática a OAB, à semelhança do que aconteceu no passado, inicialmente
silenciou. Para depois, sob nova direção, retomar o caminho da luta contra o
arbítrio. E novamente surgem as represálias. O presidente da República,
agastado com as ações da ordem em defesa das prerrogativas dos advogados,
reagiu atacando a memória do pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz,
vítima da ditadura anterior. E num ato despótico e inconstitucional, por violar
o princípio da Carta que estabelece a impessoalidade dos atos públicos,
determinou o rompimento de um contrato de prestação de serviços entre o
escritório de advocacia de Santa Cruz e a Petrobras.
Parceira da OAB na defesa da
democracia durante a ditadura de 64-84, ressurge na cena política brasileira a
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), depois de anos de encolhimento e
ostracismo. Mas não foi fácil. Foram necessárias três tentativas de eleição,
entre abril e junho deste ano, para que o pleito se realizasse e a oposição
vencesse, não só as duas chapas concorrentes, mas uma série de chicanas
judiciais articuladas por grupos interessados em manter a entidade alheia à
situação política nacional.
Superada essa barreira, a nova
direção da ABI já mostrou a que veio. Logo depois da posse, o ato de filiação
do jornalista Glenn Greenwald tornou-se um significativo momento político de
repulsa às arbitrariedades que se espalham pelo país. Cerca de 3 mil pessoas,
dentro e fora da sede da ABI, no Rio de Janeiro, acompanharam a solenidade e
aplaudiram o jornalista estadounidense, responsável por revelar os desmandos da
Operação Lava Jato, destruidora de grande parte do patrimônio material e ético
acumulado pelo Brasil.
A homenagem da ABI a Gleen
Greenwald não resume-se a sua competência e coragem mas também a uma forma de
fazer jornalismo que vai além das simples aparências. As revelações do
jornalista e de sua equipe através do site The Intercept Brasil tiveram
sua autenticidade confirmada pelos veículos tradicionais que as reproduziram.
A certeza da correção das
informações deu-se através da verificação de que, entre as conversas apuradas,
estavam as de jornalistas das próprias empresas com integrantes da Lava Jato,
sem distorções. Se de um lado essa constatação foi positiva, de outro mostra a
falta de um olhar mais crítico desses jornalistas diante das informações antes
recebidas. Faltou a eles desconfiar das fontes que durante anos alimentaram,
sem contestação, o noticiário político brasileiro.
Como se vê, a volta da ABI ao
protagonismo político vai além do objetivo central de sua razão de ser, que é a
defesa da liberdade de informação. Ela é essencial, mas não basta. É preciso
vir acompanhada de um jornalismo competente, livre das amarras empresariais e
políticas, capaz de ir à essência dos fatos. Como fez o The Intercept
Brasil com a Lava Jato.
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