domingo, 29 de setembro de 2019

Moçambique | Autoridades criam equilíbrio de poder entre Rússia e EUA em Cabo Delgado?


Ataques em Cabo Delgado intensificam e Presidente fala em invasão camuflada. Imprensa noticia presença russa na província onde há interesses dos EUA. Quais seriam as vantagens de um equilíbrio de forças para Moçambique?

Em Moçambique, na última semana, a imprensa tem reportado sobre uma suposta presença russa na província nortenha de Cabo Delgado. A ser confirmada pelas autoridades, ela poderia trazer uma espécie de equilíbrio de forças, se considerarmos que nesta região há fortes interesses norte-americanos, entende o analista político Calton Cadeado.

E o Presidente Filipe Nyusi disse também esta semana que o país está a ser vítima de uma "invasão camuflada" e falou em ataques ao desenvolvimento. A DW África entrevistou o analista político Calton Cdeado: 

DW África: Parece estar claro para o Estado moçambicano que os ataques no norte do país já não se trata de simples criminalidade de natureza endógena como acreditava inicialmente?

Calton Cadeado (CC): Este é um pronunciamento que o chefe de Estado faz de forma muito forte e mostra que o Presidente da República tem um tipo de informação privilegiada, como sempre teve, mas desta vez a qualidade da informação aponta para um suspeito que ainda não tem também rosto nem nome. O simples facto do chefe de Estado ter dito que se trata de uma invasão camuflada. Agora quem é esse invasor? E de onde é que vem esse invasor, ele também não disse e ficamos todos no escuro, na especulação e não deixa de ser ainda uma informação sem muito conteúdo para nós termos a certeza do que é que estamos a dizer....


DW África: A imprensa nacional tem reportado nos últimos dias sobre a presença de homens e equipamento bélico russo no norte do país. A ser verdade ou a ser confirmada esta informação, o que é que isto significa no contexto da exploração do gás com interesses norte-americanos não só neste setor mas também na área da segurança?

CC: A primeira coisa é que o Governo moçambicano tem a legitimidade de ir buscar apoios onde quer que seja para qualquer ação que for preciso. É soberano e é legítimo que o Governo moçambicano faça isso. Segundo, o Governo sente que para lidar com este problema precisa de ir buscar cooperação. Já fez uma aproximação de cooperação com a Tanzânia, que é público, já fez a aproximação da cooperação com o Quénia, que também é público, com a RDC, a República Democrática do Congo, portanto, há uma comunicação. Mas quando entramos para este nível de chegada ao país de equipamento militar, bélico, partilha de inteligências (informações secretas), estamos perante uma cooperação mais elevada para além da simples comunicação.

DW África: Mas os interesses russos e norte-americanos não são como água e óleo, ou seja, não se misturam?

CC: Sem dúvidas. À primeira vista trazer os russos para a questão de Cabo Delgado (os ataques armados) significaria colocar aqui uma espécie de equilíbrio de poder. Colocar os russos para fazer o watcher (observar), se me permite esta expressão, aos americanos. Mas também não nos esqueçamos que os americanos e os russos têm interesses económicos na área de prospeção de hidrocarbonetos aqui em Moçambique. Então, isso pode ser anulado ou pode diminuir a ideia de que a presença russa em Moçambique é simplesmente para contrabalançar a presença americana na zona de Cabo Delgado. Este é um aspeto que não se pode ignorar...

DW África: E qual é a grande vantagem para o Estado moçambicano deste equilíbrio que se pode vir a estabelecer?

CC: Sem dúvidas que o Governo moçambicano não é uma superpotência e ter duas superpotências  nessa zona, aliás tem a França com interesses também nessa zona, todos eles juntos na região fazem para Moçambique uma aproximação de força que pode ser benéfica na hora de juntar todas essas forças para fazer face a qualquer ameaça.

DW África: Esta procura de apoio russo por parte do Estado moçambicano é um assumir da incapacidade para dar resposta a este problema que se vive no norte de Moçambique?

CC: É um problema bastante complexo e essa complexidade reside no facto do grupo não se identificar. Esta é um metodologia de ação que surpreendeu a todos. O que quero dizer é que para além da incapacidade do Estado moçambicano, muitas vezes quando analisamos este tipo de atuações é preciso também reconhecer que o fracasso de um é o sucesso do outro, a incapacidade de um é a capacidade do outro.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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