A denúncia do procurador
Wellington Divino de Oliveira, do Ministério Público Federal, contra o
jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, é motivada
por claras razões ideológicas. Sem justificativas legais, o denunciante foi
buscá-las na prática do jornalismo que ousou romper as fronteiras da conivência
para mostrar práticas ilegais, autoritárias e persecutórias da Operação Lava Jato.
Vermelho | editorial
Nesse aspecto, a denúncia se
alinha aos atentados contra o Estado Democrático de Direito, que tantos
prejuízos têm causado ao país. As revelações do Intercept comprovaram
muito do que já se sabia e que estavam no campo das suspeitas. Ao mostrar como
a Lava Jato montava e operava seus esquemas, as reportagens, que ficaram
conhecidas como Vaza-Jato, deram inestimáveis contribuições para a defesa da
legalidade democrática. Inclusive motivando decisões do Supremo Tribunal
Federal (STF) que coibiram abusos da República de Curitiba.
A ação desse procurador – o mesmo
que fez denúncia contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Felipe Santa Cruz, a mando de Sergio Moro, rejeitada pela Justiça Federal –
mostra que a prática de fazer da Constituição e de outros códigos democráticos
letras mortas continua. Uma denúncia como essa, com esse grau de inconsistência
e com inquestionável intenção de revidar politicamente uma atuação
jornalística, mostra até onde pode ir a ousadia dos que desprezam regras coletivas
que regem uma sociedade civilizada.
As vozes que se levantaram mais
uma vez contra o arbítrio, a exemplo do que ocorreu recentemente no caso da manifestação
nazista do ex-secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, reafirmam a
constatação de que a escalada autoritária suscita um amplo espectro de
defensores da democracia. Os valores da redemocratização estão pulsantes na
consciência de vastos setores da sociedade.
Isso ocorre porque esses valores
concentram uma longa jornada de lutas, que atravessou períodos de truculência e
violência e legou instrumentos da mais alta relevância para o avanço
civilizacional do país, como a Constituição de 1988. Por mais que ela tenha
sido atacada, modificada e desprezada, ainda é um baluarte da democracia, dos
direitos do povo e da soberania nacional.
Esse episódio foi mais um passo
do arbítrio, que novamente faz soar o alarme para a espreita dos que
representam projetos obscuros e ameaçadores. Que ninguém se iluda: por trás de
ações assim estão vozes empoderadas, como as do presidente da República, Jair
Bolsonaro, e do ministro da Justiça, Sérgio Moro – o ex-juiz da Lava Jato que
se tornou famoso por burlar a Constituição e vilipendiar o Estado Democrático
de Direito.
A lição que fica de mais esse
grave episódio é que as forças democráticas não podem subestimar as ameaças que
pairam sobre a nação. O país está sob o comando de um projeto de poder antípoda
ao longo caminho percorrido até a redemocratização de 1988. As simetrias dos
discursos de Bolsonaro e de outros integrantes do governo com a ideologia da
ditadura militar são evidências mais do que suficientes de que as ameaças são
reais.
As forças democráticas que se
levantam contra esses arbítrios cumprirão papel ainda mais relevante à medida
que se organizarem, formando uma sólida barreira para conter o avanço da
extrema direita. Esse movimento pode imobilizar as ações antidemocráticas e ao
mesmo tempo reforçar as bases que impulsionam o processo político que emergiu
com a redemocratização, o alvo principal dos que se juntaram para levar à
prática atitudes nefastas como a desse procurador.
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