Dez dias (e 23 mortes)
passaram-se, mas ultradireita não foi capaz de silenciá-los. Exilado, o
vice-presidente descreve a caça às cholas, a ação das milícias, a traição dos
generais. E a covardia da classe média, tropa de choque do racismo colonial
Álvaro García Linera | Outras
Palavras | Tradução: Simone Paz
Feito densa neblina noturna, o
ódio percorre ferozmente os tradicionais bairros de classe média urbana da
Bolívia. Seus olhos transbordam de ira. Não gritam, cospem; não reclamam,
impõem. Seus clamores não são pela esperança nem pela irmandade, são de
desprezo e de discriminação contra os índios. Montam suas motos, sobem em suas
caminhonetes, agrupam-se em suas confrarias e faculdades privadas e saem à caça
dos índios atrevidos que tiveram a coragem de arrebatar-lhes o poder.
Na cidade de Santa Cruz,
organizam quadrilhas motorizadas em suas 4×4, com porretes nas mãos para surrar
índios — os quais eles chamam de collas [pessoa de traços indígenas
ou de estrato social desfavorecido] e que vivem nos bairros marginais ou nos
mercados. Cantam hinos sobre matar collas e, se no meio do caminho
aparecer alguma mulher de pollera [saia rodada que é o traje
tradicional das cholas bolivianas], ela é espancada, ameaçada e coagida a
abandonar aquele território.
Em Cochabamba organizam comboios
para impor sua supremacia racial na zona sul, onde habitam as classes
abastadas, e hostilizam — como se fossem um destacamento da cavalaria —
milhares de mulheres camponesas indefesas, que marcham pedindo paz. Em mãos,
levam tacos de beisebol, correntes, granadas de gás. Alguns até exibem armas de
fogo. Mulheres são suas vítimas preferidas, pegam uma prefeita de uma
comunidade campesina para humilhá-la e arrastá-la pela rua: batem nela, urinam
nela quando cai no chão, cortam-lhe o cabelo, ameaçam linchá-la e, quando
percebem que estão sendo filmados, resolvem jogar tinta vermelha nela,
simbolizando o que farão com o sangue dela.
Em La Paz, desconfiam de suas
empregadas e ficam em silêncios quando elas levam a comida à mesa, no fundo,
sentem medo delas, mas também as desprezam. Depois, saem às ruas para gritar,
insultando Evo e, com ele, a todos os índios que ousaram construir uma
democracia intercultural com igualdade. Quando são muitos, arrastam a bandeira
wiphala, cospem e pisam nela, para cortá-la e queimá-la. É uma raiva visceral a
que descarregam sobre esse símbolo indígena que gostariam de eliminar da face
da terra, junto com todos aqueles que se reconhecem nele.