O Centro de Integridade Pública
(CIP) de Moçambique acredita que Jacinto Nyusi, um dos filhos do Presidente de
Moçambique, vendeu uma casa que detinha na África do Sul para branquear
capitais obtidos ilicitamente.
O Centro de Integridade Pública
(CIP) de Moçambique tem documentos que relacionam Jacinto Ferrão
Nyusi, filho do chefe de Estado moçambicano, com a rede de corrupção e
branqueamento de capitais que lesou o Estado em mais de dois mil milhões
de euros, um esquema que ficou conhecido como o caso das dívidas ocultas.
Aquele filho do Presidente
Filipe Nyusi comprou a pronto uma casa localizada num bairro de elite
na Cidade do Cabo, em julho de 2014, imóvel que vendeu em outubro de
2017. No entanto, na altura o jovem tinha apenas 21 anos e não lhe era
conhecida qualquer atividade económica compatível com a compra de uma casa
avaliada em mais de 245 mil euros.
A propósito da denúncia pública,
a DW África entrevistou um dos investigadores principais do CIP, Baltazar Fael.
DW África: O CIP tem documentos
que comprovam que Jacinto Nyusi, filho do Presidente da República de
Moçambique, adquiriu um bem imóvel na África do Sul com dinheiro das dívidas
ocultas. Vai apresentar esses dados às autoridades?
Baltazar Fael (BF): Nos
próximos dias, irá seguir uma queixa com esses documentos para que a Procuradoria-Geral
da República (PGR) os tenha e possa exercer aquilo que é a sua atividade de
ação penal.
DW África: Segundo estes
documentos, Jacinto Nyusi comprou a casa a pronto, supostamente a partir do
financiamento de António Carlos do Rosário, ex-alto quadro do Serviço
de Informações e Segurança do Estado (SISE). Como é que funcionava esse
esquema?
BF: Aqui temos de recuar um
pouco para ver como é que os arguidos do processo das dívidas ocultas foram
repartindo o dinheiro. Eles foram adquirindo bens de forma a lavar esse
dinheiro. Eles vendiam umas casas e voltavam a comprá-las. O esquema acabou por
funcionar de uma forma em que o objetivo era mesmo ocultar a origem desses
fundos, para que um dia não se viesse a saber a origem do dinheiro ou para apagar
quaisquer vestígios que conduzissem as autoridades a uma investigação que os
relacionasse com esses fundos.
Este filho do atual Presidente da
República de Moçambique não está constituído como arguido no processo que está
a decorrer na PGR. Cabe à PGR investigar mais e verificar se não há a
possibilidade de se abrir aqui um processo autónomo.
DW África: Acha que Filipe Nyusi
pode, de alguma forma, interceder e atrapalhar essa investigação?
BF: Tudo é possível. Como
nós sabemos, existem algumas dependências entre a PGR e quem nomeia a PGR, que
é neste caso o Presidente da República. Dizer que não pode haver
interferências, se calhar, seria 'pôr a carroça à frente dos bois'. Tudo isto
passa pela integridade das próprias instituições.
DW África: É sabido que Filipe
Nyusi tem filhos jovens a quem são atribuídos negócios de grande envergadura. É
expectável que estas pessoas tão novas movimentem quantias avultadas de
dinheiro?
Expectável não é, porque as
pessoas para ter dinheiro têm de trabalhar. Não se sabe ou não se sabia de
quaisquer negócios feitos pelo filho do Presidente da República. Do nada,
ele conseguiu dinheiro para adquirir uma residência. Para além disso, parece
que na altura nem o Presidente da República era candidato à Presidência.
Portanto, pode haver esta ligação, não estamos a dizer que existe, mas pode
haver uma ligação entre este caso das dívidas ocultas, António Carlos do
Rosário e o facto destas pessoas terem de um momento para outro ganho avultadas
somas de dinheiro.
DW África: Antes desta questão
vir a público, um dos filhos de Filipe Nyusi já era criticado publicamente por
alegadamente ter comportamentos pouco ortodoxos, como circular em carros sem
matrícula ou fazer corridas ilegais. Acha que há um sentimento de impunidade na
elite Moçambicana?
BF: Não há dúvida. Se ele
circula com carros sem matrícula, sem identificação, e as autoridades pura e
simplesmente deixam-no circular na vida pública, mas quando é um cidadão
anónimo ou comum é imediatamente interceptado, então há uma lei que funciona
para os mais ricos e mais fortes e a mesma lei vai funcionar de outra forma
para os mais fracos.
Há cidadãos que cometeram
infrações e esses cidadãos independentemente de serem familiares ou filhos
deste ou daquele devem sofrer o mesmo tipo de investigação, ser submetidos ao
mesmo tipo de investigação, porque só assim se constrói um Estado de Direito.
Nuno de Noronha | Deutsche Welle
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