quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Moçambique | CIP suspeita que filho de Nyusi branqueou capitais das dívidas ocultas


O Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique acredita que Jacinto Nyusi, um dos filhos do Presidente de Moçambique, vendeu uma casa que detinha na África do Sul para branquear capitais obtidos ilicitamente.

O Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique tem documentos que relacionam Jacinto Ferrão Nyusi, filho do chefe de Estado moçambicano, com a rede de corrupção e branqueamento de capitais que lesou o Estado em mais de dois mil milhões de euros, um esquema que ficou conhecido como o caso das dívidas ocultas.

Aquele filho do Presidente Filipe Nyusi comprou a pronto uma casa localizada num bairro de elite na Cidade do Cabo, em julho de 2014, imóvel que vendeu em outubro de 2017. No entanto, na altura o jovem tinha apenas 21 anos e não lhe era conhecida qualquer atividade económica compatível com a compra de uma casa avaliada em mais de 245 mil euros.

A propósito da denúncia pública, a DW África entrevistou um dos investigadores principais do CIP, Baltazar Fael.


DW África: O CIP tem documentos que comprovam que Jacinto Nyusi, filho do Presidente da República de Moçambique, adquiriu um bem imóvel na África do Sul com dinheiro das dívidas ocultas. Vai apresentar esses dados às autoridades?

Baltazar Fael (BF): Nos próximos dias, irá seguir uma queixa com esses documentos para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) os tenha e possa exercer aquilo que é a sua atividade de ação penal.

DW África: Segundo estes documentos, Jacinto Nyusi comprou a casa a pronto, supostamente a partir do financiamento de António Carlos do Rosário, ex-alto quadro do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Como é que funcionava esse esquema?

BF: Aqui temos de recuar um pouco para ver como é que os arguidos do processo das dívidas ocultas foram repartindo o dinheiro. Eles foram adquirindo bens de forma a lavar esse dinheiro. Eles vendiam umas casas e voltavam a comprá-las. O esquema acabou por funcionar de uma forma em que o objetivo era mesmo ocultar a origem desses fundos, para que um dia não se viesse a saber a origem do dinheiro ou para apagar quaisquer vestígios que conduzissem as autoridades a uma investigação que os relacionasse com esses fundos.

Este filho do atual Presidente da República de Moçambique não está constituído como arguido no processo que está a decorrer na PGR. Cabe à PGR investigar mais e verificar se não há a possibilidade de se abrir aqui um processo autónomo.

DW África: Acha que Filipe Nyusi pode, de alguma forma, interceder e atrapalhar essa investigação?

BF: Tudo é possível. Como nós sabemos, existem algumas dependências entre a PGR e quem nomeia a PGR, que é neste caso o Presidente da República. Dizer que não pode haver interferências, se calhar, seria 'pôr a carroça à frente dos bois'. Tudo isto passa pela integridade das próprias instituições.

DW África: É sabido que Filipe Nyusi tem filhos jovens a quem são atribuídos negócios de grande envergadura. É expectável que estas pessoas tão novas movimentem quantias avultadas de dinheiro?

Expectável não é, porque as pessoas para ter dinheiro têm de trabalhar. Não se sabe ou não se sabia de quaisquer negócios  feitos pelo filho do Presidente da República. Do nada, ele conseguiu dinheiro para adquirir uma residência. Para além disso, parece que na altura nem o Presidente da República era candidato à Presidência. Portanto, pode haver esta ligação, não estamos a dizer que existe, mas pode haver uma ligação entre este caso das dívidas ocultas, António Carlos do Rosário e o facto destas pessoas terem de um momento para outro ganho avultadas somas de dinheiro.

DW África: Antes desta questão vir a público, um dos filhos de Filipe Nyusi já era criticado publicamente por alegadamente ter comportamentos pouco ortodoxos, como circular em carros sem matrícula ou fazer corridas ilegais. Acha que há um sentimento de impunidade na elite Moçambicana?

BF: Não há dúvida. Se ele circula com carros sem matrícula, sem identificação, e as autoridades pura e simplesmente deixam-no circular na vida pública, mas quando é um cidadão anónimo ou comum é imediatamente interceptado, então há uma lei que funciona para os mais ricos e mais fortes e a mesma lei vai funcionar de outra forma para os mais fracos.

Há cidadãos que cometeram infrações e esses cidadãos independentemente de serem familiares ou filhos deste ou daquele devem sofrer o mesmo tipo de investigação, ser submetidos ao mesmo tipo de investigação, porque só assim se constrói um Estado de Direito.

Nuno de Noronha | Deutsche Welle

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