quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

É natal, para quem?

O menino saiu da cama ainda mal o lusco-fusco do dia a nascer tinha despontado. Dirigiu-se à chaminé repleta de tachos e panelas vazias e olhou em redor. Nada. O menino Jesus não lhe havia deixado nada naquele natal, pelo menos junto à chaminé não estava. Procurou melhor pelos cantos, junto aos armários. Nada. Mas aquela era manhã de natal, diziam que o menino Jesus não se esquecia de ninguém, que haveria sempre um presente fosse para quem fosse, até mesmo para os que se tivessem portado mal durante o ano... Pé ante pé, já com frio, abriu a porta de casa e olhou para o degrau que a antecedia. Ali estava, uma caixa grande e vermelha adornada por uma linda e larga fita verde a adorná-la. As cores de Portugal, verde e vermelho. Afinal o presente ali estava. Puxou-o para dentro de casa e arrastou-o até ao seu quarto, junto ao divã que lhe servia de pouso para a enxerga onde dormia e descansava da fome que em quase todos os dias do ano lhe apertava o estômago e lhe dava um nó na garganta. Com cuidado retirou a fita verde e brilhante da caixa, depois, cuidadosamente, desfez o embrulho. Ali estava a caixa nua, ainda com a tampa a ocultar o conteúdo. Tirou-a...

Eis o que lhe havia cabido naquele natal, como em quase todos os outros da sua ainda pouca existência neste mundo que diziam de esperança, de justiça e de democracia. Como tantos senhores de gravata anunciavam existir, assim como também senhoras muito bem vestidas que os adultos diziam ser ministras e de organizações de caridade que invadiam a dignidade dos excluídos por esses e essas anunciantes de promessas por cumprir...

Afinal o conteúdo dentro da caixa não era um presente mas sim uma garantia nefasta do novo ano que se aproximava: mais fome, mais carências na vida, mais misérias e desigualdades infindas... É natal, para quem?

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