Miguel Luís | O País | opinião
Fazia já algum tempo que a noite
tinha caído sobre a capital do país. É verão; a escuridão que dorme sobre
Maputo por estes dias não tem sido demasiado pesada. É uma ninharia se
compararmos com a escuridão dos dias de Inverno. Em contrapartida, durante o dia
a cidade tem aquecido demais, não há quem não reclame. Tem sido uma espécie de
estágio para o inferno. À noite sobram alguns resquícios desse calor que os
mais sabidos dizem que se deve aos efeitos das mudanças climáticas. A situação
está grave, contudo ainda vamos a tempo de evitar o pior.
Enquanto uma parte da cidade já
dormia, Sua Excelência estava acordado. Desde que o ano iniciou não tem
conseguido dormir como deve ser. Nada disto tem que ver com o calor que tem
assolado a capital. Mesmo se tivesse, a sua casa tem ar condicionado. Para Sua
Excelência, calor só mesmo fora de casa e do seu carro no qual no confortável
assento do motorista o seu corpo pesado estava sentado. Um carro preto no meio
de uma noite coberta por uma leve escuridão. Enquanto não saía do carro as suas
mãos grossas estavam sobre o volante. O carro estava estacionado algures num
dos bairros da periferia da cidade.
Sua Excelência não sabia como
tinha chegado ali, mas sabia que estava indeciso se saía ou não do carro.
A Escuridão e ansiedade nunca
foram bons aliados e Sua Excelência sabia perfeitamente disso. No mandato
anterior tinha desempenhado a função de ministro de uma pasta muito importante
na máquina governativa do país. Na profissão que ele tinha desempenhara muito
antes de ser ministro controle emocional é uma arma muito poderosa e lá tinha
aprendido aquilo que naquele momento ecoava na sua mente – Escuridão e
ansiedade nunca foram bons aliados.
Nos primeiros meses do ano todos
vivemos ansiosos. É o início de um novo ciclo. Há projectos novos por ganharem
corpo. Há alegrias que esperamos que nos cheguem aos olhos. Há frustrações do
ano anterior que tememos que nos assombrem no novo ano. Há uma série de coisas
que neste momento se transformam em imagens que ultrapassam a imaginação na tua
cabeça.
Ninguém merece sofrer uma pesada
derrota no início do ano. É como começar um casamento sem consumá-lo. Ninguém
merece. Ninguém merece um casamento sem direito às fantasias da noite de
núpcias, mesmo que o pote esteja já sem mel. Ninguém merece.
E Sua Excelência também sabia
disso tudo. A ansiedade roía-lhe os miolos; se as coisas continuassem como
estavam ficaria com a cabeça vazia no meio daquela noite. As nomeações já
começaram a sair e nada do meu nome, pensava ele. Se calhar estava a ser
precipitado já que naquele ano saía tudo às gotas. Porém se considerarmos que
já tinha saído três fornadas de nomeações e que o nome dele não constava de
nenhuma, ainda por cima a pasta para qual tinha ocupado no mandato anterior
neste já tinha outro titular, somos obrigados a dar mão à palmatória e dizer
que ansiedade do homem é fundamentada.
- Que se foda, vou lá! – disse
Sua Excelência enquanto arrastava o seu corpo rechonchudo para fora do carro.
No exterior do carro a rua estava
deserta. Se fosse noutra altura talvez veria um par de jovens esquinados nalgum
muro a fazerem coisas que podiam fazer no quarto. Mas nem esses aventureiros
por ali andavam.
Não levou muito tempo na rua.
Passados alguns minutos depois de ter saído do carro Sua excelência estava a
bater a porta de uma casa muito conhecida naquela rua.
- Sua Excelência! – disse o homem
que o atendeu com um ar surpreso. – o que faz aqui a esta hora?
- Sabes que já há muitos nomes? –
rematou o homem sem responder ao que lhe tinha sido perguntado.
- Sim sei, Sua Excelência.
- E o meu nome?
- Já amanhã, Sua Excelência.
Sua Excelência olhou para o
curandeiro e desatou a chorar.
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