sábado, 14 de dezembro de 2019

As garras da China na América Latina


Em cúpula no Panamá, Pequim consolida presença na região. Enquanto economias latino-americanas parecem ter aprendido a tirar proveito disso, elas se tornam cada vez mais dependentes do comércio com o país asiático.

A cúpula comercial China-América Latina e Caribe ocorre desde 2007, e a edição de 2019 acaba de terminar na Cidade do Panamá. Com esse misto de feira de negócios e reunião de cúpula, a China quer promover a cooperação econômica com os países da América Latina e do Caribe. As edições anteriores ocorreram no Chile, Colômbia, Peru, Costa Rica, México e Uruguai e testemunharam o forte interesse da China pela América Latina.

Recentemente, Nayib Bukele, presidente de El Salvador, foi recebido em Pequim como "chefe de Estado de importância internacional" e ficou satisfeito por receber apoio financeiro para projetos de infraestrutura – sem obrigação de reembolsá-los. Durante a visita de Estado, Bukele disse que seu país usará o presente do presidente Xi Jinping "para construir um novo estádio de futebol, uma nova biblioteca nacional e uma estação de tratamento de água, entre outras coias".

"Não é novo que a China tenha boas relações comerciais com quase todos os países da região. Mas tem laços particularmente estreitos com países que exportam matérias-primas para a China, como Chile, Equador, Peru, Brasil e Argentina", afirma Margaret Myers, especialista em relações Ásia-América Latina do think tank Diálogo Interamericano, com sede em Washington.




A presença chinesa em projetos de infraestrutura na América Latina e no Caribe está se tornando cada vez mais abrangente. Segundo o Diálogo Interamericano, empresas e bancos chineses têm até agora "interesse em cerca de 150 projetos no setor de transportes e já assinaram contratos para alguns deles".

O comércio entre a América Latina e a China mudou nos últimos anos. "Os latino-americanos passaram da compra de brinquedos de plástico chineses para a compra de ferrovias, ônibus, redes de telecomunicações e alta tecnologia para portos marítimos para melhorar sua infraestrutura", conta Myers. Esse é um desenvolvimento que a China impulsionou com sua Nova Rota da Seda, uma rede global de estradas, ferrovias e vias marítimas.

Mas a visão da China sobre a América Latina também mudou, afirma a analista. "Há três anos, a China não só considerou os países como parceiros comerciais regionais, mas também como parte de um conceito econômico global, já que Pequim chegou à conclusão de que precisa responder mais de perto às necessidades e interesses desses países."

Esse desenvolvimento, naturalmente, preocupa Washington. De acordo com Myers, os latino-americanos fizeram um bom número de equilibrismo porque queriam manter boas relações tanto com os Estados Unidos como com a China. Em alguns casos, os países da América Latina poderiam até mesmo se beneficiar da guerra comercial entre EUA e China.
"Embora a imposição recíproca de tarifas tenha tido impacto sobre as moedas de alguns países, o México, por exemplo, se beneficiou do fato de que algumas empresas se estabeleceram no país por medo de tarifas adicionais", acrescenta a especialista.


Latinos caíram na "armadilha da dívida"?

Desde 2005, os bancos chineses emprestaram mais de 141 bilhões de dólares a países e empresas estatais da América Latina e do Caribe. A questão é a seguinte: quais concessões tinham que ser feitas para os países receberem empréstimos mais baratos? Os latino-americanos caíram numa "armadilha da dívida" chinesa, como aconteceu anteriormente com alguns países africanos?

"Nos últimos três anos, a China quase não concedeu grandes empréstimos à região", sublinha Myers, que também não vê sinais de uma "armadilha da dívida". "De todos os países da região que receberam empréstimos da China, como Equador, Argentina, Brasil e Venezuela, só este último teve um problema grave."

Mesmo a Venezuela não parece estar em risco de perder o controle. Apesar dos empréstimos de cerca de 67 bilhões de dólares concedidos por Pequim aos regimes de Hugo Chávez e Nicolás Maduro desde 2007, Caracas tem hoje uma dívida de "somente" 20 bilhões de dólares com Pequim, e a paga com petróleo bruto.

A obrigatoriedade de vender o próprio petróleo à China para pagar as dívidas também pode, no entanto, ser considerada como uma "armadilha da dívida". Em entrevista à BBC, Kevin Koenig, da organização ambiental Amazon Watch, afirmou que o Equador deve abandonar a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) em 2020 para poder aumentar sua produção de petróleo e, assim, liquidar sua dívida de cerca de 14 bilhões de dólares com a China.

Myers tem outra opinião: "Eu não estou certa se Pequim tem consultores em Quito que dizem ao presidente Lenín Moreno que ele tem que deixar a Opep." Afinal de contas, cada país decide por si próprio como quer cumprir com as suas obrigações financeiras. A única coisa certa é que "as economias da América Latina estão cada vez mais dependentes do comércio com a China".

José Ospina-Valencia (fc) | Deutsche Welle

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