sábado, 28 de dezembro de 2019

Chelsea Manning não pode ser esquecida!


Eric London*

Em 17 de dezembro, a denunciante Chelsea Manning completou seus 32 anos de idade sozinha em uma prisão em Alexandria, na Virgínia (EUA), onde está trancafiada em uma cela há nove meses por se recusar a testemunhar em um grande júri contra o fundador do WikiLeaks, Julian Assange.

Ao manter Manning presa, a classe dominante dos EUA está esforçando-se para implementar o princípio ditatorial segundo o qual a população do mundo não tem o direito de saber sobre os crimes de guerra imperialistas nem de expressar oposição às próprias guerras. O objetivo final dela é se preparar para futuras guerras em uma escala ainda maior. Por esse motivo, a luta pela libertação de Manning é de suma importância para bilhões de pessoas em todo o mundo.

Manning foi assediada, perseguida e difamada pelo governo mais poderoso do mundo durante a maior parte de sua vida adulta. Aos 23 anos, ela ajudou o WikiLeaks a divulgar centenas de milhares de páginas de evidências de crimes de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão. Uma década depois, as guerras continuam. Sociedades inteiras foram reduzidas a escombros, com milhões de civis mortos e dezenas de milhões obrigados a fugir de suas casas.

Em retaliação à revelação de crimes de guerra por Manning, o governo Obama a trancafiou por sete anos sob a Lei de Espionagem. Durante esses sete anos, ela foi submetida a tortura pelos carcereiros militares cujos crimes ela havia revelado.

Até hoje, Manning diz que não se arrepende.

Em janeiro de 2017, a sentença de Manning foi comutada e ela foi libertada da prisão em maio daquele ano, aos 29 anos. Mas apenas um ano e meio depois, o Departamento de Justiça a intimava e ameaçava colocá-la de volta na prisão se ela não apresentasse provas ao estado contra Assange.

A resposta de Manning à intimação foi um ato histórico de coragem política.

“Não cooperarei com este ou qualquer outro grande júri”, disse ela em entrevista coletiva fora do tribunal, onde estava prestes a ser colocada sob custódia. Ela não mudou de ideia quando o governo tentou persuadi-la com imunidade legal, tendo sida enviada de volta à prisão em 8 de março de 2019.


Em maio, quando o juiz Anthony Trenga ameaçou impor multas maciças para cada dia que Manning se recusasse a testemunhar, ela encarou o juiz nos olhos e disse que não seria comprada ou intimidada: “Prefiro morrer de fome do que mudar meus princípios a esse respeito”, disse. Ela ainda acrescentou: “O governo não pode construir uma prisão suficientemente ruim, não pode criar um sistema pior do que a ideia de que algum dia eu mudaria meus princípios”.

Como um mafioso, o juiz Trenga chamou essas declarações de “infelizes” e impôs uma multa diária de US$ 1.000 para cada dia que Manning permaneça em silêncio na prisão. O valor total da multa atingiu agora US$ 440 mil.

A prisão de Manning é uma farsa ilegal que viola a liberdade de expressão e a proibição da Constituição de punições cruéis e fora do comum.

O grande júri foi ilegalmente estabelecido como parte da farsa jurídica contra Assange, na qual o governo dos EUA comandou a tortura do editor do WikiLeaks pelas autoridades britânicas, limitou sua capacidade de se reunir com seus advogados enquanto preso em Londres e espionou informações confidenciais entre advogado e cliente para forçar sua acusação em solo estadunidense através do que equivale a uma rendição extraordinária do Reino Unido.

Embora o objetivo de um grande júri seja supostamente o de determinar as acusações contra o indivíduo, não pode haver um propósito legal para o grande júri aqui nos EUA, uma vez que Assange já foi acusado de violar a Lei de Espionagem.

O objetivo final de prender Manning não tem nada a ver com nenhuma lei. Querem punir Manning novamente por suas ações em 2010, violando a proibição de uma pessoa ser condenada duas vezes pela mesma acusação. Em novembro, Trump denunciou Manning, dizendo que foi um erro “deixar essa pessoa ir” depois que ela “roubou uma quantidade enorme de informações confidenciais”.

A advogada de Manning, Moira Meltzer-Cohen, explicou ao World Socialist Web Site:

“O governo já acusou completamente o alvo desta investigação; eles claramente não têm necessidade legítima do testemunho da Sra. Manning neste momento. De qualquer forma, mantê-la em confinamento coercitivo não a influenciará a cooperar e serve apenas para puni-la inadmissivelmente. A investida continuada de Trump contra ela apenas reforça a aparência de que sua atual prisão é indevidamente motivada por um claro desejo de vê-la sofrer por atos passados.”

A prisão ilegal é o produto de uma conspiração envolvendo todo o establishment político, encoberto por um silêncio ensurdecedor da imprensa corporativa. O New York Times, que publicou muitos dos vazamentos de Manning em 2010, não escreve sobre sua prisão desde maio.

Mas o papel mais importante nessa operação tem sido desempenhado pelos autoproclamados “socialistas” do Partido Democrata. Ao permanecerem em silêncio sobre a prisão de Manning e a perseguição a Assange, reforçando assim o blecaute da mídia, Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez estão deliberadamente impedindo que esses grandes crimes ganhem atenção e gerem oposição em amplas camadas da população, incluindo milhões de jovens que eram crianças quando Manning foi presa.

Em resposta a uma pergunta de Ryan Grim, do Intercept, sobre a acusação das administrações Obama e Trump em outubro, Sanders se referiu apenas ao “denunciante” da CIA que revelou a ligação entre Trump e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. “A lei é muito clara”, disse Sanders, “os denunciantes têm um papel muito importante a desempenhar no processo político e sou muito favorável à coragem desse denunciante, quem quer que ele ou ela seja”.

Na mesma entrevista, Alexandria Ocasio-Cortez, dos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA), disse: “Não quero falar nada imprudente”, quando se trata de processos específicos contra denunciantes.

Sanders, Ocasio-Cortez e seus apoiadores não constituem uma oposição ao establishment político, mas um elemento crítico dentro dele.

Questões de vida e morte estão em jogo. A classe dominante dos EUA vê a prisão de Manning como uma necessidade estratégica, estabelecendo um precedente para prisões extrajudiciais de qualquer um que se oponha às guerras do presente e do futuro.

O recente perdão de Trump a criminosos de guerra que mataram e profanaram os corpos de civis inocentes também é uma mensagem de que Trump, em suas palavras, “defenderá os guerreiros”, dando liberdade aos militares para cometerem crimes de guerra. A classe dominante vê isso como necessário para levar adiante os interesses de Wall Street da maneira mais implacável possível em escala global.

A base social decisiva para a defesa de Manning e Assange não está na classe média alta “iluminada”, cujas carteiras de ações aumentaram nos últimos 20 anos desde o lançamento da “guerra ao terror”, mas na classe trabalhadora, que pagou pelas guerras com suas vidas e sustento.

Em 2019, dezenas de milhões de pessoas – principalmente trabalhadores, estudantes e jovens – foram às ruas em todos os continentes. Em países tão diferentes quanto a França, Haiti, Iraque, Líbano, Chile e Sudão, a oposição dos manifestantes à austeridade se tornou inseparável da oposição à violência policial-militar e à cumplicidade da mídia no ataque aos direitos democráticos.

É urgente que a exigência pela liberdade de Julian Assange e Chelsea Manning seja levada adiante nas lutas de massas da classe trabalhadora contra a guerra, a repressão, a desigualdade social e a causa de tudo isso, o sistema capitalista.

*Eric London | World Socialist Web Site

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