Os ataques de xenofobia, pilhagem
e destruição de estabelecimentos em Joanesburgo, com aparente passividade da
polícia, afetaram quatro comerciantes portugueses, que estimaram à Lusa ter
sofrido prejuízos superiores a pelo menos 8.800 mil rands (537,5 mil euros).
O "Blue Bottle Store",
na Jules Street, onde José Manuel Ramos empregava cinco colaboradores, desde abril de
2014, foi arrombado várias vezes no início da semana, tendo o edifício
sucumbido por completo às chamas, na madrugada de terça-feira.
Eles foram lá no domingo à noite,
por volta das 20:30, arrebentaram as portas e começaram a roubar tudo. Cheguei
lá às 02:00 da manhã, estava lá a polícia, mas não se metia. Disseram que
também tinham medo, porque tinha sido morto um polícia, e eles sempre a roubar.
Depois chegou mais polícia e começaram a disparar e fugiram", contou à
Lusa.
O comerciante contratou uma
pessoa para lhe "soldar as portas", mas o espaço foi novamente vandalizado e,
na terça-feira de manhã, encontrou "a loja toda queimada e tinham levado o
resto da mercadoria".
"Está tudo destruído, uma
pessoa trabalha uma vida e vai tudo embora de um momento para outro",
declarou, estimando o prejuízo total "à volta de 5 milhões de rands (305,4
mil euros) ou mais", dos quais 1,5 milhões de rands só em
mercadoria, ficando sem nada.
Natural de Ponta do Sol, Madeira,
José Manuel Ramos, 56 anos, emigrou há 30 anos da Venezuela para a África do
Sul, onde desde 1989 já foi assaltado 17 vezes, uma das quais baleado numa
perna, noutros negócios que teve.
"Fiz uma participação na
esquadra da polícia em Jeppe, mas a polícia testemunhou a pilhagem e
vandalismo, não fez detenções e nem sequer os bombeiros quiseram chamar",
afirmou o comerciante, admitindo estar com receio da violência e criminalidade
e sem saber como recomeçar das cinzas.
A meio da avenida Jules, os
ataques xenófobos obrigaram os irmãos lusodescendentes Serra a fechar
os seus negócios após 30 anos na capital sul-africana.
"O meu irmão ficou sem nada,
ele roubaram tudo", contou Filipe da Serra, 50 anos, dono do "Phil's
Auto Spares", que escapou à violência e aos saques.
O irmão não teve a mesma sorte e,
no domingo à noite, quando se aproximaram do estabelecimento, ainda disparam
"uns tiros", mas, contou, "foi tanto bandido que uma pessoa não
podia fazer nada", descreveu o filho de imigrantes da Madeira.
Segundo Filipe, o irmão, Roberto
Carlos da Serra, 47 anos, "tinha lá três milhões de rands [183
mil euros] em mercadoria", uma loja de bebidas, supermercado e "take
away", que abriu em 1989.
"O estabelecimento está
fechado. O meu irmão agora vai vender tudo e vai-se embora para a Madeira. O
que é que uma pessoa está aqui a fazer?", questionou Filipe da Serra, que
colocou "tudo à venda".
No município de Benrose, na
estrada Main Reef, a sul da Jules Street, o "tsunami de xenofobia",
como descreveu Maria da Conceição, alegadamente levantado por
simpatizantes do ANC (Congresso Nacional Africano), partido no poder
desde a queda do 'apartheid', em 1994, deixou o restaurante de refeições
rápidas "Ben Fish & Chips" destruído.
"Aquilo era uma cena de
guerra", declarou a comerciante de 50 anos, natural da Ponta do Sol,
Madeira, radicada na África do Sul desde 1989.
Foi pelas 18:30 de segunda-feira,
ao anoitecer, acompanhada pelo cunhado, que viu arrombarem o estabelecimento, a
20 metros
de um supermercado onde estava a polícia, mas quando pediu ajuda aos agentes
armados responderam que "não podiam porque estavam ocupados no
supermercado".
"Para minha sorte, chegaram
dois veículos blindados 'Nyala' da polícia, como aqueles que usam na guerra, e
eles fugiram em todas as direções e largaram muita coisa. Mas já lá
tinham ido roubar por duas vezes, segundo o empregado, porque nós encontrámos
balas de borracha dentro do estabelecimento", disse.
Maria da Conceição estimou o
prejuízo em mais de 300 mil rands (18,2 mil euros) e contou que,
quando foi participar o roubo à esquadra em Malvern, "a polícia foi
muito mal educada" e só "abriram o caso quando um gajo do ANC que
estava" lá sentado "lhes disse qualquer coisa".
"Estou cá há 30 anos, mas
agora que não tenho marido estou com muito receio disto", salientou a
comerciante, que quer vender o estabelecimento por ter ficado viúva, há dois
meses, num acidente rodoviário.
Em Jeppestown, José Manuel
de Abreu, 58 anos, começou aos 17 num talho na esquina entre a Fox e Gus
Street, e hoje possui "dois blocos de prédios" com cinco negócios e
três lojas alugadas e um armazém para a exportação.
Filho de madeirenses, atualmente com
60 colaboradores, o seu "Los Angeles Take Away & Tavern"
também foi alvo de "pilhagem completa" na madrugada de segunda-feira,
apesar de ter adquirido do seu bolso três terrenos baldios adjacentes para um
"taxi rank" (praça de táxis) para a comunidade africana local.
"Temos tudo gravado em
vídeo, eram talvez 80 indivíduos, pareciam selvagens, e era uma pilhagem
desenfreada e sem medida", contou à Lusa, acrescentando que enquanto ia a
caminho "a polícia já tinha dispersado a multidão com balas de
borracha".
José Manuel de Abreu admitiu já
ter falado com o irmão e pondera "contratar um advogado para processar o
Governo", perante "um prejuízo talvez de 500 mil rands (30.541
euros)ou mais".
"Eu por acaso sou filho da
terra, mas tenho vergonha de dizer que nasci aqui, porque isto está uma grande
tristeza. Não há proteção nenhuma, a polícia não se importa, e na
minha opinião se a polícia tivesse oportunidade também começava a roubar.
Desculpe falar assim, mas é a verdade", afirmou.
Uma outra loja de bebidas de uma
conhecida marca de 'franchising', propriedade de portugueses, foi também
filmada na quarta-feira pelo canal televisivo ENCA, após ter sido saqueada
e queimada nos arredores de Joanesburgo, mas o empresário escusou-se a
falar à Lusa.
Segundo as autoridades consulares
portuguesas, cerca de 200 mil cidadãos encontram-se registados na África do
Sul, 68 mil destes na grande Joanesburgo, mas líderes luso comunitários
acreditam que os números sejam superiores.
Pelo menos dez pessoas morreram,
entre as quais um estrangeiro, devido à violência que desde domingo afeta a África do
Sul.
Numa declaração na quinta-feira,
a partir da Cidade do Cabo, o chefe de Estado sul-africano Cyril Ramaphosa disse
que a violência "diminuiu bastante" e que 423 pessoas foram detidas
na área de Joanesburgo.
Notícias ao Minuto | Lusa
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