Jesus Santrich, ex-comandante das
FARC, Maio 2019
|
Maurice Lemoine [*]
… os dois homens [Macron e
Duque], infelizmente, não tiveram tempo de evocar os 7 milhões de deslocados
internos colombianos, nem os 462 dirigentes sociais, comunitários, indígenas,
camponeses e defensores dos direitos humanos assassinados no país, de janeiro
de 2016 a
fevereiro de 2019 (incluindo 172 em 2018), a crer no Provedor de Justiça
(Ombudsman) Carlos Negret, nem os 133 ex-guerrilheiros executados (assim como
34 membros das suas famílias), depois de haverem deposto as armas, confiantes
na palavra do Estado.
Em visita oficial à França, o
presidente colombiano, Iván Duque, foi recebido, em 19 de junho, no Palácio do
Eliseu. Na ocasião, o presidente Emmanuel Macron recordou o empenhamento de
Paris no pleno êxito dos acordos de paz, assinados em 24 de novembro de 2016,
entre o poder e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), "acordos
financeiramente apoiados numa base bilateral, com a intermediação da União
Europeia", realçou ele. No que lhe diz respeito, Duque evocou
sobretudo "a sua preocupação com as consequências na Colômbia da
crise migratória venezuelana". Em linha com o seu interlocutor –
Paris e Bogotá reconheceram o "imaginário presidente"venezuelano,
Juan Guaido, e invocaram o Tribunal Penal Internacional (TPI) para julgar o
legítimo chefe de Estado, Nicolás Maduro, que, obstinadamente, se recusa a
deixar-se derrubar – Macron anunciou que a França irá duplicar este ano sua
contribuição para o Alto Comissariado da ONU para os refugiados (ACNUR) e para
o Comité Internacional da Cruz vermelha (CICV), colocando sobre a mesa 1 milhão
de euros para ajudar os migrantes e deslocados venezuelanos.
Com uma agenda manifestamente muito carregada, os dois homens, infelizmente, não tiveram tempo de evocar os 7 milhões de deslocados internos colombianos [1] , nem os 462 dirigentes sociais, comunitários, indígenas, camponeses e defensores dos direitos humanos assassinados no país, de janeiro de2016 a fevereiro de 2019
(incluindo 172 em 2018), a crer no Provedor de Justiça (Ombudsman) Carlos
Negret, nem os 133 ex-guerrilheiros executados (assim como 34 membros da sua
família), depois de haverem deposto as armas, confiantes na palavra do
Estado [2] .
Para não deixar o campo aberto a uma possível e leve sensação de desconforto, o ministro da Transição Ecológica, François Henri Goullet de Rugy ("macronista" de fresca data, tendência "o verde está no fruto" [3] ), assinou um acordo bilateral de cooperação para a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais com o seu homólogo Ricardo Lozano, que fazia parte da delegação colombiana. Também aí, por uma questão de equilíbrio e de não ingerência nos assuntos internos de um Estado soberano, foi assumido não mencionar a autorização dada por Bogotá para a exploração não convencional, por fraturação hidráulica (" fracking "), do petróleo e do gás de xisto presentes no subsolo colombiano; as primeiras experiências vão arrancar continuamente em33.915 quilómetros quadrados, nos departamentos
de Santander, César, Bolívar e Antioquia [4] .
Caro ao presidente francês – como este recordou por ocasião da assinatura de um
acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercado Comum do Sul
(Mercosul) – a implementação do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas
encontrar-se-á, sem dúvida, muito facilitado...
Paradoxalmente, foi dos Estados Unidos que, para o presidente de extrema-direita Iván Duque, vieram as contrariedades. Com efeito, em 18 de maio, numa manchete de uma " primeira página " muito notada, o New York Times afirmou: "As novas ordens do exército colombiano para matar preocupam" [5] . Baseada em documentos oficiais e testemunhos anónimos de oficiais de alta patente, a investigação revelou as instruções do comandante-em-chefe das forças armadas nomeado por Duque, em dezembro de 2018, o general Nicacio Martínez, exigindo das suas tropas que duplicassem o número de "capturas" e de "eliminação de criminosos". A injunção recorda a sinistra prática dos "falsos positivos" que, para "fazer número", levaram à execução de civis apresentados como guerrilheiros mortos em combate – 2.248 vítimas, entre 1988 e 2014 (oficialmente), dos quais, mais de 90% durante os dois mandatos do mentor de Duque, Álvaro Uribe (2002-2010).
Com uma agenda manifestamente muito carregada, os dois homens, infelizmente, não tiveram tempo de evocar os 7 milhões de deslocados internos colombianos [1] , nem os 462 dirigentes sociais, comunitários, indígenas, camponeses e defensores dos direitos humanos assassinados no país, de janeiro de
Para não deixar o campo aberto a uma possível e leve sensação de desconforto, o ministro da Transição Ecológica, François Henri Goullet de Rugy ("macronista" de fresca data, tendência "o verde está no fruto" [3] ), assinou um acordo bilateral de cooperação para a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais com o seu homólogo Ricardo Lozano, que fazia parte da delegação colombiana. Também aí, por uma questão de equilíbrio e de não ingerência nos assuntos internos de um Estado soberano, foi assumido não mencionar a autorização dada por Bogotá para a exploração não convencional, por fraturação hidráulica (" fracking "), do petróleo e do gás de xisto presentes no subsolo colombiano; as primeiras experiências vão arrancar continuamente em
Paradoxalmente, foi dos Estados Unidos que, para o presidente de extrema-direita Iván Duque, vieram as contrariedades. Com efeito, em 18 de maio, numa manchete de uma " primeira página " muito notada, o New York Times afirmou: "As novas ordens do exército colombiano para matar preocupam" [5] . Baseada em documentos oficiais e testemunhos anónimos de oficiais de alta patente, a investigação revelou as instruções do comandante-em-chefe das forças armadas nomeado por Duque, em dezembro de 2018, o general Nicacio Martínez, exigindo das suas tropas que duplicassem o número de "capturas" e de "eliminação de criminosos". A injunção recorda a sinistra prática dos "falsos positivos" que, para "fazer número", levaram à execução de civis apresentados como guerrilheiros mortos em combate – 2.248 vítimas, entre 1988 e 2014 (oficialmente), dos quais, mais de 90% durante os dois mandatos do mentor de Duque, Álvaro Uribe (2002-2010).
Sob o fogo da justiça, em relação a 283 destas execuções extrajudiciais, nos
departamentos de Cesar e da Guajira, entre outubro de 2004 e janeiro de 2006, a 10.ª Brigada
Blindada tinha então como Vice-comandante e Chefe do Estado Maior ... Nicacio
Martínez (nomeado depois por Duque às mais altas funções, bis
repetita ).
Percebendo uma possível reprovação internacional, o Exército suspendeu essa
diretiva dois dias após a revelação do New York Times (NYT). Todavia,
o "incidente" não terminou aí. Depois de o ministro da
Defesa, Guillermo Botero, ter denunciado o artigo como estando "cheio
de incoerências", foi desencadeada uma feroz caça às bruxas dentro
das unidades militares para encontrar, ameaçar e punir os responsáveis por
aquelas revelações. Os dois colaboradores do NYT, o jornalista Nicholas Casey e
o fotógrafo Federico Ríos, foram objeto de violentas rajadas de declarações agressivas
– incluindo as do senador e ex-presidente Uribe, ou da senadora María Fernanda
Cabal (esposa de José Felix Lafaurie, presidente da Fedegan, a poderosa
federação de latifundiários, os principais beneficiários das terras arrancadas
aos camponeses por paramilitares) – e insultados, acusados e, até, ameaçados de
morte nas redes sociais, pelo que tiveram de deixar o país por razões de
segurança.
Tendo feito de Duque um de seus principais comparsas na Organização dos Estados
Americanos (OEA) para desestabilizar a Venezuela, Donald Trump, em 6 de maio de
2019, nomeou embaixador em Bogotá, Philip Goldberg, diplomata expulso da
Bolívia em 2008, pelo seu papel numa violenta tentativa de derrubar o
presidente Evo Morales. Isto é simbólico. Para não dizer um programa. No
entanto, por vezes acontece que os Estados Unidos restringem com uma mão o que
estimulam com a outra. Sobretudo em período eleitoral! Os oponentes a um
segundo mandato de Trump lançam-se assim contra os aspetos mais absurdos de sua
política – matéria que não falta, no caso da América Latina em geral e da
Colômbia em particular.
É assim que, em 29 de maio, preocupados com a viragem dos acontecimentos, com o
apoio da Casa Branca, setenta e três membros democratas do Congresso
norte-americano apresentaram uma carta aberta muito crítica ao secretário de
Estado, Mike Pompeo, pedindo-lhe para pressionar Duque, com o objetivo de
deixar de pôr em causa os Acordos de Paz. De onde, reforçando essa acusação, um
outro editorial do New York Times – "Colombia's peace is
too precious to abandon" ("A paz na Colômbia é preciosa demais para
ser abandonada") –, os média e o pessoal político (neste caso
democrata), sob a cobertura de informação independente, seguem muitas vezes de
mãos dadas.
Por que se havia de duvidar... É também o NYT, embora muito pouco alinhado com
Caracas, que atirou uma pedra ao charco, confirmando, com atraso, o que um
punhado de jornalistas independentes clamava no deserto: no espetáculo que
pretendia fazer entrar "ajuda humanitária" na Venezuela,
desde Cúcuta (Colômbia), em 23 de fevereiro, foram partidários do "fantoche" Guaido
– e não as forças de segurança "de Maduro" – que
incendiaram um camião da caravana de "benfeitores da humanidade um
sítio da"; Web , libertário-conservador, o PanAm Post ,
revelou-lhe a corrupção dos "representantes" de Guaido,
que, no lado colombiano da fronteira, desviaram dezenas de milhares de "dólares
humanitários", teoricamente destinados a essa generosa operação; por
sua vez, a CNN em espanhol confirmou a tentativa de assassinato do presidente
Nicolás Maduro, com a ajuda de dois drones carregados de explosivos, em 4 de
agosto de 2018, entrevistando na Colômbia, onde vive em completa tranquilidade,
um dos participantes neste magnicídio falhado (por pouco). Tantas ações
escabrosas e pesados fracassos imputáveis à política de Trump e dos seus
falcões, Mike Pompeo, John Bolton (assessor de segurança nacional) e Eliott
Abrams ("enviado especial" à Venezuela), que, como os seus
comparsas venezuelanos, saem ridicularizados. Daí algumas revelações, mas a
ofensiva contra Caracas continua noutros campos.
Porém, notar-se-á incidentalmente – desculpe-se este aparte! - que essas fugas
dos média livres raramente excedem um razoável limite. Como testemunha um
edificante episódio, relatado (28 de junho de 2019) por Daniel Espinosa, no
semanário peruano Hildebrandt en sus trece. Em 15 de junho, o NYT
publica um artigo revelador sobre a escalada de "ataques
cibernéticos" realizados pelos Estados Unidos contra... a rede
elétrica russa (o que, entre parênteses, reforça as suspeitas causadas pela
gigantesca falha de energia que, recentemente, paralisou a Venezuela). Como é
seu hábito e num instante, Trump atira-se por Tweet ao New York
Times: a difusão desta informação constitui "um virtual ato de
traição". Em relação ao que, com grande candura, o departamento de
comunicação do "órgão de comunicação (muito) independente" responde
e revela: "Nós submetemos este artigo ao governo, antes da sua
publicação. Como o mencionamos na nota, os oficiais de segurança nacional de
Trump disseram-nos que não havia problema" ...
Nas circunstâncias, e o que quer que se pense destas relações, adversas ou
incestuosas, consoante o momento, o atual conluio "antiTrump" tem
apenas aspetos negativos. Porém, há todos os motivos para nos preocuparmos com
uma aliança ainda mais mortífera: a da extrema direita colombiana e do Partido
Republicano Americano.
Em fevereiro de 2019, Duque apresentou a sua nova política de defesa e
segurança: esta interdita, a partir de agora, as tréguas bilaterais no quadro
do conflito armado interno, que continua a opôr o Estado ao Exército de
Libertação Nacional (ELN), histórica guerrilha ainda em atividade. Uma medida
perigosamente contraproducente para o relançamento de uma possível "negociação", atualmente
congelada, especialmente quando se observa que, desde a sua chegada ao poder,
Duque está a fazer tudo para rasgar os compromissos assumidos em nome do Estado
pelo seu antecessor, Juan Manuel Santos, quando ele concretizou o fim do
conflito com as FARC. Um terrível precedente. E, acima de tudo, representa o
assassinato de um Prémio Nobel!
O quinto ponto do Acordo de Paz, assinado em 24 de novembro de 2016, no teatro
Colón de Bogotá, previa um"sistema de justiça, verdade, reparação e não
repetição", incluindo uma jurisdição especial para a paz, que o
Congresso colombiano aprovou, em 27 de novembro de 2017.
"Ni trizas ni rizas!" ("nem rompimentos nem
regozijos"). Fortalecido pela consulta popular, durante a qual, em 2
de outubro de 2016, após uma intensa campanha orquestrada pelo ex-presidente
Uribe, 50,2% dos eleitores se pronunciaram contra o texto original dos Acordos,
Duque, antes mesmo de sua eleição, e seguindo à letra as imprecações do seu
mentor, nunca escondeu a sua intenção de retornar à espinha dorsal do
dispositivo: a Justiça Especial para a Paz (JEP). Implementada, ela faria suar
mais do que um membro do "establishment". Originalmente,
deveriam comparecer perante ela trinta e oito magistrados, 13.000 ex-guerrilheiros
(que respeitam este compromisso e estão prontos a assumir as suas
responsabilidades), polícias e militares, assim como atores comprometidos da
sociedade dita "civil" – empresários ligados ao
financiamento do paramilitarismo e agentes (não membros da força pública) do
Estado. Com, como possível castigo, sentenças de restrição da liberdade (mas
sem prisão) de cinco a oito anos – ou, mesmo, de vinte anos de prisão efetiva
para quem, autor dos mais graves abusos, tentasse subtrair-se à revelação da
verdade.
Crimes de guerra, crimes contra a humanidade... Eles bem puderam dar-se ares de
segurança, Álvaro Uribe e os seus não quiseram ir longe. Já em setembro de
2017, o muito "uribista" Procurador Geral da República,
Néstor Humberto Martínez, se recusou a cooperar com a procuradora do Tribunal
Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, e a entregar-lhe os relatórios e
documentos por ela solicitados. Ela mostrou-se muito irritada (mas sem grandes
consequências). Os mesmos lutam, desde então, como o diabo numa pia de
água-benta, para bloquear o outro canal de acesso às atrocidades sob o
terrorismo de Estado, aberto pela JEP.
Com efeito, desejando beneficiar das adaptações das suas penas em troca da
verdade devida às vítimas, mais de 300 paramilitares pedem para comparecer
perante a jurisdição, para revelar o seu papel e o dos setores políticos que
financiaram e promoveram o seu movimento. Pelas mesmas razões, 1.914 militares,
incluindo cinco generais e vinte coronéis, alguns dos quais fortemente
condenados (por "falsos positivos" ou ligações ao
paramilitarismo), apresentaram-se à JEP para beneficiar dos seus mecanismos,
resultando da sua confissão e das suas revelações penas muito inferiores às da
justiça ordinária (sabendo-se que eles não podiam ter acesso à JEP, antes de
terem passado pelo menos cinco anos na prisão).
Um grande passo para repor a verdade, mas um pesadelo para os seus superiores e
os seus patrocinadores, os"assassinos de colarinho branco". Razão
pela qual o presidente Duque declarou a sua intenção de reformar alguns artigos
da lei-chave.
A tentativa de desmantelamento da instituição criada para julgar e mostrar ao
país a realidade de um conflito sangrento, com mais de cinquenta anos, não é de
hoje. Já em 13 de julho de 2018, após uma longa passagem pelo Congresso, o
Tribunal Constitucional eliminou a possibilidade da JEC convocar civis –,
ficando apenas autorizada uma comparência "voluntária" destes.
Depois de uma sentença (570 páginas) obrigar um não-combatente a comparecer
perante este tribunal, tal passaria a ser "contrário à
Constituição", porque afasta o juiz natural do processo civil, que é
a justiça ordinária. Esta, além disso, na pessoa do Procurador Geral, Néstor
Humberto Martínez, não deixou de expressar a sua hostilidade ao que considera
como uma instância ilegítima. O confronto de poderes irá até ao questionamento,
em setembro de 2018, da diretora dos Assuntos jurídicos da JEP, Martha Lucía
Zamora, e de dois advogados e consultores, July Milena Henríquez e Luis Ernesto
Caicedo Ramirez, acusados de "aconselhar e proteger" antigos
combatentes das FARC. A alta funcionária será empurrada para a demissão.
Finalmente remetida pelo Tribunal Constitucional ao Congresso, em dezembro de
2018, para que seja assinada pelos presidentes da Câmara e do Senado,
encarregados de a remeter, de seguida, ao Chefe de Estado, a lei estatutária da
JEP não terminou assim o seu percurso de combate. Enquanto Duque diz que levará "todo
o tempo necessário" para a ratificar, o seu assessor para a paz,
Miguel Antonio Ceballos, precisa que o governo pretende"fazer objeção à
lei" por "inconveniência" (literalmente: "inconveniente"). A
única possibilidade que resta quando o Tribunal Constitucional julga uma lei
conforme com a Constituição, a " objeção por inconveniência "
permite ao Chefe de Estado modificá-la, parcial ou totalmente, devendo o
Congresso decidir de seguida se aceita ou recusa a "objeção ".
Por outras palavras, Duque tenta usar a sua maioria parlamentar para
desrespeitar os Acordos e a decisão do Tribunal Constitucional, instância
suprema que lhe coloca areia na engrenagem.
É, então, em 10 de marco de 2019, num discurso televisionado que Duque
anunciou, efetivamente, a sua intenção de alterar seis dos cento e cinquenta e
nove artigos que regulam a JEP, dos quais um, altamente sensível, se refere à
extradição dos ex-guerrilheiros. Um tema tanto mais delicado quanto, no quadro
de um caso particularmente "arrevesado " e altamente
significativo, os Estados Unidos reclamam especificamente a extradição de um
dos mais prestigiados ex-comandantes das FARC, Seuxis Paucias Hernández
Solarte, mais conhecido sob o nome de guerra que usava no comando do Bloco do
Caribe: " Jesús Santrich ". Intelectual, sofrendo de
cegueira, ele dirigia aí, essencialmente, as ações de agitação e de propaganda,
mais do que as operações estritamente militares da oposição armada.
Em Havana, de outubro de 2012
a agosto de 2016, Santrich foi um dos mais duros
negociadores das FARC frente aos emissários de Juan Manuel Santos. Excelente
orador, brilhante analista, ele deve ocupar uma das dez cadeiras do Congresso
(cinco membros, cinco senadores) reservadas, durante duas legislaturas, aos
dirigentes da Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC) –, novo nome da
guerrilha transformada em partido político, conforme acordado no final das
conversações. No entanto, em 9 de abril de 2018, foi preso com base numa
circular vermelha da Interpol, emitida pelo Tribunal Federal do distrito sul de
Nova York, acusado de " conspiração ", pelo envio de dez
toneladas de cocaína para os Estados Unidos.
A prova (que não prova grande coisa): uma foto alegadamente tirada em 8 de
fevereiro de 2018, enquanto Santrich estava supostamente a " negociar "
a expedição para o Norte do carregamento de cerca de US $ 15 milhões, com um
agente " infiltrado " da Administração de Repressão da
Droga (DEA, os " stups " [estupefacientes – NT] dos EUA) e
alguns cúmplices – incluindo um certo Marlon Marín, sobrinho de Iván Márquez (o
principal negociador das FARC em Havana).
Curiosa maneira de conspirar discretamente com perigosos narcotraficantes: o
sulfuroso encontro teve lugar na casa de Santrich, vigiado e protegido em
permanência pela polícia, por causa da personalidade sensível do seu habitante!
Num vídeo produzido ulteriormente, veem-se os mesmos " verdadeiros-falsos
narcotraficantes " a discutir e a entregar um documento ao
ex-guerrilheiro. Detalhe que mata: nós mencionamos que Santrich é cego. Alguém
poderia oferecer-lhe a Bíblia, fazendo-o acreditar que é o Alcorão. Nenhum som
permite ouvir as palavras " cocaína", " branco ",
" droga ", " narcótico ", " cheiro ",
" carga " ou algum outro calão aproximado.
Contudo, o conteúdo da acusação não deixa de ser muito sério. Santrich protesta
a sua boa fé. Tendo-se apresentado como o sobrinho de Iván Márquez, Marlon
Marín inspirava-lhe confiança. Ele e os outros, incluindo o provocador da DEA,
falavam nesse dia sobre fundos para " um projeto produtivo,
especificamente de fazenda agrícola, nas zonas onde os acordos da reforma rural
deveriam ser implementados " destinados, entre outras coisas, à
reintegração dos antigos combatentes. " Isso far-se-ia com
funcionários do Ministério do Pós-conflito, inclusive com o doutor [Rafael]
Pardo [6] ".
A acusação permanece, avançada pela toupeira dos stups americanos
e Marlon Marín (imediatamente extraditado para os Estados Unidos, onde vive
como " testemunha protegida " sem ter, em qualquer momento,
testemunhado perante a justiça colombiana): misturado com a Venezuela
(forçosamente!) e o cartel de Sinaloa, no México, Santrich não é nada além de
um vulgar narcotraficante.
Seja qual for o lado por que se lhe pegue e com toda a necessária prudência,
esta história " fede " a provocação. E, depois, a evidente
vontade do Centro Democrático (partido de Uribe e Duque), da Procuradoria de
Néstor Humberto Martínez e das turbulentas organizações de Washington de
descartar um temível opositor, torpedear moralmente as FARC e quebrar o impulso
dos partidários da paz.
Mesmo do ponto de vista legal, o processo usado para prender Santrich é
proibido na Colômbia. No mundo da espionagem, existem dois tipos de operações:
a do agente clandestino (" undecover agent "), que se
infiltra numa organização para aí recolher informações; e a do agente
provocador, que engana a sua presa (" entrapmen t") e
incita-a a cometer um delito. Amplamente utilizada nos (e pelos) Estados
Unidos, esta última técnica foi proibida na Colômbia pelo artigo 243 do Código
de Processo Penal e por, pelo menos, duas sentenças do Tribunal Constitucional
(C-176, de 1994 e C-156, de 2016) [7] .
Esta grosseira violação da lei não impede Juan Manuel Santos, então presidente,
de justificar a prisão como "necessária para tornar credível um Acordo de
Paz que os colombianos acreditam ter sido excessivamente generoso com os
rebeldes " e de esclarecer: " A minha mão não tremerá para
autorizar a extradição ".
" Antes morrer do que apodrecer numa cadeia nos Estados Unidos ",
reagiu Santrich. Ele inicia uma greve de fome, em abril-maio de 2018, que
durará 43 dias.
A partir daí tem início uma batalha legal para saber quem deve decidir do seu
destino. Se o delito, o crime ou a "conspiração " destinada a
cometê-los ocorreram até à entrada em vigor dos acordos de paz (1 de dezembro
de 2016), a JEP é competente e, conforme especifica a lei, qualquer extradição
está excluída. Se ocorreram posteriormente, a justiça ordinária toma conta do
alegado delinquente, com todas as suas possíveis consequências (incluindo uma
viagem gratuita e sem fim às infernais prisões americanas). Sabendo-se que as
duvidosas provas apresentadas (foto e vídeo) não permitem determinar a data
exata da " conspiração ". Mesmo se, neste ponto, Santrich
nunca tivesse mantido qualquer ambiguidade: a reunião suspeita ocorreu
" depois " da data charneira –, o verdadeiro problema
reside no facto de se tratar de uma manipulação destinada a difamá-lo, para o
esmagar.
Em 20 de junho de 2018, a
JEP considera-se competente para julgar o caso. Há linchamentos no ar: negro de
raiva, Néstor Humberto Martínez acusa a jurisdição " concorrente "
de " ameaçar a ordem constitucional ". Tenaz como a
varíola, recusa duas vezes o pedido de habeas corpus apresentado
pela Santrich. A tomada de posse oficial de Duque, a 7 de agosto, aumenta a
energia. À JEP, que lhe pediu o dossiê de extradição do ex-guerrilheiro, ele
enviou, em setembro, presumíveis provas diferentes daquelas que a justiça
norte-americana alegadamente dispõe (sem nunca as ter comunicado aos
colombianos). O que leva uma comissão rogatória da JEP a reclamá-las a quem de
direito, através do Ministério da Justiça (colombiana) e do Departamento de
Estado (americano). Sem resultado. No início de fevereiro de 2019, o embaixador
dos EUA, Kevin Whitaker, contentou-se em afirmar: " Até agora, não
recebemos nada do governo [colombiano] sobre este assunto ".
O muito mau folhetim torna-se ridículo (ou obsceno, conforme): quando está a
terminar o prazo de quarenta dias concedido pela JEP ao Ministério da Justiça
para lhe remeter as provas que os Estados Unidos dispõem contra Santrich, a
ministra Gloria María Borrero anuncia descobrir " com surpresa "
que a solicitação oficial, uma " carta ordinária " enviada
a Washington através do serviço postal público 4-72, se
perdeu... no Panamá [8] .
Ao mesmo tempo, e na esperança de deslegitimar a tão incómoda JEP, os duvidosos
métodos da DEA fazem das suas. Em março, no bar do luxuoso hotel JW Mariott,
situado na " zona rosa ", bairro financeiro e de
entretenimento do norte de Bogotá, a polícia prende em flagrante delito um juiz
da JEP, Carlos Julio Bermeo. Acabava de receber uma primeira parcela de 40.000
dólares dos 500.000 que lhe prometeram para " adulterar " o
dossiê de Santrich, para evitar a sua extradição. Corrompido em potência e
perfeito " pombo ", Bermeo nunca duvidou que estava a lidar
com um agente provocador da... Procuradoria colombiana [9] .
Quando os fundamentos do " show " são descobertos, o
procurador que os musicou justifica os métodos utilizados e afirma que se deve
considerar como " normal " que o procurador-geral Néstor
Humberto Martínez tenha autorizado a utilização dos 500.000 dólares, assinando
uma resolução a permitir retirá-los dos " fundos especiais "
da Procuradoria.
As provas solicitadas aos Estados Unidos nunca chegarão. E como o seu homólogo
Trump, Duque vai sempre " mais além ". Claramente
preocupada, a Missão de verificação da ONU na Colômbia exige que seja
respeitado "integralmente, o Acordo de paz assinado com as FARC ".
Em 8 de abril, apesar da presença omnipresente no hemiciclo de um furioso
Néstor Humberto Martínez e das pressões do novo embaixador norte-americano,
Kevin Whitaker, a Câmara dos Deputados rejeita as " objeções "
do Chefe de Estado, com uma clara maioria de 110 vozes contra 44. A sua derrota acentua-se
quando o Senado vota no mesmo sentido, no início de maio.
De costas voltadas, o Centro Democrático e os seus aliados contestam falsamente
o resultado da última votação – faltaria "uma voz" – e pedem
ao Tribunal Constitucional para resolver. Este último apenas destaca o óbvio,
em 29 de maio: um quórum de 93 senadores foi convocado para votar e 47
rejeitaram as "objeções" – estas foram rejeitadas. O braço
de ferro inclina-se, cada vez mais, contra o governo.
Em 15 de maio, a Jurisdição Especial para a Paz anunciou que recusava o pedido
de extradição de Santrich: "As provas apresentadas pela Procuradoria
dos EUA não permitem afirmar [que este] fez tráfico de droga depois
da entrada em vigor do Acordo de paz". Por outro lado, considerou a
sentença, "os membros da DEA [que desenvolveram a
provocação] não foram legalmente autorizados pela Procuradoria colombiana,
que teria podido (e devido) fazê-lo, através dos mecanismos
existentes em matéria de cooperação judiciária". Por outras palavras:
os"serviços" ianques acreditam que podem atuar na Colômbia como
num país conquistado.
O Tribunal Constitucional está agora a caminhar no mesmo sentido. Depois de
treze longos meses de encarceramento, decide ele, Santrich deve ser libertado!
Acusando a JEP de "desafiar a ordem jurídica" e "ameaçar
a democracia", o procurador-geral Néstor Humberto Martínez anuncia
espetacularmente a sua demissão e apela aos cidadãos " para se
mobilizarem com determinação no restabelecimento da legalidade e da defesa da
paz ". A ministra da Justiça, Gloria María Borrero segue-o. Na sua
missão alinhar com os descontentes, Washington anula o visto a um membro (John
Jairo Cárdenas), que denunciou publicamente a ingerência do embaixador Kevin
Whitaker, e anunciou sanções contra três juízes – dois do Tribunal
Constitucional (Antonio José Lizarazo, Diana Fajardo) e um do Supremo Tribunal
de Justiça (Eyder Patiño).
Decidida em 13 de maio, a libertação da Santrich arrasta-se inexplicavelmente,
obrigando a defesa a apresentar um novo habeas corpus . Ainda
foi preciso esperar até ao dia 17 para que o ex-guerrilheiro deixasse a prisão
de alta segurança de La Picota, em péssimo estado, numa cadeira de rodas. E,
golpe de teatro, é recapturado dez minutos depois, por ordem do Procurador.
Tudo isto sem explicações. Dependendo das suas opiniões, este golpe de teatro
entusiasma, petrifica ou escandaliza os colombianos. Mas só mais tarde se
poderá reconstituir a cadeia de acontecimentos.
A ordem para libertar o ex-guerrilheiro entregue pela JEP às autoridades do
Instituto Nacional Penitenciário e Prisional (INPEC) chegou a 17 de maio, às
9h. Nada acontece, nenhuma autoridade aparece. Em todo o lado farfalham as
conversas, o " diz que disse ". Desde o dia 13, o
ex-presidente Uribe dispara em todas as direções. De acordo com o que espalha
aos quatro ventos, Santrich vai ser transferido para a base do Comando aéreo de
transporte militar (CATAM), próxima do aeroporto internacional el Dorado, de
Bogotá, entregue à DEA e enviado manu militari para os Estados
Unidos. Hipótese confirmada quando, vindo das altas esferas, surgiu um pequeno
ruído: Duque vai decretar o Estado de comoção interna e, efetivamente, entregar
o detido [10] . (continua)
Notas
[1] Segundo a Agência das Nações Unidas para os refugiados, 7,4 milhões, em março de 2017, www.unhcr.org/fr/...
[2] Ao ritmo de (no mínimo) duas ou três vítimas por semana ; estes números aumentaram consideravelmente depois desta contagem.
[3] www.lepoint.fr/...
[4] Uma das principais consequências da fraturação hidráulica é a poluição das águas e dos solos. Alguns pesquisadores acreditam que ela poderia estar relacionada com terremotos, deslizamentos de terras e outras atividades sísmicas. Outros evocam sequelas sanitárias, por vezes importantes para as populações locais.
[5] www.nytimes.com/...
[6] Ministro da Defesa durante o mandato do presidente César Gaviria (1990-1994), Pardo tornou-se um alto conselheiro para o pós-conflito, os Direitos do Homem e a Segurança, em novembro de 2015.
[7] Semana, Bogotá, 3 de junho de 2019.
[8] Em 2006, alegando "problemas financeiros", a Administração postal nacional (Adpostal) foi liquidada pelo governo colombiano. Em sua substituição, criou o 4-72,
a atual rede pública.
[9] O advogado Bermeo apresentou-se às eleições regionais, em 2015, no Departamento de Cauca, apoiado pelo partido Opção cidadã , do ex-senador Luis Alberto Gil, condenado em 2011 (saiu da prisão em 2013) pelas suas ligações ao paramilitarismo. Também envolvido na provocação ligada ao "dossiê Santrich", Gil foi preso ao mesmo tempo que Bermeo, que estava a acompanhar.
[10] Na Colômbia, sem dissolver o Congresso nem suspender (teoricamente) as liberdades fundamentais, o "Estado de comoção interna" (Estado de sítio) permite ao governo legislar por decreto e suspender a aplicação de certas leis.
Ver também:
[1] Segundo a Agência das Nações Unidas para os refugiados, 7,4 milhões, em março de 2017, www.unhcr.org/fr/...
[2] Ao ritmo de (no mínimo) duas ou três vítimas por semana ; estes números aumentaram consideravelmente depois desta contagem.
[3] www.lepoint.fr/...
[4] Uma das principais consequências da fraturação hidráulica é a poluição das águas e dos solos. Alguns pesquisadores acreditam que ela poderia estar relacionada com terremotos, deslizamentos de terras e outras atividades sísmicas. Outros evocam sequelas sanitárias, por vezes importantes para as populações locais.
[5] www.nytimes.com/...
[6] Ministro da Defesa durante o mandato do presidente César Gaviria (1990-1994), Pardo tornou-se um alto conselheiro para o pós-conflito, os Direitos do Homem e a Segurança, em novembro de 2015.
[7] Semana, Bogotá, 3 de junho de 2019.
[8] Em 2006, alegando "problemas financeiros", a Administração postal nacional (Adpostal) foi liquidada pelo governo colombiano. Em sua substituição, criou o 4-
[9] O advogado Bermeo apresentou-se às eleições regionais, em 2015, no Departamento de Cauca, apoiado pelo partido Opção cidadã , do ex-senador Luis Alberto Gil, condenado em 2011 (saiu da prisão em 2013) pelas suas ligações ao paramilitarismo. Também envolvido na provocação ligada ao "dossiê Santrich", Gil foi preso ao mesmo tempo que Bermeo, que estava a acompanhar.
[10] Na Colômbia, sem dissolver o Congresso nem suspender (teoricamente) as liberdades fundamentais, o "Estado de comoção interna" (Estado de sítio) permite ao governo legislar por decreto e suspender a aplicação de certas leis.
Ver também:
www.santrichlibre.org
[*] Jornalista
O original encontra-se em www.medelu.org/La-Colombie-sous-la-coupe-des-criminels-de-paix
e a tradução em pelosocialismo.blogs.sapo.pt/colombia-sob-a-pressao-de-criminosos-72498
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
[*] Jornalista
O original encontra-se em www.medelu.org/La-Colombie-sous-la-coupe-des-criminels-de-paix
e a tradução em pelosocialismo.blogs.sapo.pt/colombia-sob-a-pressao-de-criminosos-72498
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
Sem comentários:
Enviar um comentário