domingo, 2 de fevereiro de 2020

A política externa da Turquia


João Ramos - CEIRI

A política externa do governo de Recep Tayyip Erdogan tem sido objeto de atenção já a algum tempo. O renovado interesse no mandatário turco decorre de ele buscar se consolidar como uma força política ativa em distintas questões do Médio Oriente.

Aliando um discurso extremamente nacionalista com uma aproximação de outros Estados na área, o governo da Turquia tem tentado tornar o país mais presente nos desafios políticos e se consolidar como um interlocutor razoável para países na região.

A Turquia tem buscado uma alternativa de alinhamento que alia diálogo com países e forças no Médio Oriente, bem como a consolidação de sua relação com atores extra-regionais como a China, mas, sobretudo, a Rússia.

Recentemente, o país vem empreendendo projetos ambiciosos em seu envolvimento na região. O primeiro é a presença militar na Líbia, visando, segundo Ankara, contribuir para solucionar as tensões naquele território. O segundo é o empreendimento de um gasoduto para explorar gás natural no Mediterrâneo. Em meio a esse contexto, guiada pela Rússia, a Turquia tem empreendido esforços para estabelecer um diálogo diplomático com a Síria.

Frente ao cenário de instabilidade do Médio Oriente, agravado pela escalada de violência entre os Estados Unidos e Irão após o ataque que matou o general iraniano Qassem Soleimani, a Turquia tomou rápidas atitudes para marcar sua posição.


Até ao momento, tem tomado posições pragmáticas, que podem indicar tanto o desejo de se envolver com uma questão que a desobrigue de participar do conflito entre EUA e Irão, bem como o desejo de aproveitar o momento para obter ganhos políticos.




Em 2 de janeiro de 2020, o Parlamento turco aprovou o envio de tropas do país para a Líbia. Esta decisão, resultado do diálogo entre o governo em Ankara e a gestão do primeiro-ministro líbio Fayez Sarraj, abre um novo capítulo da crise política que se estende desde 2011 naquele país.

A tropas turcas irão apoiar o Governo do Acordo Nacional (GAN), que assumiu o país no processo que seguiu à queda de Muammar Gadaffi e é reconhecido pelas Organização das Nações Unidas. Atualmente, este é frequentemente ameaçado pela ação do Exército Nacional da Líbia, grupo comandado pelo marechal Khalifa Haftar e que contesta a autoridade do governo de Trípoli.


Através da ação militar na região, a Turquia pretende fortalecer o GAN e estabelecer um aliado no Mediterrâneo e norte da África. Em artigo publicado no dia 18 de janeiro, já frente a expectativa de um encontro a ser realizado no dia 19 de janeiro em Berlim, com o objetivo de discutir a situação da Líbia, Erdogan afirmou que o mundo “não fez o suficiente para defender atores que buscam o diálogo” na Líbia. O Presidente da Turquia também salienta que a União Europeia deve se posicionar como um “ator relevante” e alerta sobre o risco de uma escalada no terrorismo se a situação da Líbia não chegar a uma conclusão.

O governo turco também aprofundou o diálogo junto ao governo da Síria sobre questões estratégicas que vinculam os dois países. As relações entre ambos, ainda que nunca profundamente amistosas, haviam enfrentado um teste ainda mais profundo com a Operação Primavera da Paz.

Esta ação militar, empreendida pelo Exército turco no noroeste da Síria, visava criar uma “zona de contenção”, já demandada pelo país há muito tempo. Após a escalada do conflito, um acordo mediado pela Rússia permitiu estabelecer um cessar-fogo entre tropas locais e as forças da Turquia.


Os primeiros passos do diálogo não resolvem a tensão diplomática entre os dois países, marcadas por acusações mútuas, como a recente afirmação por parte do governo da Turquia de que o governo da Síria seria responsável pelas recentes agressões perpetradas por rebeldes em Idlib. Entretanto, a predisposição para dialogar com o governo sírio pode indicar que a Turquia possui outros planos, ou não deve tomar a ação na Síria como prioridade em um futuro próximo.

A Turquia ainda declarou que empreenderá a construção de campos de refugiado na zona de contenção estabelecida no nordeste da Síria. O presidente Erdogan afirmou que possui planos para restabelecer até um milhão de refugiados sírios na região. A Organização das Nações Unidas reconhece que existem 5,5 milhões de cidadãos sírios em condição de refúgio em janeiro de 2020, e 3,5 milhões destes se encontram na Turquia.

Os planos para exploração de gás natural, que envolvem um gasoduto contornando o Chipre, permitindo assim a exploração do recurso energético também no leste do mar Mediterrâneo, tem causado desentendimentos com países vizinhos.


Em resposta às posições sobre a operação de extração de gás na região, o porta-voz para a assuntos exteriores e política de segurança da União Europeia, Peter Stano, publicou que considera as “atividades ilegais de exploração da Turquia na Zona Económica Exclusiva do Chipre”, pois, segundo Stano, são necessárias “medidas para criar um ambiente que conduza ao diálogo em boa fé”, complementando que as atitudes da Turquia vão, “lamentavelmente, na direção contrária”.

Observa-se que o governo da Turquia busca usar para a região uma estratégia semelhante à aplicada no âmbito interno. Ao mesmo tempo em que consegue equilibrar interesses de distintos grupos para fortalecer a posição do governo, da mesma forma também apresenta forte discurso nacionalista com a defesa de uma política com visão ampla de Oriente Médio, com a qual pretende transitar entre distintos interesses para fortalecer e remodelar a presença na região.

Obtendo presença militar e económica também no Mediterrâneo, a Turquia busca dar passos para construir um novo modelo geopolítico para o Médio Oriente. Em meio à presente crise política da região, é notório que o país possui dificuldades em promover mudanças de posicionamento e ainda não é completamente clara a natureza de suas ações. Entretanto, é possível observar que a Turquia atua de forma incisiva e pragmática para defender seus interesses na área.

Fontes das Imagens:
Imagem 1 “O presidente Erdogan em encontro com o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin” (Fonte – Página Oficial da Presidência da Turquia no Twitter, @trpresdiency): https://twitter.com/trpresidency/status/1218913903633141761
Imagem 2 “O Chanceler turco, Mevlüt Çavuşoğlu, reunido com o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo” (Fonte – Página Oficial de Mevlüt Çavuşoğlu no Twitter, @MevlutCavusoglu): https://twitter.com/MevlutCavusoglu/status/1218824951739736064

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