Oliveira Salazar, criminoso nazi-fascista, ditador de Portugal, repressor dos portugueses |
Pedro Tadeu | Diário de Notícias |
opinião
Leio agora, no sítio do Jornal
do Centro: as obras de requalificação da Escola Cantina Salazar estão a
arrancar. O presidente da Câmara de Santa Comba Dão justifica assim o
investimento de 150 mil euros na recuperação deste edifício: "Para que, no
futuro, possa vir ali a ser alojado o Centro Interpretativo do Estado Novo não
podíamos deixar degradar mais este edifício".
Foi uma polémica de Verão: a criação
em Santa Comba Dão, terra natal de António Oliveira Salazar, de um museu sobre
o ditador levantou um coro de protestos, passou por uma petição pública a
exigir o cancelamento do projeto e culminou numa decisão da Comissão Permanente
da Assembleia da República de condenação da ideia de construção desse
"Centro Interpretativo".
O caso parecia encerrado... Mas
não: o edil do PS volta à carga e oiço à minha volta zunzuns de que CDS, PSD e
uma parte do Partido Socialista têm dúvidas sobre o assunto.
Recebo, entretanto, um aviso: há
na internet uma nova petição da
URAP (União dos Resistentes Antifascistas Portugueses) especificamente
dirigida, ao contrário da primeira, ao Parlamento, para que os deputados tomem
uma iniciativa que impeça, de vez, a construção do "Museu Salazar".
Corro a assinar.
Do que estamos a tratar quando
discutimos se deve ou não deve haver em Santa Comba Dão um museu constituído,
em parte, com o espólio do ditador?
Não se trata de debater um
problema científico - quanto mais os académicos aprofundarem o estudo do
fascismo e da própria figura de António Oliveira Salazar, melhor.
Não se trata, igualmente, de
tomar partido por defeitos ou virtudes do Estado Novo - quantos mais factos,
puros factos, se revelarem sobre esse período da vida do país, melhor juízo as
pessoas farão sobre a época.
Não se trata, também, de tentar
censurar o conhecimento - quanto mais se souber, quanto mais sustentado e sério
for o saber sobre o salazarismo, mais gente concordará, sem margem para
dúvidas, que essas décadas do século XX foram anos negros, terríveis,
criminosos.
Não se trata, finalmente, de
falta de pluralismo - só num vendedor português de livros pela internet encontro 48 obras
diferentes sobre Salazar, escritas por gente de esquerda e de direita, por
críticos e apoiantes. Não falta diversidade na abordagem e quanto mais
publicações, estudos e exposições houver, maior riqueza de análise teremos.
O problema não é a existência de
um Centro Interpretativo do Estado Novo. O problema é, simplesmente, o local
onde querem erguer este.
Do que se trata, portanto, é de
um debate estritamente político que nada tem a ver com a Academia.
Construir um museu sobre o
fascismo português na cidade de nascimento de Salazar é abrir a porta à
adulação saudosista do ditador pelas pessoas que, iludidas, por falta de
informação, por interpretação errada desse período, por estarem revoltadas com
os podres da democracia, por serem adeptas do Estado Novo ou, até, da ideologia
fascista, adoram António de Oliveira Salazar.
Essas pessoas encontram na
glorificação, na mitificação, na veneração do ditador a forma ideal para
tentarem evangelizar outras pessoas.
Não serão os eventuais elementos
críticos e de denúncia que possam estar dentro de um "Museu Salazar"
- localizado (volto a sublinhar) em Santa Comba Dão, terra natal do ditador -
que diminuirão o magnetismo fascinante desse local para os crentes.
Pelo contrário: nessas cabeças as
críticas aos abusos de poder de Salazar serão provas da autoridade e da firmeza
com que o antigo Presidente do Conselho enfrentava qualquer inimigo, por
qualquer meio, sem qualquer escrúpulo, em nome de um distorcido "interesse
superior" da Nação. Alternativamente, essas denúncias dos crimes do
fascismo português serão consideradas pelos salazaristas como meras
falsificações históricas que reforçam a vitimização e subsequente entronização
da figura que veneram.
É democrático tentar impedir a
construção deste museu? É.
O endeusamento de Salazar,
falacioso, é um instrumento fantástico para ativistas utilizarem a liberdade de
expressão da nossa democracia num trabalho de conversão para ideais
antidemocráticos de um número significativo de cidadãos, feridos e desiludidos pelos
terríveis defeitos do nosso atual sistema.
Essas pessoas, muitas delas
traumatizadas com a corrupção política e empresarial dos nossos dias, são
permeáveis a acreditar que, apesar de todos as brutalidades, apesar dos
assassinatos de opositores, apesar de censura aos jornais, apesar do isolamento
do país, apesar do analfabetismo generalizado, apesar dos campos de
concentração, apesar das prisões políticas, apesar do estatuto inferior das
mulheres, apesar dos bairros da lata, apesar dos monopólios empresariais
entregues a amigos do regime, apesar da fome entre os trabalhadores agrícolas
do Alentejo e Ribatejo, apesar do número de nados-mortos, apesar da guerra
colonial, apesar do medo da prepotência do Estado, apesar da PIDE, apesar da
lista infindável de coisas terríveis que esse regime de 48 anos nos deu, há uma
suposta superioridade moral remanescente em Salazar e no Estado Novo, face à
perversão dos valores éticos das atuais classes dirigentes, que justificam a
preferência do fascismo português face à democracia saída do 25 de Abril de
1974.
Esta crença, esta ira contra a
democracia, não pode medrar porque, com todos os seus defeitos, a democracia
portuguesa tem uma grande virtude que a torna infinitamente superior à mais
santa das ditaduras: ninguém tem poder absoluto, ninguém fica eternamente no
poleiro e todos estão sujeitos a crítica - e assim, mesmo o pior dos
personagens políticos acaba por ter de sair de cena. Salazar, pelo contrário,
só saiu por doença e o seu sucessor, Marcelo Caetano, por uma revolução.
É por isso, pela defesa da
democracia, apesar dos seus defeitos, que não posso deixar de apoiar todos os
que tentam impedir a construção deste "Museu Salazar" - nos tempos
que correm, cada pequeno passo em direção ao fortalecimento do autoritarismo
antidemocrático inspirado no período do fascismo português é um avanço numa
direção que demorará décadas a ser invertida.
Apelo também ao leitor para que
me acompanhe e assine esta nova petição.
Ao contrário de outras petições bem parvas que andam por aí, como as que tentam
impedir os deputados eleitos Joacine Moreira e André Ventura de tomar posse,
esta nova petição contra a nova tentativa de construção de um museu que,
inevitavelmente, se se concretizasse, seria transformado num santuário a
Salazar e num instrumento de propaganda fascista, é verdadeiramente crucial: a
democracia está doente, é verdade, mas deixar criar novos focos de infeção como
este certamente não a curará, poderá mesmo ajudar a matá-la de vez.
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