João Ramos - CEIRI
A política externa do governo de
Recep Tayyip Erdogan tem sido objeto de atenção já a algum tempo. O renovado
interesse no mandatário turco decorre de ele buscar se consolidar como uma
força política ativa em distintas questões do Médio Oriente.
Aliando um discurso extremamente
nacionalista com uma aproximação de outros Estados na área, o governo da
Turquia tem tentado tornar o país mais presente nos desafios políticos e se
consolidar como um interlocutor razoável para países na região.
A Turquia tem buscado uma
alternativa de alinhamento que alia diálogo com países e forças no Médio Oriente, bem como a consolidação de sua relação com atores extra-regionais como a
China, mas, sobretudo, a Rússia.
Recentemente, o país vem
empreendendo projetos ambiciosos em seu envolvimento na região. O primeiro é a
presença militar na Líbia, visando, segundo Ankara, contribuir para solucionar
as tensões naquele território. O segundo é o empreendimento de um gasoduto para
explorar gás natural no Mediterrâneo. Em meio a esse contexto, guiada pela
Rússia, a Turquia tem empreendido esforços para estabelecer um diálogo
diplomático com a Síria.
Frente ao cenário de
instabilidade do Médio Oriente, agravado pela escalada de violência entre os
Estados Unidos e Irão após o ataque que matou o general iraniano Qassem
Soleimani, a Turquia tomou rápidas atitudes para marcar sua posição.
Ainda que tenha condenado o
ataque, Ankara não tomou ações mais enérgicas e afirmou ser favorável a uma
solução para a crise. O diálogo do país com Teerão melhorou nos últimos anos, porém,
como membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), é questionável
se a Turquia deseja enfraquecer a posição dos Estados Unidos na região.
Até ao momento, tem tomado
posições pragmáticas, que podem indicar tanto o desejo de se envolver com uma
questão que a desobrigue de participar do conflito entre EUA e Irão, bem como o
desejo de aproveitar o momento para obter ganhos políticos.
Em 2 de janeiro de 2020, o Parlamento turco aprovou o envio de
tropas do país para a Líbia. Esta decisão, resultado do diálogo entre o
governo em Ankara e a gestão do primeiro-ministro líbio Fayez Sarraj, abre um
novo capítulo da crise política que se estende desde 2011 naquele país.
A tropas turcas irão apoiar o
Governo do Acordo Nacional (GAN), que assumiu o país no processo que seguiu à
queda de Muammar Gadaffi e é reconhecido pelas Organização das Nações Unidas.
Atualmente, este é frequentemente ameaçado pela ação do Exército Nacional da
Líbia, grupo comandado pelo marechal Khalifa Haftar e que contesta a autoridade
do governo de Trípoli.
Frente à posição de Ankara,
Haftar anunciou que usará dos recursos na região para impedir
exportação de gás e combustível para a Turquia. Dadas as dificuldades logísticas, o governo turco anunciou que
espera contar com as bases militares da Argélia e da Tunísia para dar apoio às
operações no terreno.
Através da ação militar na
região, a Turquia pretende fortalecer o GAN e estabelecer um aliado no
Mediterrâneo e norte da África. Em artigo publicado no dia 18 de janeiro, já
frente a expectativa de um encontro a ser realizado no dia 19 de janeiro em Berlim,
com o objetivo de discutir a situação da Líbia, Erdogan afirmou que o mundo “não fez o suficiente para defender atores que buscam o diálogo”
na Líbia. O Presidente da Turquia também salienta que a União Europeia deve se
posicionar como um “ator relevante” e alerta sobre o risco de uma escalada no
terrorismo se a situação da Líbia não chegar a uma conclusão.
O governo turco também aprofundou
o diálogo junto ao governo da Síria sobre questões estratégicas que vinculam os
dois países. As relações entre ambos, ainda que nunca profundamente amistosas,
haviam enfrentado um teste ainda mais profundo com a Operação Primavera da Paz.
Esta ação militar, empreendida
pelo Exército turco no noroeste da Síria, visava criar uma “zona de contenção”, já demandada pelo país há
muito tempo. Após a escalada do conflito, um acordo mediado pela Rússia
permitiu estabelecer um cessar-fogo entre tropas locais e as forças da Turquia.
Em recente visita do presidente russo Vladimir Putin à Síria foi
sugerida a busca de um entendimento com a Turquia através de diálogos
diplomáticos. No dia 13 de janeiro foi reportado o encontro entre os chefes dos serviços de
inteligência e conselheiros de segurança nacional da Síria e da Turquia em
Moscovo.
Os primeiros passos do diálogo
não resolvem a tensão diplomática entre os dois países, marcadas por acusações
mútuas, como a recente afirmação por parte do governo da Turquia de que
o governo da Síria seria responsável pelas recentes agressões perpetradas por
rebeldes em Idlib. Entretanto, a predisposição para dialogar com o governo
sírio pode indicar que a Turquia possui outros planos, ou não deve tomar a ação na Síria como prioridade em um futuro
próximo.
A Turquia ainda declarou que
empreenderá a construção de campos de refugiado na zona de contenção
estabelecida no nordeste da Síria. O presidente Erdogan afirmou que possui
planos para restabelecer até um milhão de refugiados sírios na região. A Organização das
Nações Unidas reconhece que existem 5,5 milhões de cidadãos sírios em condição de refúgio em
janeiro de 2020, e 3,5 milhões destes se encontram na Turquia.
Os planos para exploração de gás
natural, que envolvem um gasoduto contornando o Chipre, permitindo assim a
exploração do recurso energético também no leste do mar Mediterrâneo, tem
causado desentendimentos com países vizinhos.
O governo da Grécia afirmou que a medida fere a soberania sobre
o mar territorial na ilha de Creta. Em 16 de janeiro, quando o presidente
Erdogan se pronunciou sobre o projeto, informando que um acordo com a Líbia
permitiria que os primeiros “passos concretos” fossem tomados, o Egito, ainda que não tenha se manifestado abertamente, já
desenvolvia planos para explorar o gás do Mediterrâneo em conjunto com Chipre,
Grécia e Israel.
Em resposta às posições sobre a
operação de extração de gás na região, o porta-voz para a assuntos exteriores e
política de segurança da União Europeia, Peter Stano, publicou que considera as
“atividades ilegais de exploração da Turquia na Zona Económica
Exclusiva do Chipre”, pois, segundo Stano, são necessárias “medidas para criar um ambiente que conduza ao diálogo em boa fé”,
complementando que as atitudes da Turquia vão, “lamentavelmente, na direção contrária”.
Observa-se que o governo da
Turquia busca usar para a região uma estratégia semelhante à aplicada no âmbito
interno. Ao mesmo tempo em que consegue equilibrar interesses de distintos
grupos para fortalecer a posição do governo, da mesma forma também apresenta
forte discurso nacionalista com a defesa de uma política com visão ampla de
Oriente Médio, com a qual pretende transitar entre distintos interesses para
fortalecer e remodelar a presença na região.
Obtendo presença militar e
económica também no Mediterrâneo, a Turquia busca dar passos para construir um
novo modelo geopolítico para o Médio Oriente. Em meio à presente crise política
da região, é notório que o país possui dificuldades em promover mudanças de
posicionamento e ainda não é completamente clara a natureza de suas ações. Entretanto,
é possível observar que a Turquia atua de forma incisiva e pragmática para
defender seus interesses na área.
Fontes das Imagens:
Imagem 1 “O presidente
Erdogan em encontro com o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin” (Fonte – Página
Oficial da Presidência da Turquia no Twitter, @trpresdiency): https://twitter.com/trpresidency/status/1218913903633141761
Imagem 2 “O Chanceler turco, Mevlüt
Çavuşoğlu, reunido com o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike
Pompeo” (Fonte – Página Oficial de Mevlüt Çavuşoğlu no Twitter, @MevlutCavusoglu): https://twitter.com/MevlutCavusoglu/status/1218824951739736064
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