A dois dias da greve dos
motoristas de matérias perigosas, conheça os argumentos de quem faz greve e de
quem decidiu não aderir ao protesto.
Vivemos um tempo de escravatura
Catarina Silva
Pedro Alves não pôde ver a filha
nascer. Também perde as festas da escola dos filhos ou as idas ao médico. Tem
42 anos e é motorista internacional de camiões. Vai aderir a uma greve que é
mais que uma luta por salários mais altos. "É contra o abuso que é o nosso
contrato coletivo de trabalho. Depois de quinze dias fora, tenho um dia para
estar com a minha família e volto a partir. Isto é um atentado".
Tanto transporta cerveja como
peças de automóvel e está há 17 anos na mesma empresa. Desde que começou teve
um aumento salarial de 11 euros e de base recebe 630 euros. Corre a Europa
dentro de um camião, onde dorme, come e vive durante dias seguidos. "Já
estive 21 dias fora". Em casa deixa a mulher, que parou de trabalhar para
cuidar dos filhos, Diogo de 12 anos e Leonor de sete. "Quando comecei,
tínhamos mais tempo para a família. No novo contrato de trabalho, somos
responsabilizados em caso de acidente, corro o risco de pagar 3000 euros de
prejuízos quando a empresa é que devia ter seguro. Se a carga estiver
danificada, nós é que somos os responsáveis. Se antes tínhamos três a quatro
dias em casa, agora temos um. Se passar das 9 horas de condução por não
encontrar parque para estacionar, incorro em multa. Isto não é digno de uma
pessoa com 630 euros de salário".
Para cumprir os horários de
estrada e descanso, num dia começa às 8 horas, no outro às 5 horas, depois à 1
hora. "É uma desregulação maluca e um desgaste absurdo para a saúde".
Chegou há pouco de Girona, onde teve de dormir no camião debaixo de 47 graus.
"Não posso ter o camião ligado para o ar condicionado. Acabo por nem
dormir. Habilito-me a estragar a minha vida e a de outras famílias".
As horas extra e noturnas são
pagas com um valor fixo. Independentemente das que fizer. "E tenho de
estar sempre disponível. Vivemos um tempo de escravatura". Sai de casa
debaixo das lágrimas dos filhos. Mata as saudades por telefone. O filho reclama:
"Quase não dá para nada". Trabalha cerca de 25 dias por mês, se
passar sábados e domingos fora leva para casa 1200. Mas sustenta a família
sozinho. "Em ajudas de custo recebo 35 euros por dia. Não dá para almoçar
e jantar em França. Tenho de levar comida e cozinhar no camião".
Os portugueses não vão entender
Salomão Rodrigues
São mais de 120 mil quilómetros
percorridos por ano em toda a Europa, muitas vezes em condições precárias. A
dormir no camião, a comer sandes ou a preparar a refeição num qualquer parque,
longe da família. Mesmo assim, Carlos Alexandre, motorista internacional há 26
anos, não vai aderir à paralisação.
"Não vou fazer greve, porque
as negociações com as entidades patronais ainda estão a decorrer e há muita
mentira nas justificações que estão a ser dadas", justifica.
O motorista da empresa de
transportes Álvaro Figueiredo, em Oliveira de Azeméis, afeto à Federação dos
Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans), não se mostra contra as
reivindicações dos colegas motoristas, mas não considera oportuno o momento
escolhido.
"Há tanta mentira",
reitera. E exemplifica com o ordenado que é propalado pelos colegas camionistas
das matérias perigosas. "O salário é maior do que dizem e acrescem ajudas
de custo".
Aponta o seu caso como exemplo.
"Nos transportes internacionais, ganhamos 661 euros de ordenado, mais 427
euros de trabalho noturno, mais 80 euros das diuturnidades, mais 134 euros de
prémio TIR [Transporte Internacional Rodoviário]. Acrescem 49,44 euros por cada
dia de fim de semana, mais ajudas de custo que representam 35 euros por
dia".
Ou seja, Carlos Alexandre ganha
cerca de dois mil euros mensais. "Pode parecer muito dinheiro, mas não é,
porque as despesas são todas por nossa conta. Tenho de pagar as refeições, os
duches e até as multas", ressalva.
Mesmo assim, não vê motivos para
o protesto. "Esta greve não vai ajudar em nada e os portugueses não vão
entender. Há uma negociação que está protocolada e que está a decorrer e, por
isso, não faz sentido fazer greve sem ouvir sequer as propostas dos
patrões".
"O meu patrão, por exemplo,
já anunciou um aumento do salário-base para os 700 euros a partir de outubro e
das restantes ajudas de custo", referiu.
"É preciso gostar da
profissão que se exerce, porque prescindimos de muita coisa. Não vemos os
filhos a crescer, nem os acompanhamos em festas e eventos por causa da vida
profissional e até já falhei aniversários dos meus filhos", referiu.
Jornal de Notícias
Imagens: 1 - Pedro Alves
queixa-se de um ordenado baixo e dos custos que tem de suportar / Foto: Tony
Dias/Global Imagens | 2 – Carlos Alexandre não vai parar e diz que há mentiras
na justificação da greve / Foto: Tony Dias/Global Imagens
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