A solidariedade e a defesa de
direitos humanos que a UE tanto apregoa não passam de puros exercícios de
hipocrisia. Postais negros, com realidades duras como a de Lesbos, é o que tem
para apresentar.
Inês Pereira | AbrilAbril | opinião
A 12 de Dezembro, Giorgos
Moutafis partilhava nas redes um vídeo do Campo de Moria, em Lesbos
(Grécia). Infelizmente, este vídeo não nos traz nada de novo porque se,
neste dia de 2019, fortes chuvas se abatiam sobre as frágeis tendas em que
sobrevivem milhares de seres humanos, em 2017 este mesmo campo foi atingido com
fortes nevões1. As tendas são o
denominador comum em ambos os vídeos que, inverno após inverno, continuam a
entrar-nos pelos olhos e a confrontarem-nos com as inaceitáveis condições em
que se encontram milhares de homens, mulheres e crianças vítimas das acções
criminosas do imperialismo em países tão diversos como a Síria, o Iraque ou o
Afeganistão.
A BBC News Brasil fez
também recentemente uma reportagem sobre a situação dos refugiados neste campo2, com o título: «O
campo de refugiados onde “crianças dizem querer morrer”». De acordo com a
reportagem, o campo de Moria acolhe cerca de 7 mil crianças e muitas delas
atravessaram o Mediterrâneo sem os pais, sem bagagens e com excesso de traumas
de guerra na memória. Na mesma reportagem, somos ainda confrontados com a
experiência de uma das psicólogas infantis deste campo, que em três meses lidou
com duas tentativas de suicídio e vinte casos de auto-mutilação. As crianças de
Moria fugiram da morte no seu país, mas parecem preferir encontrar-se com ela,
a sobreviver nas duras condições que lhe são «solidariamente» oferecidas pela
União Europeia (UE).
À Grécia, até Setembro de 2019,
tinham chegado, por via terrestre e marítima, 46 100 refugiados, mais 8 800 que
em 2018, segundo um relatório da Agência das Nações Unidas para os Refugiados3. Isto, num contexto em que, de acordo
com o mesmo relatório, se reduziram, em cerca de 20 mil as chegadas de
refugiados a Estados-membro da UE em 2019, comparando com 2018. Esta diminuição
não se desliga das políticas xenófobas e securitárias desenvolvidas pela UE nos
últimos anos e da progressiva edificação de uma «Europa Fortaleza», cujo
objectivo é proteger aquilo em que Bruxelas se chama o «modo de vida europeu».
De facto, se há área onde a UE
tem investido é no reforço do policiamento do Mediterrâneo, na segurança das
suas fronteiras e no alargamento das mesmas para países terceiros. Há que
barrar a entrada dos «perigosos terroristas» que fogem das guerras, da fome e
das pesadas consequências de décadas de exploração colonial e neocolonial
levadas a cabo pelas principais potências da UE, seja no continente africano ou
no Médio Oriente.
A preocupação da UE e dos seus
Estados-Membro com estas pessoas é nenhuma. As que chegam com vida4 têm
que se sujeitar a sobreviver em tendas e em campos como o de Moria, na rua, em
parques e estações de comboio ou de metro de cidades europeias como Bruxelas. Em países como a Bulgária têm que fugir para não serem caçadas
como animais. Se protestam ou levantam a voz exigindo dignidade, levam com
os cassetetes da polícia do país onde se encontrem. Tudo isto enquanto esperam
«tranquilamente» pela deportação.
A solidariedade e a defesa dos
direitos humanos que a UE tanto apregoa não passam de puros exercícios de
hipocrisia. Postais negros, com realidades duras como a de Lesbos, é o que a UE
tem para apresentar ao mundo.
As Nações Unidas realizaram este
mês, em Genebra, um Fórum Global sobre a situação dos refugiados que não teve,
nem de perto nem de longe, o destaque mediático da COP25. Tratou-se de uma
iniciativa com muitas intervenções de contextualização e cheias de boas
intenções, mas com respostas manifestamente insuficientes, considerando que,
para enfrentar os problemas das migrações e dos refugiados, é necessário ir à
raiz do problema, o capitalismo, e aí esbarra-se com as potências
imperialistas. É mais fácil construir campos para refugiados e muros!
Neste quadro, para além da
denúncia contínua destas situações e da solidariedade com estes povos, é
importante a mobilização contra a guerra e a ingerência do imperialismo em
países soberanos, a rejeição de abordagens xenófobas e racistas e a exigência
do respeito pelos direitos dos migrantes, combatendo todas as formas de
exploração a que estes são sujeitos em países membros da UE.
É necessário rejeitar o modelo de
«Europa fortaleza» e o seu cariz securitário e repressivo.
Imagens: 1 - Mulher e criança em
campo de refugiados de Moria, na ilha de Lesbos, Grécia, em Dezembro de 2019. CréditosGiorgos
Moutafis / Reuters; 2 - Imigrantes sofreram intempéries nos campos de
refugiados da ilha de Lesbos, na Grécia, no inverno de 2017. CréditosStratis
Balaskas/EPA / Agência Lusa
Notas:
1.Recordar
esta notícia da insuspeita Euronews.
4.Porque
há aquelas que continuam a morrer no Mediterrâneo e que nem chegam a pisar solo
europeu. Em 2019 estima-se que foram 1277 entre desaparecidos e mortos. Ver
informação aqui.
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