Oxfam aponta: bilionários
tornaram-se ainda mais poderosos. Enquanto isso, mulheres realizam, sem
remuneração, 75% dos cuidados com idosos e crianças. Saída é clara: são
tributos redistributivos e serviços públicos que estabeleçam o Comum
Rôney Rodrigues | Outras Palavras com
informações da Oxfam
Às vésperas do Fórum Econômico
Mundial 2020, que se realizará entre os dias 21 e 24, em Davos, na Suíça — onde
o ministro da Economia Paulo Guedes promete reafirmar o compromisso do Brasil
com as reformas ultraliberais para banqueiros e especuladores de todo o mundo
–, a Oxfam divulga novo
relatório sobre o abismo social provocado pelos “donos do dinheiro”:
em apenas uma década, dobrou-se o número de bilionários. Já são 2.153. Juntos,
concentram mais riqueza que 4,6 bilhões de pessoas – ou cerca de 60% da
população mundial.
“Esse grande fosso baseia-se em
um sistema econômico sexista e falho, que valoriza mais a riqueza de um grupo
de poucos privilegiados, na sua maioria homens, do que bilhões de horas
dedicadas ao trabalho mais essencial – o do cuidado não remunerado e mal pago,
prestado principalmente por mulheres e meninas em todo o mundo”, aponta o
documento Tempo de Cuidar – O trabalho de cuidado mal remunerado e não
pago e a crise global da desigualdade, que aborda como a desigual
responsabilidade por essa atividade também perpetua assimetrias de gênero e
econômicas.
Tarefas diárias como cuidar de
outras pessoas, cozinhar, limpar, buscar água e lenha, essenciais para a
economia e o bem-estar das comunidades, são realizadas sem remuneração, na
maioria das vezes, por mulheres e meninas, tomando-lhes 12,5 bilhões de horas,
todos os dias. Uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à
economia global – mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do
mundo.
Ser mulher, revela o relatório, é
fazer 75% de todo trabalho de cuidado não remunerado do mundo. No Brasil, o
número é maior: 85% é feito por mulheres. As consequências são graves: elas são
obrigadas a trabalhar menos horas em seus empregos ou abandoná-los por causa da
carga horária com o cuidado. Em todo mundo, 42% das mulheres não conseguem um
emprego porque são responsáveis por todo o trabalho de cuidado – entre os
homens, esse percentual é de apenas 6%.
As mulheres também representam
maioria na força remunerada de trabalho de cuidado, atuando como enfermeiras,
faxineiras, trabalhadoras domésticas e cuidadoras, geralmente mal pagas, com
poucos benefícios e horários irregulares, além de sofrerem mais com problemas
físicos e emocionais. No Brasil, em média, uma mulher no emprego doméstico
ganha 78,44% do rendimento de homens que exercem as mesmas funções, segundo o
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada pelo IBGE em
2018.
A Oxfam também aponta para outras
disparidades econômicas e políticas: os homens detêm 50% a mais de riqueza do
que as mulheres, que ocupam menos posições de poder, já que apenas 18% de todos
os ministros e 24% de todos os parlamentares do mundo são mulheres e estima-se
que elas ocupem apenas 34% de todos os cargos de direção em países para os
quais dados estão disponíveis.
Crise iminente na prestação de
cuidados
O envelhecimento da população, os
cortes em serviços públicos e sistemas de proteção social e os efeitos das
mudanças climáticas podem provocar uma crise sem precedentes nessas atividades
desempenhadas, na maioria das vezes, pelas mulheres. O relatório aponta que 2,3
bilhões de pessoas precisarão de cuidado em 2030 – um aumento de 200 milhões em
relação a 2015. No Brasil, em 2050, serão cerca de 77 milhões de pessoas, mais
de um terço da população estimada, entre idosos e crianças, dependerão de
cuidado.
Frente a esse cenário, a maioria
das cidades estarão despreparadas para fornecer serviços básicos. De acordo com
os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 30% dos
municípios brasileiros contam com instituições de assistência a idosos; a maior
parte, está localizada no Sudeste.
No Brasil, os cortes nos gastos
públicos realizados em 2017 contribuíram para uma redução de 66% nos recursos
federais do orçamento inicialmente alocado naquele ano para programas de
direitos das mulheres que promovem a igualdade de gênero. Diversos outros
países , aponta a Oxfam, seguem caminhos similares, também reduzindo gastos
públicos e até privatizando Educação e Saúde – muitas vezes seguindo o conselho
de instituições financeiras como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Além disso, um colapso climático
imporá mais ônus às mulheres. Estima-se que cerca de 2,4 bilhões de pessoas
viverão em áreas sem água suficiente até 2025, o que significa que mulheres e
meninas serão forçadas a caminhar distâncias cada vez maiores para encontrá-la.
Para corrigir distorções
O relatório da Oxfam apresenta
algumas inusitadas imagens para compreender a dimensão da concentração mundial
de renda – e seus perversos efeitos sobre a população empobrecida.
Se alguém poupasse dez mil
dólares todos os dias desde a construção das pirâmides do Egito – obras que
começaram há mais de 5.700 anos –, teria apenas um quinto da fortuna média dos
cinco maiores bilionários do mundo. Outra alegoria é se cada habitante do
planeta sentasse sobre suas riquezas, empilhadas em notas de 100 dólares: quase
todos estariam sentados no nível do chão; a classe média de países ricos na
altura de uma cadeira e os dois homens mais ricos do mundo em uma montanha que
atingiria o espaço sideral.
Como, então, corrigir tais
distorções? Um dos pontos apresentados pelo relatório é que governos cobram
poucos impostos dos mais ricos e das grandes corporações, deixando, portanto,
de arrecadar importantes recursos para reduzir a pobreza e as desigualdades. Se
o 1% mais rico do mundo pagasse uma taxa extra de 0,5% sobre sua riqueza nos
próximos 10 anos seria possível criar 117 milhões de empregos em educação,
saúde e de cuidado para idosos, estima a Oxfam.
Seria, portanto, necessário que
governos invistam em sistemas nacionais de prestação de cuidados (acesso à água
potável, saneamento e energia doméstica, entre outros) para solucionar a
questão da responsabilidade desproporcional pelo trabalho de cuidado realizado
por mulheres e meninas, legislando para proteger seus direitos e garantir
salários dignos, além de investir e transformar os serviços públicos e
infraestrutura existentes.
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