"O Governo não fez na área laboral, durante a legislatura, aquilo que era imprescindível. Neste conflito procurou tenuemente abrir caminhos novos, mas optou em vários aspetos importantíssimos pela aliança com o patronato: assumiu excesso de sintonia com a ANTRAM, por vezes dureza gratuita com os trabalhadores em luta e recorreu aos serviços mínimos e à requisição civil com excessos, nomeadamente a utilização de militares e polícias, o que dá força ao ataque à lei da greve..."
Manuel Carvalho Da Silva | Jornal de Notícias | opinião (ontem)
Os motoristas do transporte de
matérias perigosas merecem solidariedade por razões bem objetivas: i) ficou
comprovado que são injustas as condições de remuneração e de trabalho que lhes
foram impostas, bem como à generalidade dos trabalhadores do setor, ao longo de
muitos anos; ii) é preciso encontrar uma saída justa que lhes assegure
dignidade e salvaguarde a sua confiança nas lutas laborais para melhoria das
suas vidas pessoais e familiares e para o desenvolvimento do país - o
sindicalismo teve (e continuará a ter) vitórias e derrotas, mas não poucas
vezes transformou desaires imediatos em êxitos futuros; iii) a razão não está
do lado dos patrões, apesar de muitos pequenos empresários estarem esmagados
pelas condições que lhes são impostas pelo poder de mercado do cartel das
petrolíferas, entidade que devia estar a ser confrontada, mas se distanciou com
a subcontratação da distribuição; iv) no rescaldo deste processo importa que
passe para a ordem do dia o debate sobre como melhorar as condições de vida e
de trabalho da generalidade dos trabalhadores que laboram neste país e se trave
o ataque antilaboral em curso.
O Governo não fez na área
laboral, durante a legislatura, aquilo que era imprescindível. Neste conflito
procurou tenuemente abrir caminhos novos, mas optou em vários aspetos
importantíssimos pela aliança com o patronato: assumiu excesso de sintonia com
a ANTRAM, por vezes dureza gratuita com os trabalhadores em luta e recorreu aos
serviços mínimos e à requisição civil com excessos, nomeadamente a utilização
de militares e polícias, o que dá força ao ataque à lei da greve e a direitos
fundamentais no trabalho, por que anseiam forças políticas e económicas
retrógradas e outros adeptos do neoliberalismo.
As análises da maioria dos
comentadores e de alguns jornalistas assentam na priorização do imediatismo, do
ver tudo só a preto e branco conforme os objetivos do dia, na ausência de
reflexões baseadas em conhecimento (que não têm) sobre o que são e como se
organizam os sistemas de relações laborais, sobre os conflitos, a sua resolução
e as técnicas de negociação, sobre as diferenças entre especialização e
qualificação no trabalho.
A FECTRANS tem a responsabilidade
de procurar construir um contrato de trabalho digno para as dezenas de milhares
de trabalhadores que nele laboram e não apenas para um subsetor profissional. O
compromisso a que chegou é uma opção ajustada que abre a perspetiva do reforço
da solidariedade entre todos os trabalhadores do setor (e não só) e traz mais
justiça e melhores condições de vida e de trabalho.
Não é preciso alterar-se a lei da
greve, mas sim estabelecerem-se compromissos para travar e fazer regredir a
flexibilização generalizada do trabalho, regular melhor os horários e as
remunerações, tornar rigorosos os descontos patronais para a Segurança Social,
dar meios e poder à Autoridade para as Condições de Trabalho com vista a uma
fiscalização eficaz, dinamizar a contratação coletiva sempre na ótica da
harmonização no progresso, combater a precariedade e valorizar o emprego dos jovens.
Aproveite-se a campanha
eleitoral, que até agora é muito pobre, para travar manobrismos perigosos e a
gula do Partido Socialista, para forçar o investimento em setores como o
ferroviário, para assegurar progresso.
*Investigador e professor
universitário
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