Lei americana que permite ações
contra estrangeiros usando propriedades confiscadas em Cuba gera tensões com
UE. Companhias europeias estão sendo processadas nos EUA, e seus executivos
impedidos de entrar no país.
Desde que, em maio de 2019, o
presidente americano, Donald Trump, renunciou à suspensão da chamada Lei
Helms-Burton, a vida se tornou mais difícil para os empresários da Europa e de
outras partes do mundo que fazem negócios com Cuba.
Ela permite ações jurídicas
contra estrangeiros que usem propriedades confiscadas de cidadãos americanos
durante a Revolução Cubana. O Capítulo 3º da lei, contudo, concede ao
presidente autoridade para suspender as disposições legais, se for de interesse
dos EUA e se promover a transição de Cuba para a democracia.
Entretanto, Trump considerou que
as mudanças introduzidas pelo governo cubano são insuficientes e permitiu que
expirasse a suspensão, antes concedida por seis governos americanos sucessivos.
Uma primeira vítima famosa da decisão foi a companhia internacional de
cruzeiros Carnival Cruise, processada sob a lei por violar o embargo dos EUA.
Agora, as medidas mais rígidas,
incluindo pesadas ações de indenização e recusa de vistos para os EUA, estão
ameaçando cada vez mais os empresários europeus, relata o enviado da União
Europeia a Cuba, Albero Navarro, para quem é "ilegal o uso
extraterritorial da sanção americana e uma violação do direito
internacional".
Na opinião de Navarro, o Capítulo
3º da Helms-Burton pretende claramente promover os interesses egoístas de
Washington. "O regulamento visa criar confusão no mundo dos negócios,
forçar cada vez mais investidores a desistir e dizer: 'Não estou investindo em
Cuba e, em vez disso, vou para Jamaica ou República Dominicana'. É uma clara
tentativa dos EUA de matar a economia cubana."
Herança da Revolução
A UE criticou fortemente o
Capítulo 3º, que permite a cidadãos americanos abrirem processo em tribunais
dos EUA contra qualquer empresa estrangeira que use propriedades confiscadas em
Cuba. Depois que Trump decidiu deixar a última suspensão expirar em 2019, foi
iniciado um total de 20 ações judiciais, entre elas contra a rede espanhola de
hotéis Meliá.
Na sequência da Revolução Cubana
nos anos 1960, o governo comunista de Fidel Castro nacionalizou grandes
empresas e propriedades anteriormente privadas. O Hotel San Carlos, no
município de Cienfuegos, pertencente à família Mata, foi confiscado em 1962.
A família, que conseguiu fugir
para os EUA, está agora processando uma série de empresas que usam o hotel de
alguma forma, inclusive a atual operadora Meliáe outras 37 empresas, como os
portais de reservas americanos Booking e Expedia, bem como a subsidiária alemã
da Expedia, a Trivago. Várias empresas estatais cubanas também são alvo do
processo.
Surpreendentemente, um tribunal
federal dos EUA decidiu em janeiro que a rede Meliá e as outras empresas não
americanas deveriam ser excluídas da ação coletiva – um ato deliberado da
família Mata para acelerar os processos, concentrando-se nos réus americanos,
explicou um advogado da família.
A decisão, porém, apenas
complicou a situação, afirmam observadores, e o enviado da UE está intrigado
com o que virá a seguir: "Até agora, não vimos uma única decisão judicial
contra uma empresa europeia", explicou Navarro.
Deterioração das relações UE-EUA
A confusão sobre a política de
sanções de Washington contra Cuba aumentou no início de fevereiro, quando a
administração Trump decidiu implementar o Capítulo 4º da Lei Helms-Burton. Ele
estipula que os EUA podem negar a entrada no país a indivíduos que "se
beneficiem" da expropriação de bens de cidadãos americanos em Cuba.
Segundo o governo, a medida também inclui altos funcionários de empresas e suas
famílias.
No processo "Mata versus
Meliá", isso resultou numa situação verdadeiramente bizarra: embora a rede
de hotéis espanhola tenha sido legalmente excluída da ação, seu vice-presidente
e diretor-geral, Gabriel Escarrer Jaume, está enfrentando sanções abrangentes.
Em outubro de 2019, a
administração Trump ordenou que ele se demitisse de seus cargos e vendesse sua
participação na empresa num prazo de 45 dias. Caso contrário, os vistos dele e
de sua família seriam revogados. Para evitar isso, ele poderia fazer um acordo
de compensação com a família Mata.
"A carta foi enviada em
outubro e está em vigor desde novembro", relata Navarro, e acrescenta,
referindo-se à decisão do tribunal sobre a Meliá em janeiro de 2020: "Eu
não entendo por que a decisão [contra Jaume] continua sendo aplicada."
Navarro admite que os EUA têm
direito legítimo de decidir quem entra ou não no país. Ao mesmo tempo, ele
insta a administração Trump a "revogar sua decisão contra uma empresa que
não foi condenada e nem faz mais parte de um processo judicial".
Segundo o encarregado, atualmente
a UE está usando seus canais diplomáticos para transmitir esse argumento ao
governo americano. Nenhum caso semelhante relativo a empresas europeias está
pendente em tribunais dos EUA, mas o da Meliá causaria enorme incerteza entre
as empresas europeias que fazem negócios com Cuba, acrescenta.
E, de fato, o regime de sanções
dos EUA contra Cuba desgasta progressivamente os nervos das empresas, que já
sofrem com atrasos de pagamentos cubanos devido ao estrangulamento financeiro
americano da ilha caribenha. Ainda assim, algumas empresas estão tentando
superar as dificuldades, afirmou Navarro, e as descreveu como "verdadeiros
heróis".
Como reação à introdução da Lei
Helms-Burton em 1996, a União Europeia estabeleceu um "estatuto de
sanções" destinado a aliviar os efeitos da controversa lei. As empresas
que sofrem prejuízos financeiros por sanções dos EUA podem processar a
administração americana por danos nos tribunais europeus. Navarro observa,
contudo, que a deterioração das relações bilaterais "ainda não havia atingido
esse estado".
Andreas Knobloch (fc) | Deutsche
Welle
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