quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Quem são os ex-governantes portugueses nos negócios angolanos?


Além de mobilizar redes de influência, a contratação de ex-governantes portugueses permitiu ao regime de Luanda exibir as credenciais de responsáveis democráticos de Portugal. Não foram só advogados e consultores a apoiar e beneficiar do roubo sistemático do povo de Angola.

António Monteiro

- Ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros PSD 
- Ex-administrador da petrolífera Soco e ex-chairman do BCP indicado pela Sonangol

Depois de ter dirigido o processo diplomático dos acordos de Bicesse entre o MPLA e a UNITA, Monteiro esteve no MNE por duas vezes, primeiro como secretário de Estado do ministro Durão Barroso e depois como ministro de Santana Lopes. Em 2009, quando Cavaco anunciou uma “parceria estratégica” com o regime de Angola, Monteiro chamou-lhe “O novo eldorado para Portugal. Tem de ser agora, chegou o momento!" (Lusa, 11.3.2009). 

Martins da Cruz

- Ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros PSD 
- Ex-administrador do Millennium Angola

Martins da Cruz foi assessor diplomático do primeiro-ministro Cavaco Silva e, depois, MNE do governo Durão Barroso. Nessa altura, no casamento de uma das filhas do presidente de Angola, Barroso dizia necessária a “intimidade” entre as elites de Angola e Portugal. Em 2009, o embaixador Martins da Cruz explicava assim a parceria estratégica Angola-Portugal anunciada por Cavaco: “Trata-se de criar cumplicidades ao nível dos decisores políticos dos dois países” (Lusa, 11.3.2009). 

Tavares Moreira 

- Ex-secretário de Estado do Tesouro e ex-governador do Banco de Portugal
- Ex-administrador do BAI - Banco Angolano de Investimentos

O Banco Angolano de Investimentos arranca em 1996 com um terço de capital português (Crédito Agrícola e várias construtoras). Tavares Moreira é uma figura de primeiro plano das finanças portuguesas, secretário de Estado do Tesouro de Cavaco (80-81) e de Cadilhe (85-86), depois governador do Banco de Portugal entre 1986 e 1992. Mais tarde, leva à falência o Central - Banco de Investimento (grupo Crédito Agrícola) e é banido da atividade bancária por sete anos pelo Banco de Portugal. No processo, é acusado de falsificar as contas de 2001 e recorrer a um offshore para ocultar prejuízos de 25 milhões de euros. Moreira deixou o Crédito Agrícola, mas ficou sempre como administrador executivo do BAI/Europa. A reputação do BAI foi muito afetada por um relatório do Senado norte-americano publicado em 2010. No documento(link is external), a Subcomissão de Investigações considera que “o BAI é exatamente do tipo de instituições financeiras estrangeiras que o Patriotic Act pretendeu submeter a uma monitorização reforçada, para evitar o abuso do sistema financeiro dos EUA não só por criminosos e terroristas, mas também por autoridades corrompidas de países estrangeiros”.

Fernando Nogueira

- Ex-ministro Adjunto de Cavaco Silva e ex-presidente do PSD 
- Ex-presidente do Millennium Angola

Nogueira é um dos obreiros da aliança entre a Sonangol e o grupo vencedor da guerra interna no BCP (Teixeira Duarte, Joe Berardo, EDP, Stanley Ho). Em maio de 2008, esse grupo formalizou um acordo, assinado em Luanda pelos então presidentes da Sonangol e do BCP, Manuel Vicente e Carlos Santos Ferreira. Surge assim a rede de participações cruzadas da Sonangol com o BCP, a Mota Engil, a Geocapital (Stanley Ho) e o angolano Banco Privado do Atlântico. É nessa altura que ex-ministros do PSD - Leonor Beleza e Álvaro Barreto - e também Daniel Bessa, ministro da Economia de Guterres, entram no BCP como membros do Conselho Geral e de Supervisão presidido por António Monteiro.

Armando Vara

- Ex-ministro Adjunto PS
- Ex-administrador do BCP e ex-Presidente da Camargo Correa em Angola

Em 2011, Angola era o maior beneficiário dos fundos estatais brasileiros de garantia às exportações, com três mil milhões de dólares. Só em Angola, a construtora Odebrecht tinha então cerca de 40 mil trabalhadores, assumindo-se como o maior empregador privado do país. Tem investimentos conjuntos com a Sonangol no etanol, bem como interesses na hidroeléctricos e petrolíferos. Pelo seu lado, sob a presidência de Vara, a Camargo Correa estava associada à Escom, do grupo Espírito Santo.

Luís Todo-Bom

- Ex-secretário de Estado da Indústria e Energia PSD e atual porta-voz do PSD
- Atual chairman da Multitel Angola e administrador da Galp

No governo Cavaco, foi o organizador da privatização da PT e depois presidente do grupo entre 1992 e 1996. Acumula o cargo da chairman da Multitel, operadora de telecomunicações detida pelo Estado angolano e pela Portugal Telecom (40%) e, desde 2012, integra a administração da Galp controlada pelo consórcio luso-angolano. 

Na sua coluna do Expresso, dá a cara pela elite de Luanda: “O que se tem escrito sobre os líderes empresariais angolanos mais mediáticos, como a engenheira Isabel dos Santos ou o general Kopelipa, comporta grandes incorreções e imprecisões, incluindo algumas afirmações absolutamente delirantes. O mesmo acontece com conjecturas que tenho lido sobre a estratégia da Sonangol e dos seus gestores de referência como é o caso do engenheiro Manuel Vicente. Como, pelas mesmas razões culturais, as famílias empresariais angolanas privilegiam a descrição e a resolução dos seus conflitos internamente e não produzem desmentidos formais, alimentam ainda mais a especulação que os portugueses tanto apreciam” (Expresso, 4.8.2012).

Miguel Relvas 

- Ex-ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares
- Ex-administrador da Finertec angolana

Em 2005, o grupo Finertec foi vendido pela família Mello a interesses angolanos. À frente do grupo ficam quadros da Fundação José Eduardo dos Santos, que também dirigem o Banco Fiduciário Internacional (BFI), sediado em Cabo Verde, e a Opex (gestora do fundo estatal Angola Investe, onde se destaca Nogueira Leite). A Finertec reforça as suas relações em Portugal e Relvas torna-se administrador do grupo até integrar o governo de Passos Coelho. Em Novembro de 2011, a Finertec compra 20% da Fomentinvest Ambiente, de Ângelo Correia, onde Passos Coelho esteve empregado. 

O grupo entra em maus lençóis com o escândalo Silva Carvalho, diretor dos Serviços de Informação e Segurança que se mudou para a administração da Ongoing. Um "memorando” entre a Ongoing e Finertec, para prospeção de mercados em Angola e no Brasil, é assinado em junho de 2011, o exato dia em que Relvas toma posse como ministro, um mês depois de deixar a administração da Finertec (Visão, 30.5.2012). O seu sucessor, Marcos Perestrello, antigo braço-direito de António Costa em Lisboa que foi secretário de Estado da Defesa do anterior governo do PS, mal aqueceu o lugar, saindo sob o burburinho deste caso. 

António Nogueira Leite

- Ex-secretário de Estado do Tesouro e Finanças PS e ex-dirigente do PSD
- Ex-presidente do conselho geral da Opex, grupo Finertec 

Pela mão de Passos Coelho, chegou a vice-presidente da CGD, cargo de que se demitiu pouco tempo depois, para entrar na EDP Renováveis. Nos finais de 2012, a Opex geria o fundo Angola Investe com uma dotação anunciada de 1500 milhões de dólares a três anos, a partir do Ministério da Economia de Angola. Quando esta participação foi divulgada no livro Donos Angolanos de Portugal, Nogueira Leite ainda assegurava que "de Angola apenas conheço o aeroporto de Luanda em trânsito para Maputo" (Dinheiro Vivo, 16.01.2016).

Diogo Lacerda Machado

- Ex-secretário de Estado da Justiça PS
- Ex-administrador da GlobalPactum

A GlobalPactum é uma sociedade angolana de investimento onde, além da holding de Stanley Ho, está também presente a Sonangol. É hoje o principal acionista do angolano Banco Millennium Atlântico, resultante da fusão do Millennium Angola com o Privado do Atlântico. Na Globalpactum esteve também Alípio Dias, secretário de Estado das Finanças e Orçamento em sucessivos governos (1978-1985, pelo PSD)

Nuno Fernandes Thomaz

- Ex-secretário de Estado dos Assuntos do Mar CDS
- Ex-presidente do CaixaTotta Angola 

Indicado pelo CDS para a administração do banco público, Thomaz assumiu em 2013 a presidência do CaixaTotta Angola, onde a CGD e o Santander partilham a maioria do capital. Os restantes 49% são da Sonangol e dos angolanos Jaime Freitas e António Mosquito. Em 2011, Thomaz foi chamado por Paulo Portas para o grupo de trabalho do governo sobre diplomacia económica. 

Mira Amaral 

- Ex-ministro da Indústria e Energia PSD
- Ex-presidente do BIC

Criado por Américo Amorim e Isabel dos Santos, o BIC foi dirigido por Mira Amaral até 2016. O governo Passos Coelho vendeu ao BIC o Banco Português de Negócios, depois de uma nacionalização ruinosa, cujo impacto nas contas públicas ainda não é inteiramente conhecido. “O BIC quer ter uma boutique financeira que sirva para as transações entre Portugal, Brasil e Angola, o chamado triângulo dourado”, dizia Mira Amaral (Sol, 13.7.2012), explicando a compra do BPN pelo valor simbólico de 40 milhões de euros. O BPN foi depois vendido pelo BIC aos seus próprios acionistas, a crédito. Esse crédito foi depois “anulado” através de uma diminuição de capital do banco: o Estado tinha capitalizado o BPN com 600 milhões de euros, acima do necessário (Visão, 17.10.2013). Na verdade, o BPN foi oferecido a Isabel dos Santos e Américo Amorim (que em 2014 vendeu a sua quota à parte angolana, por valor desconhecido). 

Teixeira dos Santos

- Ex-ministro das Finanças PS
- Atual presidente do EuroBIC

Teixeira dos Santos tem uma longa relação com o BPN, cuja compra por Américo Amorim e Isabel dos Santos “permitiu ao BIC dar o salto” (Mira Amaral dixit). Entre 2008 e 2011, foi o ministro Teixeira dos Santos que nomeou Francisco Bandeira e Norberto Rosa para dirigir o BPN nacionalizado. A gestão motivou mais tarde uma queixa-crime do Estado por gestão danosa. Foi também Teixeira dos Santos quem financiou em mais de 5 mil milhões de euros, através da CGD, a liquidez do BPN antes da reprivatização. Em 2011, Teixeira dos Santos redige com a troika a cláusula do Memorando que prevê a venda do BPN no prazo de dois meses, sem definir um preço mínimo e assim prejudicando o interesse do Estado.

Ainda assim, o ex-ministro das Finanças do governo Sócrates terá sido a segunda escolha da principal acionista do BIC, Isabel dos Santos. O primeiro nome indicado, Jaime Pereira, foi recusado pelo Banco de Portugal, que não lhe reconheceu idoneidade na sequência de faltas na prevenção do branqueamento de capitais. 

Proença de Carvalho

- Ex-ministro da Comunicação Social e mandatário de Cavaco Silva
- Presidente do grupo Global Media

O advogado Proença de Carvalho é outro dos pivots na articulação desta influência angolana. Ministro da Comunicação Social no governo de iniciativa presidencial nomeado em 1978, diretor da campanha presidencial de Freitas do Amaral e mandatário de Cavaco Silva, teve nos últimos anos assento nos maiores grupos com interesses em Angola (Edifer,, BES, Galp), chegando a chairman da Zon em 2007. Permaneceu no cargo até 2012, quando Isabel dos Santos já dominava a empresa há vários anos. Em entrevista, asseverava que “não é por ser filha do presidente que Isabel dos Santos teve o sucesso que está a ter" (RTP, 28.8.2013). Associado a António Mosquito - detentor de concessões petrolíferas angolanas - e aos bancos credores da Controlinvest, iniciou a aquisição deste grupo de media pelo capital angolano. O agora grupo Global Media - que detém o DN, JN, TSF ou O Jogo - passou a ter como principais acionistas de controlo os empresários José Reis Soeiro, ligado a capitais angolanos, e Kevin Ho, filho de um antigo chefe de governo de Macau. Graça Proença de Carvalho, filha do advogado, foi secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços no governo Santana Lopes e também administradora da sucursal do Banco Privado do Atlântico, que associa dinheiro macaense e angolano.

Esquerda.net | Jorge Costa, deputado e dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.

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