terça-feira, 5 de novembro de 2019

Macau | “A liberdade de expressão, aqui na UMAC, existe, mas não é suficiente”


Johnson Chi vai carregar nos ombros a responsabilidade de dar voz aos alunos da Universidade de Macau. Foi eleito presidente da associação de estudantes da instituição e, a partir de Janeiro, vai tentar fazer com que os jovens que representa tenham uma plataforma para discutir ideias. Ao PONTO FINAL, diz compreender o aumento da segurança no campus, refere que a liberdade de expressão “não é suficiente” e hesita ao falar de Hong Kong.

Tem 21 anos, frequenta o último ano do curso de Engenharia Electrotécnica e de Computadores na Universidade de Macau (UMAC) e foi eleito na semana passada presidente da University of Macau Students Union, a associação que representa os alunos da instituição, numa eleição em que foi candidato único. Em declarações ao PONTO FINAL, Johnson Chi admite que a liberdade de expressão na UMAC “não é suficiente” e diz que vai trabalhar para aumentar a capacidade de os alunos se expressarem livremente. Como? “Pode ser através de uma caixa de sugestões”. Sobre os protestos na região vizinha, o jovem, que toma posse como presidente da associação em Janeiro, afirma: “O que está a acontecer em Hong Kong deve ser resolvido pelas pessoas que lá vivem”.

Em visitas anteriores ao campus da UMAC, alguns alunos confidenciaram ao PONTO FINAL que tinham receio de expressar as suas opiniões em público. Ainda assim, não foi essa a principal razão para que Johnson Chi se tivesse candidatado à presidência da associação. A razão da candidatura prende-se com os regulamentos das associações da universidade: “A primeira razão é porque quero melhorar o sistema actual do nosso campus, especialmente no que toca às sub-organizações”. “Clubes de escola”, exemplifica, através de Nazaré Alva, futura vice-presidente da associação, que vai fazendo a tradução da conversa.

A liberdade de expressão vem a seguir aos regulamentos administrativos no ‘ranking’ de prioridades de Johnson Chi. Para o estudante, “a liberdade de expressão, aqui na UMAC, existe, mas não é suficiente”. “Não é suficiente porque a maioria dos estudantes que tem opiniões ou sugestões relativamente à escola, aos cursos, ao ambiente ou à política não tem oportunidade de a expressar”, diz, deixando uma garantia: “Vou tentar o meu melhor para permitir que os alunos tenham liberdade de expressão suficiente”.


E como é que se dá voz a um universo de mais de 10 mil estudantes da UMAC? “Quero criar uma plataforma para que os alunos possam veicular as suas opiniões ou queixas, o que quer que seja. Para que, pelo menos, tenham a confiança para se expressarem”. Plataforma, essa, que tomará a forma de uma caixa de sugestões, “onde se podem colocar cartas anónimas”, indica.

“Vou certificar-me de que os alunos têm uma plataforma livre, sem pressão, para que eles possam dizer o que quiserem, para que possam manifestar as suas opiniões e as suas queixas”, promete, sublinhando que o seu objectivo é “proteger os direitos dos estudantes”.

MEDO É PREOCUPANTE

Johnson Chi admite já ter recebido queixas de alunos preocupados com a liberdade de expressão no campus. “Isso preocupa-me, porque quaisquer que sejam as suas opiniões, boas ou más, certas ou erradas, eles devem ter um espaço de discussão”, diz, ressalvando que “normalmente os alunos que querem discutir esses assuntos são poucos”.

“A discussão é a base para que os alunos possam manifestar as suas opiniões. Planeamos criar actividades todos os meses sobre vários tópicos, que podem ser relacionados com política, escola, ou apenas relacionados com as suas disciplinas”, adianta o futuro líder estudantil.

Sobre o medo que alguns alunos dizem sentir de se manifestar, Johnson Chi assinala que, “primeiro, há que saber qual é o medo dos alunos, se é por causa da pressão dentro do campus ou por qualquer outra coisa que faz com que eles não se expressem”. E o próprio Johnson, tem medo? “Eu não”, afirma antes de disparar uma gargalhada.

AUMENTO DA SEGURANÇA “TALVEZ TENHA SIDO COINCIDÊNCIA”

No início do mês de Outubro circulou nas redes sociais uma publicação onde era pedido que os alunos se vestissem de preto, em solidariedade para com os protestos de Hong Kong. Segundo alguns alunos, isto fez com que a instituição colocasse mais seguranças no campus, em particular junto à ponte a que os estudantes apelidam de “Hi Bye”.

Sobre a iniciativa, Johnson Chi não se coloca de nenhum dos lados, deixando no ar a ideia de que “cada aluno tem a sua maneira de tentar passar a sua opinião e manifestar os seus pensamentos sobre o que se está a passar em Hong Kong, e vestir de preto é uma das maneiras de fazer passar uma mensagem”. “Eles têm direito a isso”, diz.

“Relativamente ao aumento da segurança, de acordo com o que sei e com o que a universidade disse, isso serve para a protecção dos alunos. O aumento da segurança pode ser coincidência”, afirma Johnson, para depois completar: “Pessoalmente, não sei se foi coincidência ou não, foi só o que a universidade disse”. Mas qual a opinião do futuro presidente da associação? “O aumento de segurança não foi apenas naquela ponte e, além disso, essa ponte é um sítio onde muitos dos alunos passam, por isso, o aumento da segurança é, de certa maneira, compreensível, porque não pode ser apenas um segurança a olhar por todos os alunos”, esclarece.

Também no mês passado, um aluno manifestou a intenção de apresentar uma queixa à reitoria da universidade contra o professor Meng U Ieong, por, alegadamente, ter proferido declarações que atentavam contra a China continental. Sobre este assunto, Chi também não se alonga, dizendo apenas: “De acordo com o que sei, o professor não disse nada em apoio a Hong Kong, apenas usou como exemplo”.

“DEVIAM SER AS PESSOAS DE HONG KONG A TENTAR RESOLVER A SITUAÇÃO”

A pergunta foi simples: “O que pensa o futuro presidente da associação de estudantes da UMAC da situação em Hong Kong?”. Contudo, após a tradução feita por Nazaré, Johnson Chi precisou de pensar durante 45 segundos antes de responder. “Durante a campanha, não pude acompanhar aquilo que acontecia em Hong Kong, mas, independentemente disso, acho que deviam ser as pessoas de Hong Kong a tentar resolver a situação, o que está a acontecer em Hong Kong deve ser resolvido pelas pessoas que lá vivem”, é a resposta. “Aqui em Macau há muitos alunos de Hong Kong que se preocupam com o que está a acontecer lá, e isso é razoável”, acrescenta.

E os de Macau, não se devem preocupar? “Eles são alunos universitários, têm pensamento crítico sobre aquilo que está a acontecer. Alguns estão preocupados, mas a maioria não se interessa por política”.

André Vinagre | Ponto Final | Imagem: Johnson Xi / Eduardo Martins

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