A decisão do presidente dos EUA
ocorre horas após ele "ordenar" às empresas norte-americanas que
deixem de fabricar no gigante asiático
Macarena Vidal Liy | Antónia Laborde
| Pequim, Washington | El Pais
O confronto entre a China e
os Estados Unidos chegou na sexta-feira a um novo nível quando Donald
Trump “ordenou” às empresas norte-americanas — sem afirmar se irá tomar
medidas legais — que fechem seus negócios no gigante asiático e procurem
uma alternativa à fabricação de seus produtos. Anteriormente, a China anunciou novas taxas
alfandegárias sobre produtos norte-americanos e causou a ira de Trump. A
disputa entre as duas potências ocorre às vésperas da reunião do G7 e leva o
debate sobre o protecionismo ao epicentro da reunião.
O anúncio de Pequim é a resposta
aos impostos adiantados por Washington no começo do mês. Mas mesmo esperada, a
resposta provocou um novo terremoto nas Bolsas e entre a comunidade empresarial
norte-americana.
Em uma bateria de publicações no
Twitter, Trump afirmou que as multinacionais norte-americanas devem procurar
“uma alternativa à China, incluindo trazer de volta para CASA nossas empresas e
fabricar nossos produtos nos EUA”. Em sua opinião, “as grandes quantidades de dinheiro
feito e roubado pela China aos EUA, ano após ano, durante décadas, devem ACABAR
e acabarão”, afirmou o mandatário. “Não precisamos da China e, na verdade,
estaríamos melhor sem eles”, disse. Na explosão de publicações, Trump não
hesitou em incluir o presidente da Federal Reserve (Fed,
o banco central norte-americano), Jay Powell. “Minha única pergunta é: qual é
nosso maior inimigo, Powell ou Xi [Jinping, presidente chinês]?”. Trump quer
que Powell baixe os juros para baratear o dólar.
Após a resposta inicial, ocorreu
uma reunião na Casa Branca em que foi acertado — como Trump também
informou pelo Twitter — o aumento dos impostos já em vigor sobre produtos
em 250 biliões de dólares (1 trilião de reais) de 25% a 30%. E os novos que entrarão
em vigor em setembro sobre os 300 bilhões de dólares (1,2 trilião de
reais) restantes de sua balança comercial, de 10% a 15%. Uma escalada total. A
guerra está declarada.
Toda essa reação ocorreu após Pequim
anunciar que taxará produtos norte-americanos no valor de 75 biliões de dólares
(303 biliões de reais) com um imposto de 10% em vez do 5% atual. As novas
taxas, resposta de Pequim à decisão de Washington de aumentar seus impostos
sobre os 300 biliões de dólares de produtos chineses, entrarão em vigor em duas
etapas, em 1ª de setembro e 15 de dezembro. São as mesmas datas em que está
previsto o início das taxas norte-americanas.
Pequim, além disso, decidiu
recuperar as taxas alfandegárias sobre veículos e componentes norte-americanos,
uma decisão adotada como gesto de boa fé após a reunião de dezembro entre os
presidentes dos dois países, Donald Trump e Xi Jinping, na Argentina. Agora o
Governo chinês anunciou que os automóveis norte-americanos receberão impostos
de 25% e as peças, 5% a partir de 15 de dezembro. No ano passado, os EUA
venderam carros à China no valor de 230 biliões de dólares (930 biliões de
reais), de acordo com a LMC Automotive, e, ainda que não signifique de maneira
nenhuma o grosso de seu negócio, automotrizes como a Mercedes, General Motors e
Ford registaram na sexta-feira importantes perdas na Bolsa.
“As medidas dos EUA levaram à
contínua escalada das tensões económicas e comerciais entre a China e os
Estados unidos, que prejudicaram gravemente os interesses da China, dos EUA e
outros países, e também ameaçam seriamente o sistema de comércio multilateral e
o princípio do livre comércio”, disse na sexta-feira o comunicado da Comissão
Alfandegária do Conselho de Estado, o Executivo chinês. Pequim afirma assim seu
papel como luminar do livre comércio apesar das evidentes restrições que as
autoridades chinesas impõem aos investidores estrangeiros.
Com essa nova rodada de sanções,
Pequim penaliza praticamente tudo o que importa dos EUA. Entre os produtos
taxados o petróleo entra pela primeira vez, alguns tipos de aviões
menores — não os Boeing —, e numerosos produtos alimentícios, como
diversas frutas secas, porco congelado, vários tipos de peixe e marisco
congelado e fresco, carne de boi, mel e soja, de longe o produto mais comprado
pela China aos EUA.
Trump anunciou em 1ª de agosto a
imposição de novas taxas alfandegárias sobre 300 biliões de dólares em produtos
chineses. Colocava assim fim à trégua feita em sua reunião com Xi Jinping após a
reunião do G20 em Osaka (Japão) em 29 de junho, em que combinaram retomar as
negociações comerciais. Em 15 de agosto anunciou um atraso de três meses para
produtos como videojogos e produtos electrónicos de consumo, até 15 de dezembro.
Críticas empresariais
Trump justificou à época essa
volta atrás como uma tentativa de não prejudicar o setor das vendas em pequenas
quantidades, que nos Estados Unidos conseguem seu maior faturamento no Natal.
Os protestos do setor empresarial dos Estados Unidos, entretanto, são ouvidos
com contundência cada vez maior. A Câmara de Comércio norte-americana recusou de
imediato a ordem de Trump de abandonar a China, onde as empresas
norte-americanas possuem importantes investimentos. “Mesmo compartilhando a
frustração do presidente, acreditamos que o caminho correto é um compromisso
contínuo e construtivo”, declarou na sexta-feira Myron Brilliant,
vice-presidente da organização. “As guerras comerciais não se ganham”, alertou,
em total oposição “às guerras comerciais são boas e fáceis de se ganhar” do
presidente norte-americano.
As ameaças de Trump não valem
somente às empresas dos EUA presentes na China. O mandatário pediu que as
grandes empresas de transporte examinem os envios procedentes da China, e os
devolvam se acharem necessário, à procura de fentanil, uma das substâncias
narcóticas que está por trás da epidemia
de vício aos opioides nos EUA. Trump acusa Pequim de tolerar a
produção em seu território e o envio da droga aos Estados Unidos.
Tanto a FedEx como a UPS
responderam afirmando que já tomam medidas importantes de segurança para
impedir o uso de suas redes de transporte para atividades ilegais e o envio de
drogas como o fentanil. Mas suas ações já haviam caído mais de 3% na Bolsa.
NÚMEROS VERMELHOS NAS BOLSAS,
PETRÓLEO E DÓLAR
A escalada entre a China e os
Estados Unidos se traduziu na sexta-feira de imediato em consideráveis números
vermelhos nas Bolsas e nos valores norte-americanos. O índice Dow Jones perdeu
aproximadamente 600 pontos, fechando com uma queda de 2,3%, impulsionado pelos
setores mais afetados pela guerra comercial, como as empresas automobilísticas,
de tecnologia, empresas de transporte e agroalimentares.
O preço do petróleo de referência
para os Estado Unidos, o WTI, perdeu na sexta-feira mais de 3%, até chegar aos
53,6 dólares (216 reais) por barril. Não somente porque pela primeira vez as
importações de petróleo norte-americano estão entre os produtos taxados por
Pequim, como porque o confronto comercial antecipa uma crise económica que,
unida a outros fatores políticos, pode acabar provocando uma recessão global.
Desde abril, o preço do petróleo acumula uma queda de 19%.
O dólar também sofreu na
sexta-feira uma notável desvalorização e caiu ao seu nível mais baixo em três
semanas em relação ao euro e de uma semana em relação ao iene. Em relação à
moeda chinesa, entretanto, subiu 0,6%.
Por enquanto, as negociações
entre a China e os EUA se mantêm. Desde a trégua acertada em Osaka, as equipes
negociadoras dos dois países, lideradas pelo representante comercial, Robert
Lightnizer, do lado norte-americano, e pelo vice-primeiro-ministro Liu He, do
chinês, conversaram por telefone várias vezes. A única reunião cara a cara
ocorreu em Xangai em 30 de julho, ainda que sem progressos aparentes. O próximo
encontro estava previsto para setembro em Washington, se os últimos passos dos
dois Governos não descarrilarem.
Macarena Vidal Liy | Antónia Laborde
| Pequim, Washington | El Pais
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