A nossa Europa está a desenvolver
uma mentalidade isolacionista em relação à sua vizinhança meridional, levando a
que esta apenas pareça existir sob a forma de embarcações de refugiados, e não
como uma realidade humana complexa nossa vizinha a necessitar de uma atenção
urgente.
Paulo Casaca, em
Bruxelas | Jornal Tornado | opinião
O presente fenómeno de
transformação do jihadismo de força irregular, que na Europa se faz notar
apenas pelos esporádicos massacres terroristas, em movimento imperial dominado
pelas potências tradicionalmente rivais do Irão e da Turquia não parece estar a
ser entendido pelos responsáveis europeus, e menos ainda integrado no quadro
global dos desafios que enfrentamos.
Na sua vizinhança, a China não
hesita em usar a força para se afirmar, como demonstrou com a ocupação do mar
do Sul da China, mas noutras paragens, a China aposta num cenário de penetração
suave no mundo inteiro, incluindo na Europa. O seu instrumento fundamental é o
dinheiro com que compra posições estratégicas e corrompe as elites políticas,
bem como o aparelho institucional usado integralmente para essa penetração.
A China trata com mão de ferro as
suas minorias muçulmanas, nomeadamente as do Turquestão Oriental onde detém em
campos de reeducação um número estimado entre um e três milhões de habitantes,
o que mostra como a sua relação aparentemente boa com as potências jihadistas é
meramente instrumental e tem como único ponto comum o combate ao Ocidente.
A Rússia sem capacidade económica
mas com alguma capacidade militar tem uma lógica de penetração quase
exclusivamente baseada na força, tanto a Ocidente como a Sul. Com minorias
muçulmanas mais significativas do que as chinesas, a Rússia desenvolve uma
estratégia selectiva em relação ao jihadismo, aliando-se a umas facções – no
plano interno, tem uma grande dependência do Emirato Checheno, e no externo tem
uma aliança sólida com a Teocracia iraniana – mas combatendo outras, como o faz
na Síria ou na Líbia.
A Turquia com Erdogan resolveu
responder ao desafio lançado pelo seu eterno rival iraniano copiando o modelo
de expansão jihadista com base em alianças tácticas e pontuais estrategicamente
contraditórias. A Turquia rivaliza e alia-se com praticamente todos os actores
mundiais num delicado equilíbrio que me parece difícil de manter a prazo.
Erdogan conseguiu em Ancara o
acordo da aliança irano-russa para desencadear a limpeza étnica no Curdistão
sírio, manteve a Europa quieta com a mera ameaça de deixar partir os refugiados
sírios para território europeu e conseguiu a neutralidade da Administração
Trump (que despediu mesmo os seus dois homens chave no aparelho de defesa e
segurança por estes discordarem desse passo) por razões que a razão desconhece.
Erdogan desenvolve agora uma
manobra mais arriscada ao enviar forças para a Líbia em defesa da fação
jihadista acolitada em Trípoli e Misrata, aparentemente desafiando Moscovo que
estaria do lado do Exército Nacional apoiado pelo Egipto.
Poderá Moscovo estar a medir as
vantagens de poder trazer a instabilidade ao flanco Sul da Europa contra as
desvantagens de deixar clãs jihadistas rivais dos seus aliados tomar posições
no Norte de África? Ou trata-se apenas de assumir a sua incapacidade para se
fazer respeitar pela Turquia?
A potência que mais fielmente
reproduz o Jihadismo moderno e que de longe é a mais perigosa, a teocracia
iraniana, continua a prosseguir a sua expansão e a contar com uma quase
neutralidade ocidental, com a excepção, até ver, da Administração Trump.
Apesar dos violentos protestos de
que é alvo no mundo árabe, que sofre a ocupação pelos seus Guardas
Revolucionários Islâmicos, protestos que são igualmente violentos dentro de
portas, a teocracia prossegue a sua expansão baseada numa sólida aliança com a
Rússia e numa ‘síndroma de Estocolmo’ ocidental.
A teocracia iraniana tem-se
revelado extremamente eficaz na manipulação estratégica internacional
conseguindo manter realidades virtuais fictícias antagónicas de acordo com o
seu público-alvo, e isto é assim desde que tomou o poder há quarenta anos.
Em 1979, fazendo dos diplomatas
americanos reféns, conseguiu negociar a sua libertação com ambos os
pretendentes às eleições de 1980, obtendo as armas que necessitava para a sua
guerra com o Iraque. Ainda no mesmo ano, instigou um golpe de Estado jihadista
na Arábia Saudita com o argumento de que a Coroa era corrupta e estava nas mãos
do Ocidente, ao mesmo tempo que conseguiu convencer esse mesmo Ocidente que o
Jihadismo era obra da mesma Arábia Saudita.
De lá para cá o Irão não mudou em
nada a sua estratégia mas nunca deixou de ter uma sólida base de apoio de
ocidentais dispostos a acreditar em toda a sua desinformação, mesmo que esta se
tenha revelado repetidamente falsa.
A Europa tem de enfrentar ambos
os imperialismos jihadistas que se erguem a Sul, apoiando o mundo árabe que lhe
quer fazer face. É verdade que no Médio Oriente só Israel se pode considerar
uma plena democracia, e que uma política de democratização é algo de complexo e
arriscado de pôr em marcha.
Não há no entanto alternativa se
a Europa não quer ver estender-se no seu território a guerra que o imperialismo
jihadista desenvolve. Quanto mais depressa a Europa o entender, melhor.
Foi neste contexto que participei
numa reunião interparlamentar árabe de apoio ao Ahwaz (zona árabe conhecida por
Arabistão ocupada no século XX pelo Irão) que teve lugar no Kuwait promovida
pelo Dr Abdullah Fahad Al-Enzi, presidente do Comité Político do Parlamento o
Kuwait, reuniu dezenas de antigos parlamentares e alguns parlamentares no
activo no dia 21 de Dezembro no Kuwait.
Na minha qualidade de único
não-árabe convidado para a conferência fiquei muito impressionado com o caminho
que está a ser feito no Golfo, especialmente pelos países de regime mais livre,
como o Koweit e o Bahrain, tentando encontrar uma nova base para o encontro
internacional árabe fundado nos direitos humanos, na não discriminação e no
desenvolvimento desafiando o imperialismo teocrático e a sua manipulação
religiosa.
Foi um princípio de que espero
venhamos a ter desenvolvimentos positivos.
*Foi deputado no Parlamento
Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia
Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996,
bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.
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