Steve Bannon tira proveito da
crise política e amplia sua articulação internacional. Objetivo: minar o que
resta de políticas solidárias e restaurar as tradições intolerantes e
retrógradas do continente.
Manuel Castells | Outras
Palavras | Tradução: Marco Weissheimer, no Sul21
As eleições para
o Parlamento Europeu, no dia 26 de maio, são decisivas para o projeto da
integração europeia. Os ultranacionalistas em ascensão definiram como objetivo
a constituição de um bloco parlamentar (um terço das cadeiras) capaz de
obstruir as políticas europeias comuns que, junto com sua presença em diversos
governos, possa reverter a Europa a um sistema de nações limitadas em
sua colaboração a acordos específicos, sempre priorizando os interesses
nacionais. Também defendem a redução drástica da imigração, o enfrentamento com
o Islã em defesa da Cristandade e a restauração do patriarcado
tradicional, eliminando a proteção aos direitos de homossexuais e mulheres. O que era uma tendência em toda a Europa,
exemplificada na Espanha pelo Vox e por um setor do PP, está convertendo-se em
um projeto coordenado. Prepara-se para esses dias, em Bruxelas, o
lançamento de uma fundação denominada “O Movimento”, impulsionada por Steve Bannon, que foi estrategista de Trump, eficiente diretor de sua campanha presidencial e
assessor especial na Casa Branca.
Seu enfrentamento pessoal com a
família do presidente, que ele considera cheia de golpistas, o levou a ruptura
com Trump e com a bilionária família Mercer, financiadora de sua empresa
midiática Breitbart News, propagandista do supremacismo branco. Sem
abandonar a política estadunidense, na qual ainda conta com apoios na “direita
alternativa”, Bannon decidiu estender sua cruzada a Europa,
aproveitando o crescimento da extrema direita e apostando em uma
mobilização das nações cristãs para salvar os valores da civilização ocidental.
Ele se instalou em Bruxelas, protegido pela extrema direita flamenca, em
particular pelo político Mischael Modrikamen, que forneceu-lhe apoio logístico. Com
isso começou sua peregrinação pelo Velho Continente para construir uma base ideológica
e organizativa comum. No espaço de um ano, as adesões explícitas a seu projeto
são suficientemente importantes para torná-lo crível.
Começando por Matteo Salvini, vice-presidente e homem forte do governo
italiano, e Viktor Orban, o primeiro-ministro húngaro, xenófobo e
anti-europeu. Além disso, tem relação próxima com Marine Le Pen e já discursou em assembleias
da Frente Nacional. Ele falou também aos “coletes amarelos”, cuja mobilização foi qualificada por Salvini como “o princípio de uma nova Europa”.
Na Espanha, apoia explicitamente o Vox, e já conversou
com Bardaji, um de seus dirigentes, que viajou a Bruxelas para
incorporar-se a esta aliança. Na Holanda conta com a cumplicidade de Geert Wilders, o dirigente xenófobo holandês cujo partido
se converteu na segunda força do parlamento. Na Itália, os “Fratelli d’Italia”, formação neofascista aliada
da Liga do Norte, também entrou no clube.
Naturalmente, Bannon conta com
vínculos profundos na frente pró-Brexit, no Reino Unido, e, em particular, com Boris Johnson, a quem apoiou quando estava na Casa
Branca. Na Alemanha, ele se reuniu com Alice Weidel, dirigente da “Alternativa pela Alemanha”, com uma projeção de 15% de
votos para as eleições europeias. Também cultivou contatos com os assessores do
ultranacionalista primeiro-ministro polaco, e com formações de extrema-direita
na República Tcheca, Finlândia, Dinamarca, Noruega e Suécia, ainda que,
nestes casos, não tenha formalizado ainda nenhuma colaboração.
O que Bannon pode
oferecer? Em princípio, não financiamento, porque as leis eleitorais europeias
proíbem a injeção de fundos estrangeiros nas campanhas. Sua contribuição, até
agora, é sua experiência e conhecimento de sistemas tecnológicos de prospectiva
e manipulação eleitoral que tão bem funcionaram nos Estados Unidos, em
particular na produção de desinformação nas redes sociais. Mas, sobretudo, está
construindo uma rede de contatos e de elaboração estratégica cuja efetividade
provém da sinergia entre seus participantes.
O projeto de Bannon é
mais ambicioso, porém, e pretende ir até o que ele acredita ser a raiz do
problema: a defesa dos valores religiosos e morais da civilização
judaico-cristã. Neste projeto, tem forjado alianças com o setor tradicionalista
da Igreja católica e, em particular, com os poderosos cardeais Burke (EUA)
e Martino (Itália), que estão liderando abertamente a rebelião doutrinal contra Francisco. A convergência entre
Bannon, um católico divorciado três vezes, e o irredentismo dos cardeais tem
uma expressão organizativa e territorial: o Instituto pela Dignidade
Humana, criado em 2008 em Roma pelo britânico Benjamin Harnwell,
ajudante do líder conservador britânico e europarlamentar Nirj Deva,
bilionário católico de origem cingalesa e diretor do Bow Group, um
influente think tank conservador inglês, anti-europeu e católico
fundamentalista. Deva preside o comitê internacional do Instituto, cujo
Conselho Assessor é dirigido pelo cardeal Burke e cujo presidente honorário é o
cardeal Martino.
Em
2018, Harnwell obteve do governo italiano o aluguel por tempo
indeterminado da Cartuja de Trisulti, localizada a 130 quilômetros a sudeste
de Roma, monumento histórico que está sendo reabilitado para acolher
programas e atividades destinadas à exaltação da Cristandade. O principal
projeto do Instituto é a criação de uma Academia para o Ocidente
Judaico-Cristão, acolhendo duzentos alunos que serão selecionados entre os
movimentos nacionalistas europeus, a partir de 2020. Bannon, amigo do
cardeal Burke desde 2016, como assessor especial do Instituto, está
preparando o currículo da formação e selecionando os ativistas que receberão
essa formação que será, ao mesmo tempo, religiosa, política e tecnológica.
De onde vem o dinheiro para o
Instituto e, sobretudo, para “O Movimento”? Esse é um véu espesso que ainda não
se conseguiu rasgar. Em relação ao Instituto, há doações do político Luca
Volonte, investigado pelo recebimento de fundos do Azerbaijão. Mas é
provável que Deva tenha utilizado sua rede global de negócios para
apoiar seu protegido e seus amigos do Vaticano. Quanto a Bannon, ainda que
ele diga que o dinheiro vem de sua fortuna pessoal, é provável que tenha tecido
uma rede oculta de milionários xenófobos e racistas, que veem nele sua última
esperança de supremacia.
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