quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Brasil | Orquestração antidemocrática contra Glenn Greenwald


A denúncia do procurador Wellington Divino de Oliveira, do Ministério Público Federal, contra o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, é motivada por claras razões ideológicas. Sem justificativas legais, o denunciante foi buscá-las na prática do jornalismo que ousou romper as fronteiras da conivência para mostrar práticas ilegais, autoritárias e persecutórias da Operação Lava Jato.

Vermelho | editorial

Nesse aspecto, a denúncia se alinha aos atentados contra o Estado Democrático de Direito, que tantos prejuízos têm causado ao país. As revelações do Intercept comprovaram muito do que já se sabia e que estavam no campo das suspeitas. Ao mostrar como a Lava Jato montava e operava seus esquemas, as reportagens, que ficaram conhecidas como Vaza-Jato, deram inestimáveis contribuições para a defesa da legalidade democrática. Inclusive motivando decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que coibiram abusos da República de Curitiba.

A ação desse procurador – o mesmo que fez denúncia contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, a mando de Sergio Moro, rejeitada pela Justiça Federal – mostra que a prática de fazer da Constituição e de outros códigos democráticos letras mortas continua. Uma denúncia como essa, com esse grau de inconsistência e com inquestionável intenção de revidar politicamente uma atuação jornalística, mostra até onde pode ir a ousadia dos que desprezam regras coletivas que regem uma sociedade civilizada.

As vozes que se levantaram mais uma vez contra o arbítrio, a exemplo do que ocorreu recentemente no caso da manifestação nazista do ex-secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, reafirmam a constatação de que a escalada autoritária suscita um amplo espectro de defensores da democracia. Os valores da redemocratização estão pulsantes na consciência de vastos setores da sociedade.


Isso ocorre porque esses valores concentram uma longa jornada de lutas, que atravessou períodos de truculência e violência e legou instrumentos da mais alta relevância para o avanço civilizacional do país, como a Constituição de 1988. Por mais que ela tenha sido atacada, modificada e desprezada, ainda é um baluarte da democracia, dos direitos do povo e da soberania nacional.

Esse episódio foi mais um passo do arbítrio, que novamente faz soar o alarme para a espreita dos que representam projetos obscuros e ameaçadores. Que ninguém se iluda: por trás de ações assim estão vozes empoderadas, como as do presidente da República, Jair Bolsonaro, e do ministro da Justiça, Sérgio Moro – o ex-juiz da Lava Jato que se tornou famoso por burlar a Constituição e vilipendiar o Estado Democrático de Direito.

A lição que fica de mais esse grave episódio é que as forças democráticas não podem subestimar as ameaças que pairam sobre a nação. O país está sob o comando de um projeto de poder antípoda ao longo caminho percorrido até a redemocratização de 1988. As simetrias dos discursos de Bolsonaro e de outros integrantes do governo com a ideologia da ditadura militar são evidências mais do que suficientes de que as ameaças são reais.

As forças democráticas que se levantam contra esses arbítrios cumprirão papel ainda mais relevante à medida que se organizarem, formando uma sólida barreira para conter o avanço da extrema direita. Esse movimento pode imobilizar as ações antidemocráticas e ao mesmo tempo reforçar as bases que impulsionam o processo político que emergiu com a redemocratização, o alvo principal dos que se juntaram para levar à prática atitudes nefastas como a desse procurador.

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