As armas que a Junta Militar de
Mariano Nhongo está a usar são aquelas que a RENAMO sempre teve. Quem o diz é o
especialista em desarmamento Albino Forquilha, que afirma: "Existem muitas
armas escondidas em Moçambique".
Em entrevista à DW África,
o diretor da Força Moçambicana para a Investigação de Crimes e Reinserção
Social (FOMICRES), Albino Forquilha, afirmou que as armas que a Junta Militar
de Mariano Nhongo está a usar não são de apoio externo, mas sim aquelas que a
RENAMO sempre teve.
Albino Forquilha, que garante que
"existem muitas armas escondidas" no país, diz que isto coloca
Moçambique numa situação "perigosa".
De acordo com o ex-militar, as
províncias de Inhambane, no sul, Sofala, Manica, Tete e Zambézia, no
centro, e Niassa, no norte, são as regiões "com indicadores bastante
fortes de haver esconderijos" de armas.
Forquilha disse ainda que durante
o processo de desarmamento e acantonamento dos militares, pouco depois do fim
da guerra em 1992, as Nações Unidas e o Governo de Moçambique não conseguiram
responder às denúncias da população de existência de armas escondidas nas suas
povoações.
DW África: Como surgem os ataques
que estão a ser levados a cabo no centro de Moçambique?
Albino Forquilha (AF): Estes
são ataques que advêm do deficiente acordo de paz definitiva assinado a 6 de
agosto de 2019, antecedido de um outro assinado em Xitengo, em Sofala,
referente ao desarmamento e desmobilização. Muitos disseram, inclusive eu, que
estamos perante um acordo frágil ou mesmo deficiente, porque ele não assentava
a todos os fatores de risco que poderiam advir por cima do mesmo acordo.
Este desarmamento,
desmilitarização e reintegração das forças residuais da RENAMO têm mais a ver
com a desmobilização dos militares residuais da RENAMO do primeiro Acordo Geral
de Paz, de 1992, que não conseguiu remover efetivamente todos esses elementos. E
essas negociações nestes últimos tempos, que culminaram com a assinatura
do acordo de 6 de agosto, são efetivamente para completar o acordo de
1992. Havia a necessidade para que todos os aspetos em volta deste grupo fossem
devidamente tratados, o que não aconteceu. Para se chegar a este acordo houve
muita confiança entre o falecido líder da RENAMO [Afonso Dlhakama] e o Governo,
e [o processo] foi retomado, com sucesso, pelo atual líder Ossufo Momade. Do
lado do Presidente [Filipe] Nyusi houve muita ansiedade em assinar o documento
rapidamente para trazer resultado durante a campanha eleitoral. Esta questão da
paz, das hostilidades militares, não é apenas assunto da RENAMO. O Presidente
da República tinha, quanto a mim, toda uma responsabilidade e caminho criado
para que não se assinasse o acordo antes de unificar aquela força da RENAMO.
Isso não aconteceu e as consequências são esses ataques.
DW África: Disse que o país está
num cenário perigoso por causa da atuação da Junta Miliar. Como desarmar esta
Junta Militar?
AF: Agora o assunto é um
pouco complicado. Não falaria apenas em desarmar a Junta Militar, mas
falaríamos também daquela força que está acantonada, sob responsabilidade
da RENAMO e dentro do próprio acordo. O único meio que pode restar para ter esta
força desarmada e desmobilizada é ir para o campo de aproximação e negociar.
Querendo efetivamente conversar com a Junta Militar, deverá fazer-se mais uma
revisão do acordo de paz.
DW África: Na sua opinião, onde o
general Nhongo e a Junta Militar adquirem armas para desencadear os ataques?
AF: Posso falar com alguma
propriedade que fui parte do processo de desarmento no país. O país deixou de
trabalhar na identificação e remoção de armas na altura que havia grande
necessidade. A paz em 1992 foi recebida com muita euforia pelos
moçambicanos, o que pôs abaixo o desarmamento. Os fatores de risco que poderiam
causar disparos estavam iminentes no nosso país. Tínhamos a população muito
traumatizada pela guerra, pobreza. Agora temos vários esconderijos de
armamento no país. O general Nhongo pode não precisar de reparar para o
exterior. Nós quando estávamos a recolher o armamento, só a sociedade civil,
devo dizer que de cerca de 150 mil armas que recolhíamos por ano, tínhamos
sempre cerca de 30% de chamadas das populações para recolher armamento que não
conseguíamos cumprir. E sempre que fôssemos ao campo, tínhamos muito armamento
recolhido, o que fica como indicação clara de que nós paramos com o
desarmamento quando havia muita necessidade de o fazer. Mesmo em 2013, quando a
RENAMO começou com as hostilidades, ainda havia muito armamento. Eles podiam
enfrentar muito bem o exército, porque tinham armamento e munições. Não creio
que esse armamento esteja a ser descarregado. Nas nossas pesquisas não há
indícios de que o armamento venha de fora. Temos muito armamento por recolher
no nosso país.
DW África: Até que ponto uma arma
obsoleta pode constituir um perigo?
AF: Tecnicamente é obsoleta
quando não dispara mais. Quando estiver a disparar, não é obsoleta. Agora,
muitas das armas que encontrávamos nos esconderijos estavam devidamente
conservadas. Já encontrámos armamento em locais devidamente cavados e
cimentados. E temos aquele armamento que o soladado abandonava por causa da
intensidade da guerra, ou enterrava, ou deixava num sítio. Esse sim é que
estava obsoleto. E depois, quando temos ainda no país pessoas que necessitam
deste armamento, como temos recorrentemente hostilidades, as pessoas passam a
cuidar desses artefatos.
DW África: Quais as zonas onde há
muitas armas escondidas?
AF: Nós não tivemos um plano e
fomos recolher as armas de forma esporádica e apresentámos um plano nacional
que não foi bem vindo, porque não se queria amedrontar os turistas. Lembro-me
de um estudo que fizemos na altura, que demostrou que havia muitos esconderijos
coletivos, como chamávamos na altura. O Governo disse para não publicar
este estudo pelas mesmas razões, de tal forma que é difícil dizer. Mas do
trabalho que fizemos entre 1995 a 2005, temos as províncias de Inhambane,
Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Niassa. São as regiões com indicadores bastante
fortes de haver esconderijos - e estou a falar de um estudo que fiz. E
estamos a falar de esconderijos coletivos. Mas temos muitos outros materiais de
guerra de conhecimento individual. Durante a guerra tivemos uma população quase
armada e cada um abandonava os campos de guerra quando tivesse oportunidade, e
as armas foram lá abandonadas. E este é o segundo nível de desarmamento que
colocamos à comunidade internacional aqui em Moçambique.
DW África: Significa que a Junta
Militar conhece muito bem as zonas onde estas armas estão escondidas e é lá
onde vai buscar?
AF: A Junta Militar é a
extensão da força militar da RENAMO. Eles conhecem muito bem os campos de
guerra e os melhores esconderijos. Então, eles têm essa matéria toda. Não
estariam a fazer esse desafio sem que contemplassem os meios necessários para
tal. Eu acredito que eles têm esse conhecimento, que pode fragilizar o
país do ponto de vista da paz.
DW África: Acha que Nhogo pode
levar uma guerra de dimensão dos 16 anos?
AF: Não tenho dúvidas. Se
bem que a Junta Militar não quer fazer uma guerra comparada a dos 16 anos. Mas
os homens residuais da RENAMO que estão à espera de serem desmobilizados
podem neste momento, de certeza, estarem a pensar em se juntar aos
guerrilheiros da Junta Militar. Ninguém sabe neste momento quantas pessoas estão
com o general Nhongo.
Romeu da Silva | Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário