FRELIMO ainda não consegue
confirmar algo simples: se o valor entrou, ou não, na sua conta. Mas o
comprovativo apresentado no julgamento nos EUA já é suficiente para que a PGR abra
uma investigação, entende jurista.
Há cerca de duas semanas, no
contexto do julgamento do caso de crimes financeiros ligado às dívidas ocultas
moçambicanas que decorre nos EUA, procuradores apresentaram
comprovativos de transferências bancárias de 10 milhões de dólares, em
2014, por uma subsidiária da empresa Privinvest para o comité central da Frente
de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder).
Desde a divulgação, o partido
manteve-se num silêncio sepulcral até esta semana. Depois de várias tentativas
da DW, o porta-voz da FRELIMO, Caifadine Manasse, disse apenas: "Nós,
como partido, estamos a acompanhar, como também a rádio está a acompanhar, sobre
documentos que estão a ser apresentados no tribunal. São partes no tribunal e
cada um está a apresentar aquilo que é a sua defesa."
Desculpando-se, o porta-voz
acrescenta ainda: "Estamos a sair de um processo eleitoral, de uma
campanha eleitoral, e sobre esse assunto estamos a acompanhar através da
imprensa."
O partido FRELIMO tem uma conta
ou provavelmente várias: o partido recebeu, ou não, o valor em causa?
O porta-voz não responde
diretamente à pergunta: "Acompanhamos na comunicação social que
alguns estão a apresentar provas e não sabemos se é uma prova [...] O que
estamos a fazer é a acompanhar e, havendo qualquer posicionamento,
oportunamente, como temos falado, iremos dizer alguma coisa", respondeu
Caifadine Manasse.
Atualmente, saldos e
movimentações bancárias podem ser consultados muito facilmente e
rapidamente através de aplicativos nos telemóveis ou serviços online. Em
menos de 5 minutos é possível confirmar se houve ou não transação. Apesar
disso, a FRELIMO ainda não confirmou.
Justiça será feita?
A divulgação do suposto
envolvimento do partido deixou muitos moçambicanos estupefactos. A sociedade
civil, que mostra preocupação com o crescente número de envolvidos no caso,
está particularmente atenta à suposta ligação do partido no poder.
Para Paula Monjane, diretora
executiva do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), o
"mais preocupante é o envolvimento do partido no poder em Moçambique nas
dívidas ocultas". Por isso, a responsável tem um receio: "no contexto
de Moçambique, onde o partido no poder e o Estado confundem-se, ficamos, como
moçambicanos, preocupados com a possibilidade de que a justiça possa [não] ser
feita."
Caso visto à luz da lei dos
partidos
Entretanto, convidado pela
agência de notícias Lusa a reagir, a FRELIMO manifestou disponibilidade para se
pronunciar em tribunal sobre a alegada transferência. A confirmar-se a
transação, o jurista Rodrigo Rocha lembra que este caso teria de ser visto
também à luz da lei dos partidos.
"O partido tem de justificar
porque está a receber fundos de privados", afirma. "Existe uma lei
dos partidos políticos, que de alguma forma regula o financiamento dos partidos
políticos, que diz que os partidos políticos são financiados pelas cotizações
dos seus membros e também são financiados por donativos de privados e há uma
parte pequenina do Orçamento de Estado. Agora, tem de se provar que a
remessa desses fundos, os 10 milhões, ocorreu de uma forma lícita e com uma
transferência lícita. Se não o fez, então esse partido faz parte do rol de
entidades que recebeu de forma ilícita fundos de uma atividade criminosa."
Caso pede investigação da PGR
Apesar da FRELIMO ainda não ter
confirmado se recebeu, ou não, os dez milhões de dólares, o documento
apresentado no Tribunal de Brooklyn será suficiente para a Procuradoria-Geral
da República abrir uma investigação ao caso?
"Poder abrir não, tem de
abrir [uma investigação]", responde Rodrigo Rocha. "
"A partir do momento em que
há indício de uma atividade criminosa e esta, no meu entender, é bastante
grave, porque mostra que houve afetação de fundos num valor considerável por parte
de um partido, a PGR é obrigada a fazer uma investigação", esclarece.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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