A luta pelo impeachment de
Bolsonaro pelos notórios crimes de responsabilidade que ele e integrantes do
seu governo cometem, deve entrar no radar de opções dos democratas para evitar
que, assim como Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha, Bolsonaro venha se
tornar um ditador sanguinário reeleito “democraticamente”, diz o colunista
Jeferson Miola
Menosprezar ou folclorizar as
constantes ameaças ditatoriais e os ataques do clã Bolsonaro e dos
bolsonaristas ao pouco de ordem jurídica ainda vigente no Brasil é um erro
histórico que poderá ter desdobramentos perigosos, de dimensões catastróficas.
Tanto a retórica como a prática
inconstitucional e ilegal que evocam um regime ditatorial devem ser entendidas
como de fato são: parte de um planejamento meticuloso para uma escalada
autoritária de modo incremental, progressivo, até a implantação de uma ditadura
no Brasil. Neste caso, uma ditadura bruta, sanguinária, fascista; dominada por
facções milicianas.
O objetivo estratégico de
Bolsonaro é cunhar progressivamente, pela via institucional e eleitoral, o
ambiente que propicie as condições para levar às últimas consequências a
barbárie ultraliberal: imprensa de fachada, instituições [Executivo, PF, MP,
judiciário, Congresso] manietadas e aparelhadas; presença militar dos párias
que habitavam o porão da ditadura anterior em postos-chave de direção;
perseguição, caçada e aniquilamento da oposição ao regime, sobretudo a
esquerda; simulacro de democracia representativa, terrorismo estatal, Estado
policial etc.
Com a subversão constante da
ordem jurídica de 1988, feita passo a passo, por dentro da própria constitucionalidade
vigente, Bolsonaro beneficia-se das condições herdadas do golpe para seguir
aprofundando o regime de exceção Globo-lavajatista que lançou o Brasil no
precipício.
Em menos de 1 ano de governo,
Sérgio Moro e o clã Bolsonaro afrontaram a imprensa, o Congresso e o STF. Eles
também ameaçaram e atentaram contra a ordem jurídica ainda vigente com medidas
que, se as instituições de fato estivessem “funcionando normalmente”, eles
teriam de ser cassados dos cargos, processados e presos.
Recentemente, Moro e Bolsonaro
avançaram o itinerário autoritário com propostas como a GLO [Garantia da Lei e
da Ordem] para reprimir movimentos sociais, em especial do campo; e como a
“licença para matar” [excludente de ilicitude], que autoriza policiais
assassinarem ativistas em protestos políticos.
Mas a retórica mais direta,
lapidar, que evidencia a perspectiva ditatorial que está no horizonte
bolsonarista não foi feita nem por Sérgio Moro nem pelo clã sociopata, mas por
Paulo Guedes.
Em Washington, capital do Império
estadunidense, o destruidor da economia brasileira transmitiu ao seu
deus-mercado uma mensagem tranquilizadora: “Não se assustem então se alguém
pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez?”.
Guedes quis dizer: passe o que passar,
custe o que custar – inclusive o desmanche total dos poucos traços de
democracia ainda remanescentes no Brasil – ele garante que a devastação
ultraliberal será levada até o fim, até as últimas consequências, para consumar
o maior saque e roubo das riquezas e da renda do país jamais antes visto.
Guedes deve ser levado à sério;
ele sabe o que fala. Ele tem como antecedente vergonhoso de vida ter servido à
ditadura sanguinária de Augusto Pinochet. E ali, naquela vivência macabra,
aprendeu que a imposição deste programa desastroso idêntico ao do Chile só é
possível num regime ditatorial e sanguinário, porque não seria sufragado nas
urnas.
A declaração assombrosa de Paulo
Guedes foi feita em 25 de novembro passado, e nada – absolutamente nada –
aconteceu com este criminoso, autor de grave ameaça terrorista.
Pesquisas de opinião
recém-publicadas foram interpretadas por vários analistas com uma lente
desfocada. A rejeição do Bolsonaro, bastante valorizada nas análises, é um
indicador importante, mas não o mais valioso para se apreender a realidade,
como é o índice de apoio a ele na sociedade.
Segundo o Datafolha, o apoio a
Bolsonaro se situa acima de 30%. O instituto encontrou 12% como “núcleo duro de
entusiastas” e 22% do apoio formado por “entusiastas médios”. Com esse nível
impressionante de adesão social, mesmo sendo inferior à sua alta taxa de
rejeição, Bolsonaro é um dos principais competidores eleitorais contra Lula,
o PT e toda esquerda.
Ciente disso, Bolsonaro governa,
fala e age com 2 objetivos principais: para [1] fidelizar o apoio desse
contingente eleitoral formidável, e para [2] estigmatizar e demonizar o PT e a
esquerda para, assim, angariar votos antipetistas junto ao chamado “centro” com
um discurso histérico, infundindo medo e pânico anticomunista.
A situação política e
institucional brasileira evoluiu para um estágio de deterioração democrática
que ultrapassa a des-democratização; o Brasil está diante do avanço perigoso e
contínuo rumo à fascistização.
O bolsonarismo não é só o clã
sociopata, o extremismo de extrema-direita e suas monstruosas aberrações, mas é
a forma que a restauração neoliberal assumiu no Brasil – que tem semelhança com
o que acontece em outras partes do mundo.
Duas análises brilhantes – e
perturbadoras no seu brilhantismo – oferecem um arsenal teórico que ajuda a
entender esta complexa realidade com visão totalizante e abrangente.
Uma delas é do professor de
ciência política da USP Bernardo Ricupero, Notas sobre o bonapartismo, o
fascismo e o bolsonarismo [aqui],
que se nutre de referências históricas clássicas sobre o fascismo, como as
teses premonitórias de Karl Marx, Leon Trótsky e August Thalheimer para
explicar o bolsonarismo como fenômeno totalitário em curso.
A outra análise, do professor de
filosofia da UNICAMP e presidente do CEBRAP Marcos Nobre, Contagem
Regressiva [aqui],
percorre amplo trajeto da política nacional para responsavelmente cobrar do
campo democrático brasileiro uma resposta urgente à catástrofe bolsonarista,
antes que seja tarde demais.
Deter o bolsonarismo e barrar a
tendência totalitária que está em curso no país se combina com o combate à
barbárie ultraliberal e as políticas devastadoras que comprometerão o futuro do
Brasil e do povo brasileiro pelas próximas décadas.
A luta pelo impeachment de
Bolsonaro pelos notórios crimes de responsabilidade que ele e integrantes do
seu governo cometem, deve entrar no radar de opções dos democratas para evitar
que, assim como Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha, Bolsonaro venha se
tornar um ditador sanguinário reeleito “democraticamente”.
*Brasil247
Integrante do Instituto de
Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi
coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial
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