A situação exige uma oposição
impecável e incisiva, mas ao mesmo tempo sóbria, calcada em ideias
Walfrido Jorge Warde Júnior |
Carta Capital
Lula encontrou na sexta-feira 8,
após 580 dias de cárcere, um país muito diferente, em flerte desabrido com a
catástrofe política e econômica, com o autoritarismo e com a pobreza extrema.
Esse insólito futuro que se avizinha impõe ao ex-presidente e ao PT novos
desafios e enormes responsabilidades. Ainda não está claro, porém, se ele e o
partido se deram conta.
Isso me preocupa, por reconhecer
o óbvio: o PT governou o Brasil de 2003 a 2014 e tem mais de 2 milhões de
filiados. É a maior e mais influente entidade política de esquerda e de
centro-esquerda da América Latina. Nem sequer seus inimigos mais ferozes podem
contestar a sua importância para o equilíbrio de forças garantidor da
estabilidade democrática no Brasil.
Lula terá de reorganizar uma
oposição capaz de denunciar a inépcia do governo incumbente sem pavimentar
caminhos para um golpe violento e autoritário. Terá, ao mesmo tempo, que
modernizar o PT e restabelecer a sua reputação, ainda gravemente danificada.
A percepção de que a Operação
Lava Jato foi politizada e causou danos devastadores à economia, de que elegeu
um governo errático, incapaz e embaraçoso, representa apenas uma brecha
temporária nos obstáculos monolíticos que se opõem ao campo progressista e ao
ideário democrático no Brasil e em toda a América Latina.
A combinação de milícia e de
forças armadas regulares, inspiradas por um delírio de poder, é, como se viu na
Bolívia, a nova receita de golpes autoritários. E, aqui, temos todos os
ingredientes sobre a mesa.
A cogitada associação entre a
ultradireita e a milícia – com algum apoio, ainda que inadvertido, das camadas
mais conservadoras da população – será capaz de conter levantes, sob
brutalização das comunidades pobres. Enquanto isso, militares da linha dura
poderão abandonar as ameaças subliminares à democracia, que se tornaram
corriqueiras, e descambar para o empastelamento das instituições centrais do
Estado, incapazes, como se advertiu, de resistir a um cabo e a dois soldados.
A confrontação política não deve
arriscar a construção maliciosa de narrativas de justificação à barbárie.
Narrativas que transmudem violência e autoritarismo em tutela, que travistam
boçalidade em arremedo de Direito.
A situação impõe, por isso, uma
oposição impecável. Uma oposição incisiva, mas ao mesmo tempo sóbria, por meio
de ideias. Uma oposição que se estabeleça sobre um projeto de país com começo,
meio e fim, que seja capaz de engendrar soluções para retomar o crescimento
econômico, mas, sobretudo, para aplacar a pobreza, o analfabetismo funcional, o
escasseamento de vocações produtivas, as ineficiências administrativas e a
injustiça fiscal. Uma oposição que proponha uma corajosa reforma política. Ou
seja, uma oposição que antagonize por meio de propostas, que supere a
contraposição destrutiva, que invista no pensamento e no engenho. Uma oposição
que supere, fora do governo, muitas das limitações que ostentou quando esteve
no poder.
Lula encontrou na sexta-feira 8,
após 580 dias de cárcere, um país muito diferente, em flerte desabrido com a
catástrofe política e econômica, com o autoritarismo e com a pobreza extrema.
Esse insólito futuro que se avizinha impõe ao ex-presidente e ao PT novos
desafios e enormes responsabilidades. Ainda não está claro, porém, se ele e o
partido se deram conta.
Isso me preocupa, por reconhecer
o óbvio: o PT governou o Brasil de 2003 a 2014 e tem mais de 2 milhões de
filiados. É a maior e mais influente entidade política de esquerda e de
centro-esquerda da América Latina. Nem sequer seus inimigos mais ferozes podem
contestar a sua importância para o equilíbrio de forças garantidor da
estabilidade democrática no Brasil.
Lula terá de reorganizar uma
oposição capaz de denunciar a inépcia do governo incumbente sem pavimentar
caminhos para um golpe violento e autoritário. Terá, ao mesmo tempo, que
modernizar o PT e restabelecer a sua reputação, ainda gravemente danificada.
A percepção de que a Operação
Lava Jato foi politizada e causou danos devastadores à economia, de que elegeu
um governo errático, incapaz e embaraçoso, representa apenas uma brecha
temporária nos obstáculos monolíticos que se opõem ao campo progressista e ao
ideário democrático no Brasil e em toda a América Latina.
A combinação de milícia e de
forças armadas regulares, inspiradas por um delírio de poder, é, como se viu na
Bolívia, a nova receita de golpes autoritários. E, aqui, temos todos os
ingredientes sobre a mesa.
A cogitada associação entre a ultradireita
e a milícia – com algum apoio, ainda que inadvertido, das camadas mais
conservadoras da população – será capaz de conter levantes, sob brutalização
das comunidades pobres. Enquanto isso, militares da linha dura poderão
abandonar as ameaças subliminares à democracia, que se tornaram corriqueiras, e
descambar para o empastelamento das instituições centrais do Estado, incapazes,
como se advertiu, de resistir a um cabo e a dois soldados.
A confrontação política não deve
arriscar a construção maliciosa de narrativas de justificação à barbárie.
Narrativas que transmudem violência e autoritarismo em tutela, que travistam
boçalidade em arremedo de Direito.
A situação impõe, por isso, uma
oposição impecável. Uma oposição incisiva, mas ao mesmo tempo sóbria, por meio
de ideias. Uma oposição que se estabeleça sobre um projeto de país com começo,
meio e fim, que seja capaz de engendrar soluções para retomar o crescimento
econômico, mas, sobretudo, para aplacar a pobreza, o analfabetismo funcional, o
escasseamento de vocações produtivas, as ineficiências administrativas e a
injustiça fiscal. Uma oposição que proponha uma corajosa reforma política. Ou
seja, uma oposição que antagonize por meio de propostas, que supere a
contraposição destrutiva, que invista no pensamento e no engenho. Uma oposição
que supere, fora do governo, muitas das limitações que ostentou quando esteve
no poder.
Essa ressignificação da oposição
política pressupõe uma ainda maior qualificação dos quadros do PT, com vistas a
um projeto que desborde o horizonte limitado das próximas eleições.
A sobrevivência do PT e, com ele,
do projeto progressista no Brasil depende de um corajoso planejamento
sucessório. Lula precisa escolher sucessores que não estejam encalacrados com
problemas legais, envolvidos com a Lava Jato, sujeitos, portanto, à inelegibilidade.
Não pode confiar que a “sorte” dos últimos dias é para sempre, que a
reviravolta no tratamento da presunção de inocência se repetirá em relação à
suspeição de Sérgio Moro. Lula deverá, se quiser perpetuar o PT, abandonar a
velha estratégia de capacitação de candidatos, sobretudo para os cargos mais
importantes, baseada predominantemente na unção dos escolhidos, na
transferência de seu prestígio político. Deve escolher competidores capazes,
intelectual e politicamente, com forte aderência popular e coerência ideológica.
Mas isso só será possível se o PT
se transformar num ambiente mais convidativo para as promissoras figuras
políticas de outros partidos e se for capaz de preservar os seus mais
vocacionados integrantes. É necessário, para tanto, virar a página, mas de
verdade. É vital criar uma cultura partidária de inflexível integridade, capaz
de impedir transgressões e de expurgar maus elementos, doa a quem doer.
Reformar é o único caminho para
sobreviver. E a sobrevivência do PT, não tenho dúvidas, é condição da
sobrevivência da democracia no Brasil.
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