Morreu aos 95 anos Robert Mugabe,
um dos chefes de Estado mais controversos de África. Ao tentar perpetuar-se no
poder, Mugabe acabou por destruir o legado positivo de líder da luta pela
libertação e fundador da nação.
Por muito tempo e para muitos
africanos, Robert Mugabe foi o líder radiante que conquistou a independência do
Zimbábue da Grã-Bretanha em 1980. Mas ao longo da sua Presidência, que ameaçava
eternizar-se, a imagem de Mugabe foi ficando cada vez mais sombria. Para o
Ocidente, o mais tardar a partir do final da década de 1990, Mugabe passou a
ser visto como um ditador brutal que levou o seu país à ruína.
Robert Gabriel Mugabe nasceu em
1924 numa pequena aldeia a sul de Salisbury, a capital da então colónia
britânica da Rodésia do Sul. Os seus pais eram simples agricultores e católicos
praticantes. Mugabe frequentou várias escolas católicas jesuítas. Segundo os
seus biógrafos, era uma criança tímida que guardava a distância em relação à
maioria das pessoas. "Seus únicos amigos são os livros", afirmou o
seu irmão Donallo na biografia "Jantar com Mugabe".
Depois da formação como professor
primário, Robert Mugabe estudou na Rodésia do Sul, Tanzânia e Gana. Ao longo da
sua vida obteve sete títulos académicos, três deles na prisão. Foi no Gana que
conheceu sua primeira mulher, Sally, durante muito tempo a sua melhor amiga e
conselheira política. Quando regressou à Rodésia do Sul, em 1960, Mugabe
juntou-se ao movimento de libertação. Primeiro, combateu o poder colonial
britânico, mais lutou contra o governo minoritário branco de Ian Smith,
proponente de um sistema rígido de segregação racial. Em 1964, Mugabe foi
detido e encarcerado durante mais de dez anos.
Guerra da independência e
crescimento económico
Mugabe não foi sequer autorizado
a ir ao funeral do seu filho, em 1966. E depressa se tornou um herói
popular para os zimbabuanos negros.
Depois da sua libertação em 1975,
Mugabe liderou, a partir de Moçambique, a luta pela independência da Rodésia do
Sul. Nas primeiras eleições, em 1980, foi eleito primeiro-ministro. Em público,
promovia a reconciliação: "Quero pedir-vos, quer sejam brancos ou negros,
que esqueçamos juntos o nosso passado sombrio, nos perdoemos mutuamente e
estendamos a mão da amizade", disse, depois de tomar posse.
Nos anos que se seguiram, Mugabe
introduziu a educação gratuita e cuidados básicos de saúde para as pessoas com
baixos rendimentos. As suas reformas levaram a um apreciável crescimento
económico. A esperança de vida aumentou. A rainha britânica nomeou-o cavaleiro
e Mugabe passou a ser visita bem-vinda em muitas capitais ocidentais. O então
Presidente federal alemão Richard von Weizsäcker descreveu-o como "um
político inteligente e prudente, apostado no equilíbrio".
Viragem política
Mas foi nessa altura que o povo
no Zimbabué começou a conhecer o outro lado do combatente pela liberdade. Em
1982, após um atrito com o seu antigo aliado, Joshua Nkomo, o exército de
Mugabe matou milhares de apoiantes de Nkomo. Três anos depois, os dois adversários
assinaram um cessar-fogo. Mugabe nomeou Nkomo vice-Presidente.
Sally, a mulher de Mugabe, morreu
em 1992. A
partir desse momento, tanto a sua vida privada como o seu curso político
sofreram grandes alterações. O Presidente passou a viver com a sua antiga
secretária Grace, com quem mantinha um relacionamento extraconjugal há anos.
Casaram-se em 1996. Ao contrário de Sally, Grace sempre foi uma primeira
dama muito impopular. Tinha a alcunha "Gucci Grace", uma alusão às
suas viagens de compras por todo o mundo, consideradas excessivas.
Enquanto a população se via
obrigada a lidar com surtos de cólera, escassez de alimentos e inflação
galopante, o casal presidencial vivia no luxo. Só a celebração do 88º
aniversário de Mugabe terá custado mais de um milhão de euros. Quando completou
91 anos, o velho governante mandou abater numerosos elefantes, e serviu 91
quilos de bolos na forma das cataratas de Vitória num hotel de luxo. A oposição
criticou a celebração como "obscena".
País à beira do abismo
O Ocidente acabou com Mugabe em
2000, depois de o Presidente aprovar a ocupação
de fazendasdos brancos zimbabuanos por veteranos da guerra civil. Embora os
brancos representassem apenas um por cento da população, possuíam cerca de 70
por cento das terras agrícolas. Mugabe justificou esta política com a
necessidade de restabelecer o equilíbrio económico entre agricultores brancos e
negros. "O homem branco não está em casa em África. A África pertence aos
africanos! E o Zimbabué pertence aos zimbabuanos", disse o governante. Mas
a grande maioria das terras ocupadas foi distribuída entre políticos e amigos
de Mugabe.
Muitas fazendas foram abandonadas
logo a seguir porque os novos proprietários não tinham conhecimentos de
agricultura. O resultado foi uma crise económica sem precedentes. Em 2008, a taxa de inflação
situou-se na faixa dos triliões - um triste recorde mundial. Mugabe culpou
as sanções
impostas pelo Ocidente.
Dada a acumulação de violações
dos direitos humanos, fraudes eleitorais e restrições à liberdade de imprensa,
os EUA e a Europa acabaram por declarar Mugabe persona non grata. Foram-lhe
negados vários prémios, incluindo dois doutoramentos honorários. E no Zimbabué,
o governante de longo prazo tornou-se uma figura altamente impopular. Em 2008,
o seu partido perdeu as eleições parlamentares.
A África do Sul forçou Mugabe a
formar uma coligação com o partido Movimento para a Mudança Democrática (MDC)
do seu rival Morgan Tsvangirai. A coligação terminou com as eleições em 2013:
Mugabe e o seu partido saíram vitoriosos. O veterano foi empossado pela sétima
vez para um mandato de cinco anos.
O fim
Nos últimos anos do seu mandato
cresceu a pressão para a sua demissão, mas Mugabe tentou agarrar-se ao poder.
Colocou a mulher, Grace, em posição para lhe suceder na chefia do Estado, num
esforço para criar uma dinastia. Os militares puseram fim
às suas ambições em 14 de Novembro de 2017, colocando-o em prisão
domiciliária a no que foi, de facto, um golpe militar.
Uma semana depois, o Presidente
de 93 anos foi oficialmente forçado a demitir-se. O seu amigo de longa data,
Emmerson Mnangagwa, tornou-se o novo Presidente. Autorizou Mugabe a viajar,
conferiu-lhe a imunidade judicial e deu-lhe uma indemnização milionária. Robert
Mugabe, cujo estado de saúde era já nessa altura era muito frágil, acabou por
morrer na noite de sexta-feira (06.09), aos 95 anos de idade, depois de ter
passado vários meses num hospital em Singapura.
O líder do partido da oposição
MDC, Nelson Chamisa, resumiu o legado de Mugabe: "Mugabe foi um dos
fundadores do nosso país. Mas o seu estilo de governação também levou a décadas
de disputas e um preço elevado a pagar pelos zimbabuanos". Muitos
recordarão para sempre Robert Mugabe como o antigo combatente pela liberdade
que se tornou num ditador.
Columbus Mavhunga (Harare), ck |
Deutsche Welle
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