“O bom menino pode levar um doce,
o menino malandro não leva nada”
A imprensa norte-americana
avançou ontem (3.11) que a China terá sugerido Macau como palco para a assinatura de
um acordo comercial interino com os Estados Unidos da América. Ao PONTO FINAL,
Larry So disse que seria uma prenda para “o menino bom” que é Macau. Albano
Martins indicou que a escolha de Macau podia ser vista como um aviso para
aquilo que os EUA têm a perder com as concessionárias americanas.
Na tarde de ontem (3.11), a
estação norte-americana Fox Business avançou com a notícia de que Pequim teria
sugerido que a assinatura de um acordo comercial interino sino-americano fosse
feita em Macau. Para o politólogo Larry So, isto é uma “prenda” para Macau que
serve para dar um sinal a Hong Kong e Taiwan. Ming Sing, sociólogo de Hong
Kong, refere que “qualquer tentativa de substituir Hong Kong por Macau, em
termos de estatuto de centro financeiro, é muito improvável que seja
bem-sucedida”. Já o economista Albano Martins diz que não é provável que o
encontro aconteça em Macau, mas acrescenta que, se vier a acontecer, pode ser
uma maneira de mostrar a Donald Trump aquilo que as concessionárias americanas
têm a perder na falta de um acordo comercial.
A informação de que Macau poderia
vir a servir de palco para a assinatura de um acordo comercial preliminar entre
os EUA e a China surge na sequência da desistência, por parte do Chile, de
receber o Fórum de Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC) devido à recente vaga
de protestos no país sul-americano. Assim, a Fox Business noticiou que Pequim
terá sugerido Macau para a assinatura do acordo que iria acontecer à margem do
APEC, entre Donald Trump e Xi Jinping. A notícia não foi confirmada por fontes
oficiais e o jornal estatal chinês Economic Daily indicou que a possibilidade é
apenas “especulação infundada”. Segundo o South China Morning Post,
responsáveis dos dois países vão ter uma reunião via telefónica hoje, para
definir os detalhes do futuro encontro.
MENINO BOM E MENINO MAU
“Seria uma honra para Macau”, diz
Larry So, completando: “Só o facto de estar a ser noticiado que [Macau] pode
vir a ser o sítio escolhido para a assinatura do acordo e um dos sítios onde o
Governo Central gostava de assinar o acordo sino-americano, já é uma honra”.
Isto é, diz o politólogo e professor do Instituto Politécnico de Macau, o
reconhecimento por parte de Pequim de que Macau se tornou “numa cidade de nível
internacional”.
Além disso, “isto também podia
ser uma prenda para Macau, especialmente por celebrar o 20.º aniversário do
regresso à China”. Depois disso, há também o sinal político que é dado a Hong
Kong e Taiwan. “É uma demonstração, principalmente para Taiwan, dizendo que
isto é o que o Governo Central quer dizer com ‘Um País, Dois Sistemas’”, refere
Larry So, explicando a mensagem que diz ser passada para a região vizinha:
“Além disso, claro, também é uma mensagem para Hong Kong, dizendo que o bom
menino pode levar um doce, o menino malandro não leva nada”.
As concessionárias de jogo
americanas em Macau – Wynn, Sands e MGM – também têm um papel. “Se isto acabar
por acontecer, pode consolidar o estatuto das concessionárias aqui e ter um
papel nos interesses americanos, em termos das renovações de contratos que se
aproximam”, nota o politólogo. Recorde-se que as concessões das três
concessionárias de jogo norte-americanas terminam em 2022. “Se houver algum
acordo e se a assinatura do mesmo for em Macau, acredito que isto será a
consolidação do estatuto dos casinos americanos em Macau”, reforça.
E aceitaria o Presidente
americano vir a Macau assinar um acordo interino com a China? “Depende sobre
qual o tipo de acordo, ainda é muito cedo para dizer”, refere Larry So,
concluindo: “Se Trump vier, acho que os interesses americanos aqui vão ser
muito, muito beneficiados”.
PEQUIM PODE DAR SINAIS, MAS NADA
VAI MUDAR
Albano Martins mostra-se
pessimista relativamente a um possível encontro em Macau entre Xi Jinping e
Donald Trump. Ainda que o que esteja em causa seja a assinatura do acordo preliminar,
o economista debruça-se sobre a capacidade que Macau tem em receber um fórum
como o APEC: “Macau não tem margem de manobra, Macau tem dificuldades enormes
para receber uma cimeira desse tipo, porque isso implica todo um conjunto
logístico que Macau não tem”. “É preciso preparação securitária, é preciso
pessoal preparado para esse tipo de organizações, é preciso um aeroporto, por
exemplo. É muito difícil de acontecer”, considera Albano Martins.
Sobre um acordo em Macau que não
implique a realização de toda a APEC, o economista deixa no ar: “Um encontro
entre os dois para assinar os tais acordos de comércio, isso é possível ser
feito em Macau, mas não sei bem como é que o Trump vai chegar a Macau”.
Para o economista, a eventual
escolha de Macau para a assinatura do acordo seria “uma chapada a Hong Kong”.
“Por outro lado, também poderia ser para dizer ao nosso amigo Trump: ‘Olha lá,
tem cuidado, que tu tens aqui muitos interesses dos Estados Unidos da América,
nos casinos, é preciso cuidado’”, diz Albano Martins, lembrando, tal como Larry
So, que poderia servir de “presente” pelos 20 anos da RAEM.
Sobre a possibilidade de se
tratar de uma mensagem para as concessionárias, o economista esclarece: “A
China pode mandar as mensagens que quiser, mas não há hipótese nenhuma, do
ponto de vista pragmático, de que alguma das seis operadoras seja colocada de
fora”. “Isso pode ser utilizado no sentido de amedrontar, mas, quem quiser ser
pragmático, com os pés assentes no chão, sabe perfeitamente que outro cenário não
vai acontecer”, afirma.
MACAU NÃO SERÁ HONG KONG
Ming Sing, professor da
Universidade de Hong Kong e investigador sobre temas relacionados com o
desenvolvimento da Ásia e política asiática e internacional, explica ao PONTO
FINAL que esta indicação da China pode ser uma tentativa de substituir Hong
Kong por Macau. No entanto, diz o docente universitário, “qualquer tentativa de
substituir Hong Kong por Macau, em termos de estatuto, como centro financeiro,
é muito improvável que seja bem-sucedida porque Hong Kong está equipada com
mecanismos que simplesmente não estão disponíveis em Macau nem estarão num
futuro próximo”.
O sociólogo de Hong Kong, que
confessa não estar a par das notícias sobre Macau, reforça que, “se a motivação
para que a assinatura do acordo for a substituição de Hong Kong por Macau
enquanto metrópole vibrante e internacional e enquanto centro financeiro
internacional, a julgar pela disponibilidade de recursos, pela população e pelo
sistema legal, não vejo que Macau possa acompanhar Hong Kong nas próximas
décadas”.
André Vinagre | Ponto Final |
Imagem: EPA / Thomas Peter / Pool
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